30.11.04

O INVERSO.





Hoje, quando atravessava a cidade de metrô,
fiquei pensando que há muito tempo não
sou visitado por esse sentimento (ou será sensação?)
chamado de estado de graça. Essa leveza que nos acomete
repentinamente, sem aviso, as vezes até sem motivo
aparente. Talvez seja porque meus olhos são obrigados a ver
uma realidade que não estavam acostumados a ver. Ou talvez,
porque minh'alma tem andado tão turva, e por isso tão pouco
receptiva. Sim, porque é preciso estar receptivo para tanto.
Eu diria também disponível. Porque o estado de graça
é um presente divino. E para que exista essa disponibilidade
receptiva é preciso sentir a presença de Deus.
E eu o sinto muito longe de mim. Escondido e arredio, esperando
que eu me disponibilize, para que Ele possa
presentear-me novamente com essa maravilhosa
sensação chamada estado de graça.

SE EU PUDESSE.




Hoje eu seria um gato,
ressucitaria Patricia Highsmith,
e me enroscaria entre suas pernas.





29.11.04

PROCESSO SELETIVO.

É trabalhoso demais entrar em contato
com os meus vários eus.
Primeiro descobri-los, um a um, para depois selecionar
os que gostaria de manter vivos e em seguida me livrar
dos que considero obsoletos ou chatos.
Tem muita gente dentro de mim.
Uma multidão cuja maioria eu não escolhi.
Preciso com urgência de um filtro protetor
com repelente.

28.11.04

DESAFIO ACEITO. (para o blogueiro perturbador de escritores)

O PATRIOTA


Sete de Setembro. Feriado nacional.
Sentado na ponta da cama, Guto engraxa suas botas.
Passa das cinco da manhã. Às sete, ele tem de estar na base aérea.
Bio, já uniformizado e cheirando a água de colônia o apressa.
“Não se atrase, a esquadra levantará vôo pontualmente!”
Nervoso, Guto olha para Bio e o alerta:
“Você esqueceu de pendurar as condecorações.”
Enquanto calça as botas, um pensamento:
sua noiva estará entre os
convidados e sentirá orgulho ao vê-lo rasgar o céu azul.
“Pronto!”
“Pronto General Eusébio!”
A cinco mil pés, a dúvida lhe invade os pensamentos: prazer ou traição?

UM BOM SENTIMENTO.


Bebo um cálice de vinho tinto.
(um prost ao amigo Nuno Viegas)

Chove lá fora. Não, não está frio,
e se estivesse eu não estaria sentindo.
Porque meu coração me aquece.
Dentro de mim, um calor inexplicável.
Um sopro de esperança que de vez em quando
reaparece e me alegra. É qualquer coisa
parecida com a intuição. Não sei. Como se algo
bom estivesse para acontecer. É assim que sinto,
e é um sentimento agradável de sentir.
Um q de provérbio chinês positivista,
se é que isso pode ser possível.
Vejo crise, vejo chance. Vejo a luz.
Não no fim do túnel, mas na ponta dos meus dedos.
Deve ser assim. Um sopro, para fora e para dentro.
Respirar, é o mais importante agora.


27.11.04

THINK POSITIVE.

Há escassez de àgua no planeta.
Estamos secando.
Nossos mananciais estão
poluídos.
Há uma relação mais do que óbvia
entre a deterioração do meio ambiente
e o embrutecimento do homem.
A contemporaneidade é cada
vez mais rasa.

26.11.04

PROCURA-SE






Dama da noite,
vestida de branco.
Carrega uma bússula a tiracolo e
responde pelo nome Jaqueline.





ENCOMENDA FEITA POR M.M.M.(o mecenas não escritor)

Crepúsculo


Um grande amor, seu único desejo.
E agora, no outono da vida, o sonho se concretizava.
Acostumado a condição de homem só,
ele custou a acreditar que esse dia chegaria.
Lógico que já havia experimentado outras formas de amor.
Entretanto, jamais tão avassalador como neste exato momento.
Enfim, o amor estava ali, e lhe sorria.
Abriu a garrafa de arak* reservada desde sempre para essa ocasião,
e serviu-se do liquido viscoso num delicado cálice de cristal armênio.
Agora, definitivamente conseguiu compreender o significado da palavra sensual.
Adjetivo que desde jovem recusou-se a ouvir como elogio.

* Licor de anis.

