31.12.04

FELIZ ANO NOVO.








A palavra como elo de ligação
Passado, presente e futuro.
Registro, cotidiano, desejo.
Raramente o milagre.
A fé, sempre.


29.12.04

SEGREDO.








Um segredo.

Uma rosa suspensa.
Pendurada sobre
um grupo de homens
que se entreolham,
conscientes da responsabilidade
de se manter em sigilo o
que ali se falou.

Outro segredo.

Nenhuma palavra foi dita.
Depois do beijo,
o silêncio do casal.
Alguns segundos depois
um outro beijo.

Segredos.

Sobre os homens, a rosa.
Para sempre o silêncio,

a palavra não dita e o beijo.




ACIDENTAL.

Sempre gostei de relacionar palavras,
brincar com o significado delas e perceber
a semelhança existente apesar de muitas
vezes uma não ter nada a ver com a outra.
Assim, hoje de manhã, lendo os jornais, e
ficando cada vez mais triste com a tragédia
que acometeu uma parte do continente asiático,
eu descobri uma relação entre Tsunami
e Zunehmen (pronuncia-se tsunehmen).
Tsunami todo mundo já sabe, zunehmen do alemão,
pode ser traduzido entre outras traduções em
engordar, pegar para sí, levar consigo.
E não foi isso que aconteceu?
O mar levou para dentro dele o que o homem
construiu, pegou tudo, engordou e se espalhou
agressivamente.


28.12.04

"QUERIDO SERGIO..."








Pensei em escrever uma carta para mim mesmo.
Por que não? Nela eu poderia me mandar alguns
recados, dizer coisas a mim mesmo que somente
alguém como eu, que me conhece tanto, poderia
dizer. Começaria, lógico, me chamando de querido,
assim, “Querido Sergio,…” porque é assim que
eu começo as cartas que eu mando a pessoas que
eu gosto, e hoje, especialmente hoje, eu estou
num daqueles dias que sinto um certo prazer em ser
eu mesmo. E não são muitos esses dias.
Seguiria dizendo para mim mesmo relaxar
e não temer esta sensação agradável de bem estar que
me acompanha nos últimos dias, porque nem sempre
depois da calmaria vem a tempestade."Sergio querido

não tema, divirta-se!"
Diria também para eu acreditar mais na minha intuição,
não desprezá-la nem mesmo nos momentos onde a razão
parece estar com a razão. Diria também a
mim mesmo para continuar a tentar, assim: “Sergio
querido, tente, por favor, não desista de tentar construir
tua vida conforme suas crenças e valores morais, não
desista de tentar transformar seus sonhos em realidade.”
Ah, eu também diria a mim mesmo para abrir os olhos
e antes de tudo o coração, e finalmente aceitar que o amor
é um sentimento muito simples, menos complicado
do que eu imagino e muito fácil de sentir, “Sergio querido,
basta começar a aceitá-lo, sem criar barreiras ou condições
para que ele exista.”
“Sergio querido, era isso o que eu queria te dizer hoje,

mesmo que essas palavras te provoquem constrangimento.”



PINGUINS GAYS! WAKE UP TO REALITY BABY!

A respeito da matéria sobre os pingüins homossexuais
que os cientistas japoneses dizem ter descoberto.
Ai, ai ,ai, será que eles já ouviram falar de André Gide
e de suas “descobertas” sobre a sexualidade das
espécies animais ainda no princípio do século 20?
Pior ainda, discutem se a homossexualidade dos simpáticos
bichinhos (ou será bichinhas?) ocorre apenas
enquanto confinados, ou se eles existiriam
também livres na natureza. Por favor? Acordem!
Não percam tempo com isso, melhor do que tentar
descobrir o sexo dos anjos é vir passar uma temporada
aqui no Brasil. De preferência no carnaval.
Relax babies, depois de um simples exame
perfunctório sobre a multiplicidade dos tipos
existentes em território nacional, vocês vão desistir
de fazer qualquer pesquisa.
Existe mais variedade sexual entre o céu e a terra
do que a estreiteza de suas imaginações!


27.12.04

TCHECOV NÃO SOBREVIVERIA.