MAIS UM NOVO CONTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Olha aí, logo ao lado na
seção CONTOS postei um
novo para você ler.
"A ILHA", sozinho e esperando
para ser apreciado.

25.11.04

AO SOM DE BRAVOS RETUMBANTES.

É fácil detectar a mentira.
Basta abrir os olhos. Andar pelas ruas da
maior capital do país nos mostra a verdade nua e crua.
Estamos empobrecendo. Ainda mais. Anos atrás,
quando voltei a morar em São Paulo não pensei
que isso fosse capaz de acontecer com tamanha rapidez.
Os cadernos de economia anunciam novamente recordes
de vendas no comercio e na industria. E daí? Não vejo
retorno em investimentos na construção de uma sociedade
mais justa. Meus olhos não mentem.
Vejo famílias inteiras dormindo sob as pontes que cruzam
as grandes avenidas. Crianças e velhos pedindo esmolas,
mendigos fazendo suas necessidades no meio da praça, e loucos,
muitos loucos perambulando por aí.
Decepção é tudo que sinto. Pelo governo,
independente de sua cor, independente de sua ideologia,
independente de sua tão festejada origem. Sinto um desprezo
total por todos que usam a palavra apenas para
expor idéias belas sobre o que poderia acontecer se...
Não me interessa mais discutir as heranças que nos fizeram
chegar até aqui. Chegamos mesmo a algum lugar?
Então esqueceram de me avisar.
São porcos, sem exceção, que mamam nas tetas de um
país inteiro. E sugam, onde não há mais nada a sugar.
Não entendo e me recuso terminantemente a entender
os planos econômicos que condenam milhões de brasileiros
a miséria. É facil detectar a mentira,
olhe para trás, olhe para a frente,olhe para os lados,
olhe no espelho, você não é diferente de nenhuma
dessas pessoas que caminham cabisbaixas ao seu lado.
O futuro chegou muito antes do que imaginávamos.
E tomou seu lugar na fila do INSS.

BALANÇA D'AGUA.


Há uma Nau
milimétricamente feita
sob medida
para cada tormenta.

24.11.04

PRA MIM?




Ela confidenciou com tristeza
jamais ter recebido uma carta de amor.
A amiga aconselhou-a a não mais desejá-las.
"O segredo está em não ter esperanças,
ignore essa vontade, quando você menos
esperar, ela vai estar na sua caixa de correspondência."
Aplicada, seguiu o conselho da amiga,
esforçou-se para ignorar seu desejo.
Não fosse o belo carteiro, teria conseguido.


VOTAÇÃO LIVRE.

Entre os seis contos escolhidos como
finalistas no concurso de contos do
http://chadelimão.weblog.com.pt
está um, que é meu: "O VÍCIO".
Você pode ler e votar entrando no
no blog acima indicado. PARTICIPE!
Além do meu, vai poder conhecer
outros autores portugueses. Vale a pena!

A RESPEITO DO TEMPO.

Com meus botões, fiquei pensando
a respeito do tempo e de seu poder de
cura e cicatrização. Se tudo isso
é verdadeiro, o que dizem que eu devo acreditar,
e que muitas vezes duvido.
Se não seria melhor termos receitas
paliativas para o dia a dia,
enquanto o tempo em que eu
me sentirei pronto e aliviado não vem.
Mas que não sejam promessas vazias de
conteúdo lógico, ou crença gratuita de filosofia
de botequim. Não pode ser.
Seria uma piada de mau gosto,
imaginar que de algum modo todos
os dias, e invariavelmente dia após dia,
ele me acompanhe se fazendo imperceptível,
para que no último (dia)
morra comigo.

23.11.04

ANOTE NA SUA AGENDA.

Dia 8, no restaurante Pequi
a partir das 19:00 horas
o queridíssimo Alcides Nogueira
vai autografar seu "Alma de Cetim"
da Coleção Aplauso que eu já comentei
aqui.

ELE CHAMOU DE PRAZERES.

O que para mim são desejos.



Prazeres,

De manhã o primeiro

olhar da janela
O velho livro reencontrado

Rostos entusiasmados
Neve, a mudança das estações,
O jornal
O cão
A dialética,
Tomar banho, nadar
A velha música
Sapatos confortáveis
Compreender
Nova música
Escrever, plantar
viajar,
cantar,
Ser amável.

Bertold Brecht

22.11.04

OLHA O PATRIMÔNIO...

Ontém no saguão de entrada do Teatro Municipal
um casal conversava e tomava café ao lado da
escultura do Brecheret. Num certo momento,
a jovem apoiou o copinho de isopor
sobre a obra para falar ao celular.
Uma senhora bem ao lado do casal,
imediatamente lhe chamou a atenção:
"Querida faça-me um favor,
retire já esse copo daí, ou você não consegue
diferenciar um móvel de uma obra de arte?"
A mocinha sem constrangimento nenhum
pegou seu café e saiu.
No intervalo da ópera, eu a vi novamente.
Falava de novo ao celular, e dessa vez
não somente apoiava um outro copinho de café sobre a obra,
como também sua bolsa.

SEGUNDA FEIRA.

Aqui não se discute o mérito.
Não importa o tamanho do seu querer,
ela retorna, escandalosamente de braços abertos
pedindo para que você a penetre.
Queira você, ou não, ela está aí,
como há sete dias e se contarmos
infinitamente para trás,
de sete em sete dias,
vamos rencontrá-la sempre,
e com a mesma disposição.
Sorriso estampado no rosto,
braços escancarados,
convidando a todos
a mergulhar dentro de uma nova semana.
Queira você, ou não.

21.11.04

PÃO QUENTE.

Eles já haviam trocado olhares na
fila do cinema. Depois, por um desses
acasos que a vida gosta de provocar,
novamente se encontraram dentro
da padaria 24 horas.
- Oi.
- Oi.
- Coincidência.
- É.
- Vem sempre aqui?
- Não, e você?
- Sempre, depois do cinema.
- Ah. Gostou do filme?
- Não me lembro.
- Mas como, se você acabou de assisti-lo.
- Passei o filme todo pensando num jeito de cruzar com você.
- Bom, então deu certo, você conseguiu.
- É, coincidência né?
- Não sei, acho que está mais pra obra do destino.
- E tem alguma diferença?
- Não sei, mas se tiver não saberemos agora.
- Por que?
- Porque a percepção da sutileza quase nunca é imediata.

20.11.04

AMIGOS PORTUGUESES.




Quando dei início a esse Blog,
não imaginava que fosse me corresponder
com tanta gente interessante. Em pouco tempo
a coisa se expandiu, participei de um concurso de
contos em Portugal e desse encontro Br/Pt,
conheci outros autores que por sua vez também
tem seus próprios blogs. Além da simpatia Lusa
com eles a gente descobre pequenas
diferenças e muitas afinidades.
Vai aí a dica de três
deles que me agradam muito:
www.livejournal.com/users/je_bois/
http://chádelimão.weblog.com.pt
http://zoick.blogspot.com

COMPLEXO DE ELSA.





Li num artigo de jornal que comentava a estréia
da ópera Lohengrin, as explicações do diretor
sobre os aspectos fundamentais da obra de
Wagner e principalmente sobre a
personagem Elsa da ópera em questão.
Preste atenção: “...Principalmente o
processo patológico de inversão e falta
de visão do bem ao esquecer a fé, o amor
que possui, a bondade, preferindo insistir
na dúvida e na angústia como um
processo inconsciente de auto-destruição.”
Pensando bem, todo mundo tem um pouco

desse complexo de Elsa.
Alguns nem tem consciência, outros
quando se dão conta, tentam se tratar,
e outros ainda, passam a vida tecendo tramas
que dariam excelentes óperas.



19.11.04

DEUS ESTEVE AQUI.





Fim de tarde, sexta feira cinza e úmida.
Fiz um café preto para acompanhar meu delicioso
Bolo de fubá. Pequenas alegrias que eu gosto de cultivar.
Peguei o livro de crônicas da Clarice e coloquei as sonatas
de Bach para cello e piano para escutar.
Abri ao acaso, “tipo assim”, minutos de sabedoria.
Fui lendo uma crônica atrás da outra sem parar,
embalado pelas frases musicais.
Dei-me conta de que me fora possível acompanhar
a leitura sem me sentir perturbado, o que raramente
acontece quando leio e escuto música ao mesmo tempo.
Preciso do silêncio. Mas hoje não precisei.

Porque Clarice e Bach combinaram.
Porque juntos dialogavam comigo, e também com Deus.
Porque foram raras essas horas de prazer, quase inenarráveis.
Meu Deus, obrigado por dar-me condições para sentir
o que senti há apenas alguns minutos atrás.
Amém.