A velha senhora caminhava
com seus três cachorrinhos. Ela não vestia
rendas, nem chapéu, nem sombrinha.
A velha senhora vestia um minúsculo biquíni.
Assustou-se quando o tigre vendedor
de algodão doce aproximou-se dela.
Agarrou-se aos três cãezinhos roedores
e pediu para que o tigre se afastasse deles.
O tigre, percebendo que os animaizinhos haviam
se assustado, deu meia volta. Preferiu oferecer
seu tabuleiro colorido a um grupo de crianças
que jogava bola.
Assim que se aproximou delas, recebeu uma
bolada bem no meio das pernas. A dor foi tamanha,
que o tigre caiu de joelhos segurando seu saco e
resmungando palavrões obscenos.
Ainda agarrada a seus três cachorrinhos, a velha senhora
gritou para espantar os meninos que agora roubavam
os algodões doces do tigre.
“Fora! Saiam daqui! Deixem o tigre em paz!”
O tigre ainda tonto de dor, retirou com as duas mãos
sua cabeça para melhor respirar. Em seguida abriu o zíper
de cima a baixo e livrou-se também do corpo de pelúcia.
A velha senhora encantou-se com o que viu.
O tigre era jovem, musculoso, tinha cabelos longos,

e, pasmem, vestia apenas uma sunga.
Solícita, ela aproximou-se dele e ofereceu-se
para ajudá-lo. Sem tabuleiro, e despido de qualquer
fantasia, o tigre levantou-se e acompanhou
a velha senhora e seus três cachorrinhos.

BAIXANDO A PRESSÃO.

Cheguei hoje aqui em São Vicente.
Vejo o mar da janela do meu apartamento.
No final do dia, o pôr do sol foi quase indescritível.
O céu, o mar e as paredes da sala avermelharam.
Meu coração avermelhou. Não, juro que não virei
comunista. Não agora, quase entrando em 2005. Se
fosse há 100 anos atrás, quem sabe, poderia até ser.
Teria tido motivos de sobra para sonhar. Mas agora?
Cem anos depois? Não. A realidade não me permite
tal luxo. Ideologia é excentricidade. Não sou
excêntrico, no máximo permito-me ser teimoso.
Acredito na diferença e no poder que cada um de nós
pode exercer sobre a coletividade. Sim, sim, as chances
devem ser iguais para todos. Mas agora chega!
Não queria falar sobre isso. Queria dizer que minha
pressão sanguínea caiu. É sempre assim quando desço
a serra. Demora um pouco para eu me acostumar.
Ouço Chet Baker enquanto escrevo. Ele combina
com tudo isso aqui. A brisa morna, minha pressão
baixa, o som das ondas quebrando lá embaixo.
Amanhã tentarei acordar cedo para caminhar.
Prometi a mim mesmo não contar os meus passos.

26.12.04

DIGA SIM. APENAS SIM.

M.M.M., für Dich, 277 wörte
sehr herzlich.



Viena. Fim de tarde de um domingo novembrino.
Estamos no interior do Café Imperial.
Aqui dentro o burburinho das vozes é cada vez maior,
enquanto lá fora, há horas a neve insiste em deitar-se
sorrateira e silenciosamente sobre tudo.
Repare bem. Passeie seus olhos sobre esse tradicional
café. Lá no fundo, na última mesa.

No canto esquerdo,ao lado do piano, um homem
acaba de beber prazerosamente
um gole de vinho tinto.

Sim, sim, ele mesmo, aquele
de cabelos grisalhos e nariz adunco

que olha fixamente para um ponto da parede.
Como se estivesse pensando sobre
seu passado, ou sobre atuais conflitos

de âmbito internacional.
Mas não se deixe enganar.

É fácil fazer uma falsa
imagem sobre qualquer pessoa,

e é exatamente isso que eu não
gostaria que você fizesse agora.

Note bem a diferença entre ele
e os outros aqui presentes.

Eles riem e gesticulam, enquanto
ele, sequer os olhos pisca.

Você poderia argumentar que essa
postura engessada é típica de pessoas

que vivem relembrando os velhos tempos.
Eu diria que mais uma vez você está enganado.
Seu pensamento está viciado pelo excesso de rigidez.
Veja bem. Note como ele segura a taça.
Eu posso sentir a leveza de seu espírito.
São raros os homens que tem esse olhar.
Não, eu discordo totalmente de você.

Sim, sim, a aparência nos leva a crer que.
Mas... Finja que precisa ir até o banheiro.
Ora vamos, passe por ele, e se preciso for

pare na sua frente.Tome coragem e o encare.
Olhe bem no fundo de seus olhos.
O que você verá? Não sei. Definitivamente eu não sei.
Quem sou eu para adivinhar um olhar de futuro?


25.12.04

MAIS UM ENTRE OS ESCOLHIDOS.







Meu conto "A Ilha" , que você pode
ler na sessão Contos inéditos, foi
publicado no site www.elotopia.net
como um dos escolhidos de um desafio
chamado Descrição de uma cena.
Se ainda não leu, é só clicar
na sessão ao lado.
Boa leitura!

24.12.04

UMA PAUSA.

Mesmo para aqueles que não são religiosos,
ou melhor, para aqueles que não se sentem
confortáveis nesses dias de festas, vale a pena
tentar. Baixar guarda, devolver as armas aos
quartéis, despir-se do uniforme. Sem truques,
relaxar. Não procurar nada, nem nas coisas,
nem nas pessoas. Ser o que verdadeiramente
se é, e sentir a harmonia tomar conta de sí.
Meu voto de harmonia e paz
interior. Um brinde a todos vocês que me lêem,
e que
me acompanham. Boas festas!

22.12.04

NÃO SEI. TALVEZ. NÃO ME PERGUNTEM.








Já havia ouvido falar sobre lêmures, mas
nunca tinha visto um. Ou melhor, não acreditava
que eles realmente pudessem existir. Até ontem
quando me sentei em frente a um deles, dentro do
vagão do metrô. Não era anão, mas com certeza
não passava de 1 metro e ½ de altura.
Olhos enormes saltados para fora,
inquieto e olhando para todos os lados ao mesmo tempo,
ininterruptamente ele enfiou goela abaixo uma quantidade
incalculável de biscoitos de polvilho. Numa rapidez
impressionante, devorou centenas de rodelinhas de biscoito
que retirava de vários sacos plásticos.
E os sacos, retirava-os também de dentro de outros sacos,
que ele também retirava de dentro de um enorme saco.
Como um mágico que faz aparecer coelhos de dentro
de uma cartola. Quando levantei-me para descer,
ele me acompanhou .
Caminhamos em silêncio e lado a lado até a saída
do buraco do metrô. Assim que alcançamos a rua ele
desapareceu repentinamente.
Procurei-o por todos os lados e não o encontrei.
Essa madrugada acordei assustado.
Tive a impressão de tê-lo visto
no meu quarto. Não senti medo. Ele corria
de um lado para outro e depois desapareceu novamente.
Corri ao supermercado essa manhã e comprei alguns
sacos de biscoito de polvilho. Deixei-os a vista, na cozinha,
na sala, enfim, em todos os recintos do meu apartamento.
Talvez ele sinta fome. Talvez ele os devore porque
precise apenas dos sacos vazios.


21.12.04

TIC, TAC.

Tic
tempo,
tac,
tempo,
tic,
tempo,
tac,

Pa, sssssssssssssssssss, sou,

tic,
tac,
tic,
tac,
tic, tac, tic, tac...


19.12.04

PERDA INSUBSTITUIVEL.

É com muita tristeza, que eu noticio
a morte da Atriz Miriam Muniz.
Difícil traduzir a dor. Hoje de manhã
depois que me informaram de sua morte,
fui relembrando nossas conversas, seu jeito
carinhoso e ao mesmo tempo despachado
de abordar os assuntos. Ai que dor!
Ai que saudades!Ai que falta que você já
está fazendo! Onde quer que você esteja
Miriam, fique bem!

18.12.04

NOVO CONTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Cheirando a pãozinho.
Acabo de inclui-lo na seção
de contos inéditos.
"ANJINHO", mais um novo
conto pra vocês!!!
Boa leitura!!!

17.12.04

BLITZ.