NÃO SEI SE ELE GOSTARIA.

Mas eu achei hilariante.
Foi numa festa de aniversário
Lá pelas tantas apareceu a Drag Queen Nanni People,
muito conhecida por aqui.
Fez seu show, alegrou a rapaziada e o ambiente
e tudo e tal (como diria o saudoso Caio F.).
Depois de um tempo, um amigo me perguntou:
Como será o nome de batismo dela(e)?
Eu respondi que não fazia a menor idéia.
Porém, um outro amigo sentado bem próximo
respondeu de imediato:
"Deve ser Fernando Pessoa."

18.11.04

OÁSIS.



Que bom seria se todos os dias
eu pudesse sentir a mesma sensação
agradável de ausência de urgência (rimou por acaso)
que hoje por alguns minutos pude sentir.
Fui cortar o cabelo (os poucos que me restam)
e enquanto o barbeiro passava a máquina
ele me contou um pouco de seu passado
(é português o seu Borges)
Senti que a saudades apertou e ele
se emocionou.
Naturalmente, ele enxugou as lágrimas e se
sentou ao meu lado. Disse a ele que não se envergonhasse,
que deveria chorar a saudade toda. E foi exatamente
o que ele fez. Pediu que a manicure fosse buscar
dois cafés no restaurante logo em frente sentou-se
ao meu lado e falou por mais de meia hora.
Bom demais ouvi-lo. Suas histórias e lembranças
distantes. Bom demais os quarenta ou mais minutos
de histórias contadas ao pé de ouvido.
Me senti humano, como há tempos não vinha me
sentindo.

DEUS ME ACUDA!!!





Entre as supostas deficiências que considero
ainda não ter resolvido e que, segundo minha irmã,
tenho que resolver ainda nesta
encadernação para na próxima voltar
mais evoluído, está a minha falta de
tolerância.Tudo bem, sei que as vêzes (na maioria delas)
eu reajo com ironia e não tenho paciência
até que as pessoas traduzam o que
estavam tentando me dizer.
Mas, vocês aí, crentes em vidas
passadas, me resolvam essa questão.
Por que??? pelo amor de Deus eu tenho que
conviver com tanta falta de:
educação, sensibilidade, respeito ao próximo
e ignorância? E tanto excesso de:
auto-comiseração, vaidade e orgulho pela
própria ignorância.
Se a resposta tem a ver com algo
que aprontei em outra vida, prefiro
que não comentem nada, e se preferirem
pedir para que eu tenha calma e fé,
desistam.


17.11.04

UP TO DATE.

Se hoje eu tivesse que escolher
entre um abraço apertado
e palavras de conforto,
eu escolheria o abraço.
Palavras geram esperança,
que por sua vez geram ansiedade
que por sua vez...
O Abraço gera bem estar e conforto,
e, acima de tudo, tem efeito imediato.







TUDO ESCRITO.

O sonho de Lavínia é ser modelo.
Para tanto ela se inscreveu num concurso
e vai concorrer com mais de 20 mil moças
tão ou mais bonitas e magras do que ela.
Lavínia está super ansiosa por causa
da disputa. Não tem comido quase nada
e se olha no espelho quase que de hora em hora.
Lavínia não sabe que não tem a menor chance.
Ignora que as cartas estão marcadas.
Horas antes de se apresentar, vai sofrer
um colapso por inanição e acabar internada.
Coitada, ela se esforçou tanto!




16.11.04

CAMISA DE FORÇA.






Um manifesto é uma declaração pública que normalmente
é a favor ou contra um órgão ou instituição.
Hoje, enquanto voltava para casa
pensei então em fazer um manifesto contra
os maus tratos que pratico contra mim mesmo.
No caminho passei a enumerá-los e a selecioná-los.
Cheguei a uma soma vergonhosa.
Atos simples que parecem normais vistos a olhos nus,
mas que quando revelados não são tão normais assim.
Não sei se Freud conseguiria explicar. Acho difícil.
Mas tudo bem, também não gostaria de me entender tanto assim.
Quando cheguei em casa já me sentia melhor.
O simples fato de ter me manifestado contra mim mesmo,
me proporcionou um grande alívio. Mesmo concluindo que no fundo
esse manifesto também era uma terrível forma de mau trato,
quando entrei no apartamento agradeci a mim mesmo
por até hoje não ter matado ninguém.