No momento,
lambo o caroço,
das frutas,
o peito,
das putas,
os restos,
das tampas das latas.

No momento,
o gozo,
a língua enrolada,
avisando a vida,
que morrerá
entre as coxas.

No momento,
o suor,
a queda de braços,
o olhar do santo engessado
e o fomento.

No momento,
o tormento.

TEMPO DE FESTAS.

Não adianta, nem mesmo me esforçando muito
consigo me emocionar com o clima festivo de fim de ano.
Sei que existem outros pontos de vista a respeito,
como a simbologia toda e também da necessidade
de se cultivar as tradições e blá, blá, blá. Mas não é
isso que sinto no ar, e muito menos o que vejo.
E o que é pior, mesmo não querendo, sou obrigado a
participar da histeria generalizada que toma conta
da cidade. Trânsito, filas, supermercados cheios, correria,
e outras coisitas que fazem parte do contexto natalino.
Pra não dizer da mesma frase exaustivamente repetida
por todos de que o ano novo será melhor. É o que querem
acreditar, e talvez aconteça mesmo, porque para tanto
não é preciso acontecer muita coisa.

15.12.04

UM TANTO ASSIM Ó.

É o que eu ainda preciso
pra te dizer que não sou nada disso
que você inventou aí dentro dessa tua cabecinha.
Um tanto assim ó.
Não tenho culpa. Não.
Seus registros já estavam programados para me avaliar
desta forma. Eu sei, você vai dizer que não tem culpa.
Nem eu!
Quem tem?
Não sei!
Não tem uma tecla delete aí dentro? Não?
Então tá. Comece a me despir de todos
os seus sonhos, imaginações, projeções e mais algumas palavras
que com certeza terminam em ões.
Em seguida volte a olhar para mim. Pronto.
Agora você talvez chegue perto do que realmente sou.
Agora podemos conversar. Sim, sim, agora temos
chances. Agora podemos nos amar.

PRA VOCÊ QUE É...

De qualquer signo.
Nascido sob a influência de qualquer planeta.
Relaxe.
O sentimento de insatisfação faz parte
da vida de qualquer um.
O que tiver que acontecer acontecerá,
independente de sua vontade.
Por isso, não reclame,
a vida segue seu destino,
de qualquer forma,
independente de sua vontade.
Cor Astral: junte você mesmo as côres de
sua preferência e faça o seu arco-iris.
Número da sorte: os sorteados na última loteria.

13.12.04

ENQUANTO ISSO,

Faltam poucos dias até o natal.
As pessoas estão mais excitadas,
nervosas, irritadas, cansadas, estafadas,
estressadas, enlouquecidas, apressadas,
agitadas e até lá elas estarão a ponto de explodir.
Na ceia elas vão se emocionar, chorar, confraternizar,
rir, gargalhar, beber, comer, dançar, dizer a todos que o amor
é lindo, que o rancor não leva a nada, que a violência está
acabando com o país e que é preciso ter equilibrio, antes de
tudo, o equilíbrio e a harmonia são pressupostos essenciais
para uma vida feliz. Vide bula.

12.12.04

SEMEAR É PRECISO.

Não conseguirei ser tão profundamente analítico,
e nem é essa minha pretensão. Tento quando muito
me aproximar de ser um contador de estórias. Mas hoje,
depois de ler os jornais percebi que há no ar um início
de compreensão e de tentativa de reversão por uma pequena
parcela de pessoas que pensam neste e em outros países.
Compreensão e reversão do que? Do processo autodestrutivo da
sociedade em que vivemos e fazemos parte. Existe sim uma luz
no fim do túnel que existe em cada um de nós, porque é só assim,
isto é, individualmente, que podemos contribuir com o meio em
que vivemos. Não confundir com individualismo. Mas sim com a
vontade individual de fazer parte de algo que tem por finalidade
reverter o processo de banalização dos valores conquistados
por nossos antepassados. Esta semana indiquei "Arena conta Danton" e
ontém fui ver "Os sonhadores" do Bertolucci. E esses dois espetáculos
me ajudaram a perceber o quanto nos distanciamos dos ideais que até
agora pouco, no máximo há duas décadas
(o que não representa nada históricamente)
faziam parte do imaginário contemporâneo.
Imaginávamos um mundo melhor para todos,
agora ansiamos por imagens que convençam
o mundo todo pelas aparências.
Deixamos de tentar resolver tabus e/ou questões mais profundas
que nos causavam aflições e passamos a cultivar a manutenção
de novos preconceitos e/ou conceitos duvidosos.
Acho sim que existe muita gente interessada
em não fazer parte dessa imensa massa de consumidores de fórmulas
rápidas de felicidade. Não, não precisamos sofrer para tanto. Nem nos
tornarmos chatos e discursivos, mas de modo paciente, não desistir e
sucumbir aos acenos do mundo bolha de sabão que nos é oferecido.
Basta não deixar de pensar, e instigar o outro também a fazer o mesmo.

11.12.04

NUNS PISCARES DE OLHOS.

Sabe a expressão num piscar de olhos,
então, foi assim, num piscar de olhos
de tão rápido que aconteceu.
Se não fosse por esse momento-piscardeolhos
todo o resto não teria a menor importância.
Senão, vejamos. Como sempre às18:00 horas,
ela despediu-se das outras vendedoras e foi
pra estação do trem. Lá esperou pelo das 18:45.
Enquanto esperava reparou, como todo dia reparava,
em todos os outros passageiros que viajariam com ela.
O trem chegou, o povo se amontoou na plataforma e
quando as portas se abriram, a boiada invadiu o vagão.
Como sempre não conseguiu se sentar. Ficou apertada entre
Homens e sacolas, velhas e bolsas, meninos e velhos, e ele.
Como sempre ele lhe sorriu e ela virou o rosto.
Como sempre ela pensou: “bonito ele é, mas eu sou casada”.
Como sempre ele tentou encostar-se nela e ela deu um chega pra lá.
Aí é que entram os piscares de olhos. Ih, esqueci de contar, foram vários.
Como sempre ela piscou e ele também.
Como sempre ele aproveitou que o chega pra lá num foi tão longe
e grudou seu corpo quente no dela.
Como sempre ela piscou segundos antes de pensar novamente

que era casada e deixar ele se encaixar no traseiro dela.
Eu sou casada, ela piscou novamente

enquanto ele piscava pensando que fosse explodir.
Aiiiiii eu sou casada, aiiiiii num vou agüentar,
Roça-pisca, pisca-roça, pisca-roça, roça-pisca,
e acabou. Assim. Num piscar de olhos.
Aliás, nuns piscares de olhos.


10.12.04

ENGRAÇADINHA.






Ela acha graça em tudo. Qualquer piada, qualquer quadrinho
de televisão medíocre, e até a visão de alguém que escorrega
e cai na rua é o suficiente para fazê-la rir. No começo, ele estranhou,
mas depois, tomado pelo amor que sentia por ela, esforçou-se
para achar graça das idiotices sem graça que a faziam rir. O tempo passou.
Eles se tornaram íntimos. E por consequência dessa intimidade
passaram a conhecer um o outro. Precisou de tempo para digerir
essa diferença. Auto-crítico, apontou o dedo contra o próprio
peito acusando-se de sem graça. Depois aceitou. Isto é,
aceitou que fosse diferente mesmo, e, talvez, sem graça.
Alheia ao dilema do amigo, ela continuou achando graça de tudo.
Ele desistiu de esforçar-se para achar graça das idiotices sem
graça dela. Cansou-se. Achou tudo estúpido demais.
Recusou-se a abrir um sorriso para qualquer bobagem.
Por esse motivo, ele preferiu terminar.
E disse a ela que não via mais graça em estarem juntos.
Ela continua achando graça de tudo.
Ele continua a esforçar-se para rir.

NOTÍCIA SOBRE A NOTÍCIA QUE ME COMOVEU.