FAZ DE CONTA.

Olhos cerrados, ele pensava sobre seu passado.
Se juntasse as lembranças sobre
as festas que não foi,
as reuniões de família que não frequentou,
as histórias de amor que não viveu
e os constrangimentos que tudo
isso lhe causou, ele poderia
escrever um belo livro.


15.11.04

SUJEITO IRRITANTE.

Quando tudo parece ir bem
ele encontra um motivo para se irritar.
Qualquer coisa. Nem sempre a razão de
sua implicância pode estar por perto.
Um simples pensamento de algo já
pertencente a um passado remoto pode
levá-lo a implicar. Ou coisas que todo mundo
costuma fazer, como por exemplo
alguém que anda arrastando os chinelos, ou ainda
o vício do presidente Lula em não tirar da boca o
e-f-e-t-i-v-a-m-e-n-t-e toda vez que vai explicar
alguma coisa que não deu certo. Nada muito
sério, mas o suficiente para irritá-lo.
Tentei alertá-lo do quanto esse jeito acaba
irritando as pessoas que convivem com ele.
Não adiantou nada, argumentou que eu
era irritante.

14.11.04

PASSO A PASSO.

- Você é um cara difícil.
- Você se engana meu bem, sou tão simples
quanto um escapulário.
- Que comparação mais absurda!
- Você nunca me carregou no peito.
- Difíííííííícil
- Dificil mesmo é amar as coisas simples.

13.11.04

NEW RAMSÉS.

Ao ler a reportagem sobre a
intervenção do Banco Santos o reporter
descreve a casa para onde o proprietário
do Banco acaba de se mudar.
4.200 mts, custo de 50.000.000,00 de reais,
bunker, galeria de arte com pé direito
de 9 metros e capacidade para receber
250 pessoas, e só o closet da mulher
tem 43 metros quadrados. Detalhe: o banqueiro
admite que o banco "vinha passando"
por dificuldades financeiras.
Conhecido como
amante das artes (ai meu Deus!),
com certeza a construção do imóvel
foi por uma causa justa: o socialight/mecenas
construiu o próprio mausoléu.
Ingressos "estão sendo" distribuidos
antecipadamente.

LIVRO DE BOLSO.

Nem bulas,
Nem receitas.
Para aqui se viver
é preciso um manual de instruções.
De preferência um já traduzido.


NECESSÁRIO.


Mesmo sem o menino dentro de mim,
me desdobro em tentativas.
Não me incomodo mais com o tempo.
Tenho tantos outros eus dentro de mim
que ainda desconheço mais da metade
deles.
Vou desvendando,
dia após dia, um novo rosto,
um novo homem, um novo mundo.
Mesmo sem o menino dentro de mim.



SINCERIDADE.



Nem sempre é fácil ser agradável.
Quase nunca.
Nunca.

12.11.04

ALPTRAUM.


Sonhei com carne crua.
Um pedaço enorme jogado
na frente da casa onde eu morei antes
de voltar ao Brasil.
E meus falecidos gatos também estavam lá.
Lindos e gordos. Dormiam.
Falar com mortos durante o sonho
é esquisito. Implorei e chorei ao
pedir que eles viessem
morar comigo novamente.
Saudades do silêncio. Das quatro estações.
Do caminhar entre as folhas secas e
Das relações aparentemente civilizadas
que eu tinha com os de lá.
Intermezzi, op.117, de Brahms.

SUPERMERCADO.

Na fila do caixa, vi a foto dos peitos
nada angelicais da Angélica.
No primeiro momento, pensei:
Que nojo!
No segundo:
Pensei no ridículo interesse que uma foto
como aquela pode despertar nas pessoas.
No terceiro estava pagando e já
havia esquecido do que ví.




11.11.04

MENSAGEM ESOTÉRICA.

Recebi essa pérola raríssima
de alguém que não quis
se identificar. Assim que acabei de ler,
descobri rapidamente a razão.
Leia com atenção por causa da profundidade
de dificilima compreensão.
"Se um dia lhe der uma vontade louca de chorar... me chama.

Não lhe prometo fazer sorrir, mas posso chorar com você."
Era tudo que eu precisava para melhorar o meu humor,
daí em diante foi só alegria.
Só faltou o fundo musical.
Como sugestão recomendo
o hit "sai lacraia do vaquinha
pocotó" tocado apenas
por uma flauta doce.
Axé!!!!!!!!!!!!!!!!!!

O EQUIVALENTE.





Tem gente que adora usar metáforas
quando se comunica. Só consigo entender essa
preferência como camuflagem da própria ignorância
ou como um meio para convencer as pessoas
de sua suposta inteligência.
O que na verdade é quase a mesma coisa.
Primeiro porque falar usando metáforas reforça
ainda mais sua incapacidade de se fazer entender,
e segundo porque provoca no interlocutor
a certeza que ele não sabe do que está falando.



10.11.04

VOCÊ NÃO ACHA?

Tenho reparado que as pessoas deixaram de pensar
sobre qualquer assunto e passaram a achar.
Todo mundo acha alguma coisa.
Desde que passamos a achar,
os problemas parecem ter aumentado.
Além disso, até pouco tempo não
era todo mundo que achava alguma coisa,
as pessoas pensavam um pouco mais antes
de achar. Hoje não,
qualquer um se acha no direito de achar sobre qualquer
tema, e se mete na conversa pra dizer o que acha.
Ninguém mais se sente constrangido,
ou inapto para discutir qualquer assunto.
O importante mesmo é achar.
Nem que seja só para dizer,
eu acho que...

RECEITA PARA DESENFEZAR.

Ingredientes: água e alecrim.
Modo de fazer: coloque o alecrim na água
e ferva.
Modo de usar: despeje a água bem quente dentro
do bidê. Com cuidado sente-se de tal maneira
que sua bunda não toque a água para não se queimar.
Em seguida fique na mesma posição por 5 minutos.
Por favor, observe os cinco minutos, menos que esse
tempo você não obterá resultado.

Obs: se quiser para matar o tempo, utilize o alecrim. Enrole-o
num pano de prato limpo e enquanto espera os 5 minutos
fazerem efeito, esfregue o pano de forma circular em torno
do fígado. Se tiver dificuldade para encontrá-lo, ele fica bem
abaixo da última costela, do lado direito.

Pronto, você já pode se considerar um sujeito desenfezado.

9.11.04

TEIMOSIA.





— Essa estória de você ficar sempre relativizando minhas opiniões me irrita.
— Isso não existe.
— Como assim, não existe?
— Opiniões relativas. Elas não existem.
— Ta vendo! Por que não?
— O que você quer dizer é que eu estou sempre discordando de você.
— Não. O que eu quero dizer é que você não concorda com nada do que eu digo.
— Isso não existe.
— Ai meu Deus, num falei?
— Se você tivesse dito “discorda de tudo que eu digo”, aí sim, talvez eu pudesse concordar.
— Será que isso vai acontecer um dia?
— Depende.
— Do que?
— Da tua opinião ter alguma relação com a minha!


DA SÉRIE "O MELHOR DO BRASIL É O BRASILEIRO".

Enquanto eu atravessava a praça da sé
um desses pastores possuidos pelo diabo
se esgoelava e batia a bíblia contra o próprio corpo
berrando palavras que ele atribuía a Deus.
O cara berrava tanto que um cidadão corajoso
pediu para ele"gritar mais baixo".
A fúria do pastor foi tamanha, que ele interrompeu
sua pregação e mandou o cara tomar no cu com ainda mais vigor.
Não contente, jogou sua bíblia encadernada no chão e
começou a pular sobre ela xingando o outro
de filho da puta para cima (ou será que é para baixo?).
Um outro pastor que pregava logo ao lado,
parou seu sermão e veio socorrê-lo.
Com a mão sobre a testa do colega de profissão,
começou a gritar: "sai satanás, sai satanás."

ENQUANTO ISSO.

Fico aqui dentro.
Neste buraco onde ninguém pode me ver.
Entrincheirado e sem armas,
sinto o tempo passar.
Não. Não pensei em estratégias.
Fui cavando, cavando...
Pensei em muitas coisas,
menos em estratégias.
Pensei no depois, no quanto seria bom estar lá dentro.
Fui cavando, cavando...
E cá estou,
neste buraco onde ninguém pode me ver.
Entrincheirado e sem armas,
vendo o tempo passar.


OUTSIDER.

- Estive pensando em desistir de tudo.
- Como assim?
- Ah sei lá, vender tudo, não desejar alcançar mais nada...
- Isso também é um desejo.
- É, mas é diferente.
-Ahã.