Novamente acordei cedo hoje. Muito cedo.
Levantei e enquanto o café escorria pela cafeteira
fui buscar o jornal empurrado por debaixo da porta.
Pra encurtar a história (essa com H porque verdadeira)
fui atropelado por essa notícia no caderno metrópole do Estadão.
Uma garota, muito doente e moradora da periferia de S.P.
ganhou de presente um sonho que pensou jamais fosse se
realizar. Uma visita, com entrada franca ao MASP.
Ela também pinta. Foi com a mãe e a irmã de 11 anos.
Ao chegar diante do quadro do Renoir ela parou e disse:
"é ele, o Renoir, pensei que nunca fosse vê-lo" e
ficou boquiaberta por um bom tempo emocionada.
Sem o convite feito pela direção do MASP ela não teria tido
condições de pagar o ingresso de R$ 10,00 reais.
Tudo bem, me chamem do que quiserem, mas ao ler a notícia
eu fiquei profundamente emocionado. Pude imaginar as
emoções dela, que devem ter sido as mesmas que senti
ao ficar de frente com a série de girassóis do Van Gogh.
Não pude conter as lágrimas. Não quero aqui entrar
na discussão sobre a questão social e o blá, blá, blá
irritantemente-repetitivo-e-demagógico que assola o país.
Pensei somente no impacto que uma obra de arte pode causar
nas pessoas. A comunicação direta, indiferente do grau de
entendimento e "nível" social. E antes de tudo,
no coração profundamente renovado e aliviado da
garota de nome Janne.


9.12.04

TAGEBUCH OU UM PEQUENO MOMENTO DE LUCIDEZ.

Não foi propriamente um susto, ou espanto, mas sim
algo parecido com o que os entendidos no assunto
chamariam de "insight". Foi rápido, e também indolor.
Atravessava a Av Paulista, debaixo de chuva, e meus
pensamentos estavam muito além daquele espaço físico.
Alcancei a calçada e não percebi a poça d'agua.
Puf! atolei os pés, primeiro um, depois o outro.
Com a cabeça e os pés molhados, os pensamentos afloraram.
E isso nem sempre é bom no meu caso. Mas dessa vez foi.
Fui tomado por uma sensação de alegria sobrenatural.
Talvez a quantidade incontável de pedestres que caminhavam
em todas as direções ajudaram a criar essa lufada de energia.
Talvez os dois extremos do meu corpo ao contatar a agua
injetaram alguma substância química dentro da minha cabeça.
Não sei a razão. E o melhor, naquele momento eu também não
quis saber, simplesmente deixei-me ser alegre. Assim, gratuitamente,
como aquelas centenas e milhares de transeuntes que passavam
por mim conversando ou rindo. E foi bom demais. Pude vê-los
crescer (os meus pensamentos). E a chuva que continuava a cair
sobre minha cabeça os alimentou. E eles floriram. Lindos.
Verdes, amarelos, azuis e vermelhos, enorme botões de
flôres que abriam incansavelmente para mim. Um jardim
enorme dentro da minha cabeça. E eu os aceitei.
Sim, eu disse, "cresçam! cresçam a vontade, e me preencham
o coração!"

MÍNIMOS, POUCOS, QUASE NADA.






Com o jogo de quebra-cabeça quase pronto,
e restando poucas peças para a conclusão da imagem,
ele de repente parou. Olhou para as pecinhas dispostas
lado a lado sobre a mesa e por milésimos de segundos

quase embaralhou todas novamente.
Durante o esforço para reproduzir a foto estampada na caixa,
não apenas a imagem foi se revelando
pouco a pouco diante de seus olhos,

como também um único pensamento: a certeza que
em sua vida foram poucos os momentos de plena felicidade.
Observou a figura incompleta por um longo tempo.

Restavam apenas mais alguns pedacinhos para completá-la.
Encaixou então peça por peça com um prazer
quase infantil. Segundos depois, ao ver a imagem pronta

sobre a mesa, soltou todo o ar represado dentro do peito.
Pronto. Mais um momento de plena felicidade.
O que era a vida afinal? Senão satisfazer-se desses
ínfimos momentos e esperar pacientemente

pela benção de mais outros ínfimos momentos?

7.12.04

FIN DE SIÈCLE.

Praça de República.
17:50 hs (olhei no relógio)
Ele, quase 1.90 de altura.
Ela, no máximo 1.60.
Indiferente a tudo e a todos os transeuntes,
se beijavam. Envolvidos um nos braços do outro.
Ele precisou curvar-se.
Ela esticar-se.
Desacelerei meus passos e observei en passant.
Nenhuma dúvida.
A vida imita a arte.
"O BEIJO" do Klimt,
ao vivo e em carne e osso,
logo ali, na praça da República.