RECADO.

Para o anônimo que disse que os dois novos contos
não abrem para leitura.
Abrem sim. Fiz o teste algumas vezes.

8.11.04

X DOG TUDO.

Amanhecia.
Em frente da granja, dezenas de pessoas
se amontoavam em volta da Kombi.
Eu o reconheci assim que ele se aproximou.
Era Judas.
Nossos olhos se cruzaram enquanto eu mordia
um pedaço do meu cachorro quente.
"Quero tudo,queijo, ketchupe, maionese, mostarda,
batata palha. Ah! que é isso aí que ce tá colocando?
Pode por também,quero tudo que eu tenho direito."
Tomei um gole da minha coca-cola e esperei para
ver como ele faria para abocanhar seu sanduíche.
"Embrulha pra viagem. Duas cocas também,
tudo junto. Põe tudo num saco só."
Tirou o dinheiro amassado do bolso da jaqueta
e o apertou na mão da vendedora.
"Valeu cara."
Antes de olhar de soslaio e sumir,
o galo cantou três vezes.




7.11.04

ACORDA ZULEIDI!!!

Recado pra Zuleidi a nova contratada do telemarting:

Passa rápido é um novo modelo de ferro para passar roupa.
Picinão é como a rua dela vai se chamar quando chover muito.
Céu é um lugar tão distante, tão distante, que ela só vai entrar depois de morta.

FESTA CHIQUE.

Todos eles mostravam os dentes.
Todos. Como os cães quando sorriem para nós.
Engraçados como só pessoas sem o menor senso de ridículo conseguem ser.
Dançavam ao som das próprias gargalhadas.
Como uma nova espécie animal. Um misto de hienas e humanos.
Amedrontador.


6.11.04

DNA

Conheço a história dos meus antepassados só até duas gerações anteriores a minha.
Sei muito pouco sobre eles. Expulsos de suas terras,obrigados a partir em busca de um lugar onde pudessem sobreviver. Corajosos por ausência de alternativas.
São parte de mim. Praticamente desconhecidos, somos tão íntimos quanto dois inimigos. E agimos assim. Nos conhecemos de ouvir falar. Histórias que nem me lembro mais por excesso de repetição e cansaço. Antes deles, imensos pastos estéreis, rios que deságuam no nada, macieiras que nunca deram fruto. Existo a partir do novo mundo. Não há memória, apenas uma vaga idéia. Não há resgate, apenas o desejo dele. Hoje costuro estórias com palavras de fio misto. Teço meu próprio fado.

5.11.04

SEGREDO.





- Eu era louco por você.
- E por que nunca me disse.
- Você sempre me pareceu muito grande, muito inatingível.
- Imagine! Eu sempre fui tão simples, tão acessível.
- Pena.
- Por que?
- Porque passou. Eu já não sou mais louco por você.
- Pena. Teríamos todo tempo do mundo.
- Eu sei, mas já não sinto vontade de chamar-te de meu bem.


4.11.04

GIRANDO, GIRANDO...

Pense na ausência de praças onde
haveriam bancos e você poderia se sentar.
Pense nos jardins floridos que nossos olhos deixam de enxergar.
Nos velhos que ali gastariam seus últimos anos
lendo jornais e conversando sobre o passado.
No singelo pagode feito de madeira.
No pipoqueiro e no loro da sorte.
No sorveteiro e no balão de gás.
No algodão doce e na maçã do amor.
No pequenino lago com chafariz.
Na valsa que deixamos de escutar,
e comece a girar.
A girar e girar, e a girar e a girar,
e a girar e a girar, e...


INDICAÇÃO DE ROTEIRO ( projeto incentivado por M.M.M.o não escritor)

Título: Passado proibido ou Como era santa minha ignorância.

Mabel, travesti aposentada, cansada das gozações que sofreu a vida inteira por não saber quem foram seus pais, resolve investigar seu passado. Apaixona-se pelo detetive e juntos descobrem que seus pais eram egípcios e a abandonaram no porão de um navio transatlântico italiano que partia para o Brasil. Romance dramático e trágico, porque a partir do conhecimento de suas origens, Mabel morre sem resolver o grande dilema dos últimos anos de sua vida: Ser "incinerada" e "esparramada" no mar, ou embalsamada e conservada para a posteridade.
Sobre o autor: É grande estudioso em assuntos relacionados a ocultismo e considera Brumas de Avalon o melhor romance já escrito até hoje. Contratulamente não revelará seu nome jamais. Acredita que só assim conseguirá continuar suas peregrinações mundo afora, divulgando o que sabe sobre vidas passadas anonimamente.

3.11.04

SÃO SEBASTIÃO.


Trago comigo duas rosas,
São Sebastião.
Uma pelo que despertastes em mim,
Outra pelo que me negastes.

Prisioneiro de tua história,
teu coração
não te liberta.
Deixo-te as rosas.

REFLEXÃO INVOLUNTÁRIA.



Se não há nada para dizer,então não diga.
Se não há nada para fazer,então não faça.
Respire.
Pro-fun-da-men-te.
Respeito o seu silêncio.
Respeito a sua preguiça.
Respiro.
P-r-o-f-u-n-d-a-m-e-n-t-e i-r-r-i-t-a-d-o.

2.11.04

TERRA DOS EFÊMEROS.

Nada é mais importante que fazer sucesso. Nem que seja por apenas um minuto. Não importa como, e muito menos por que. O importante é fazer sucesso. Aparecer na mídia. Mostrar tudo aquilo que você não sabe fazer. E se você não puder mostrar aquilo que você não sabe fazer, então tire a roupa, mostre a bunda, rebole muito, pose nu. É fácil. E se alguém te criticar num desses programas de televisão (certamente você será convidado) por ter chegado onde chegou somente por causa de seus atributos pessoais, diga que é inveja e despeito. Defenda os seus direitos, diga tudo o que acha em público, exponha sua vida medíocre o máximo que puder. Depois disso, chegou a hora de contratar um assessor de imprensa, vá passar uns dias na ilha de caras, e quando voltar, abra as portas da sua penthause para a imprensa e comente sobre seus projetos. Frequente festas, coquetéis, apareça em qualquer evento segurando um copo de prosseco no Amaurí, é chique,e é exatamente isso que as pessoas gostam, que você seja chique, muito chique, chiquésimo. Aproveite todos esses momentos o máximo que puder, lembre-se de que a qualquer momento um novo idiota como você pode aparecer e aí meu caro(a), o teu tempo acabou. Nem mesmo aquela apresentadora que você trocou um selinho em público vai te querer. Um horror! Vai ter que mostrar a bunda e rebolar de novo. Começar tudo de novo, só que agora na rua. Você poderá escolher entre a Rego Freitas e o Trianon. Passar fome você não vai, e se isso acontecer, não se preocupe, tem sempre um novo talk show para você poder contar a sua trajetória.

MAIS DOIS NOVOS CONTOS.



Estão aí, logo ao lado, "São Miguel, o arcanjo" e "Filhos exemplares".
É só clicar, ler, e se quiser, depois comentar.
Boa leitura!


PENSATIVO.



Hoje pela manhã, antes de sair de casa, li vários artigos de jornais que me informavam que o PIB bateu recorde, o desemprego diminuiu, a exportação ultrapassou o previsto e o poder aquisitivo aumentou.
Logo na primeira esquina uma senhora já bem idosa me pediu esmola. Caminhei mais alguns metros e um rapaz procurava por latas nos sacos de lixo. Enquanto esperava o sinal abrir para poder atravessar a rua, vi dois garotos com menos de 10 anos de idade dormindo coladinhos e enrolados numa colcha imunda na porta de um prédio, e quando cheguei do outro lado da rua um idoso me estendeu o chapéu.
Até chegar ao meu destino me perguntei várias vezes se os artigos que eu havia lido falavam realmente sobre o Brasil. Ou será que eu entrei para o rol de milhões de brasileiros que sabem ler mas não conseguem compreender o que lêem?


NOVA LINGUAGEM.

Demorei um pouco para responder.
Não entendi a pergunta da telefonista "Sergio da onde?"
Fiquei em dúvida sobre o que responder. Como assim "Sergio da onde?"
O que ela queria saber, com da onde?
Hesitante, respondi "sou um amigo", e a resposta pareceu satisfazê-la. Imediatamente ela me comunicou: "Fique no aguardo, o doutor já vai te atender."

1.11.04

NOVOS TEMPOS.

Ontém encerramos uma fase de pessimismo.
Hoje começamos uma nova fase de pessimismo.