RELEMBRANDO.

Não esqueçam, é nesta quarta, dia 8
as 19:00 horas, no bar-restaurante Pequi,
o lançamento do livro do Tide (para quem
infelizmente não tem o prazer de ser íntimo, Alcides Nogueira).
Fácil de chegar, na esquina da Al. Santos com Peixoto Gomide, ao
lado do Parque Trianon em São Paulo.
Prestigiem o rapaz, ele é The Best!!!

DEUS E O DIABO OU NADA OU NINGUÉM OU FECHE OS OLHOS.







Desde sempre os restos, as sobras e as migalhas.
Filho de Deus ou miserável. Nem odiado, nem amado. Tanto faz.
Tudo lhe serve. Diabo ou José. Qualquer nome, qualquer coisa.

O retorno sempre infalível e pontual de um novo dia.
Não importa, tudo é bom. Tudo pode servir de algum modo.
E se não servir, mesmo assim...
Ele vem e vai para não sei onde. Um lugar que ele chama de lar.
Ou talvez nem isso. Talvez ele more andando.
Carrega seus restos e sobras e migalhas nas costas.
O mobiliário num único saco.

Nobre andarilho, nunca adormece.
Passo a passo, dia após dia, vivendo
um único tempo, passado, presente e futuro.
Para ele: ontém restos, hoje sobras, amanhã migalhas.




6.12.04

FUGAS??? PRELÚDIOS.







É preciso antes de tudo,
decompor.
Justa e precisamente.
Como Bach o fez.
Sim,

ele o fez.
Mesmo
que você não queira.
Só os grandes decompõem.
O resto observa.
D E C O M P O N D O.

AÍ ESTÁ.

O conto ganhador "O vício"
já está postado. Logo ao lado,
é só clicar em cima dele e ler.

CONTO PREMIADO!!!






Meu conto "O VÍCIO", ganhou o
primeiro concurso de contos do
Blog português http://chadelimao.weblog.com.pt
Na primeira fase, foi um dos seis escolhidos pelos
próprios participantes e agora venceu a votação
dos leitores. Êba, êba, estou muito feliz!
Agradeço a todos que votaram e também aos
organizadores do concurso pela excelente
iniciativa. Logo mais, hoje no final da tarde, vou
postá-lo ao lado, junto dos outros contos
na coluna "Contos". Enquanto isso, você pode
lê-lo no chádelimão. Deguste-o!!!

A MORTE DE DANTON.






"ARENA CONTA DANTON"
Uma excelente releitura de A morte de Danton, de Georg Büchner.
No pequeno teatro de Arena. Muito bem adaptado pela Cia Livre,
o espetáculo envolve o público de tal maneira que os 150 minutos
passam despercebidos. Prova de que com pouquíssimo recursos
pode-se realizar um bom teatro. Vá assistir!!! Só mais dois finais
de semana, até o dia 19/12. Parabéns aos atores pelo empolgante
trabalho. Ah, estava quase esquecendo, voce paga quanto pode.

5.12.04

MISSA EM CASA.






Vi, do terraço do meu apartamento, familias e casais,
logo cedo, caminhando unidas em direção ao culto religioso.
Outros em trajes típicos de domingo, passeavam com seus cães.
Eu havia acabado de acordar. De cima, tudo é tão romântico.
Lembrei do bairro Marais em Paris (estou muito chique hoje).
Preguiçoso, entrei e fiz um café. Li os jornais e me diverti muito
com as frases de efeito e com a hipocrisia tanto dos governantes
como dos críticos deste país.
Depois de espreguiçar-me imitando um gato, coloquei a
nona sinfonia do Beethoven para ouvir, no último movimento "presto",
o conhecido coro a "Ode" do Schiller que eu vou tentar traduzir:
" Amigos, não esses tons,
mas sim prazerosas vozes,
plenas de alegria!"
Percebi que, sem sair do apartamento, também eu
havia ido ao culto.
God save Beethoven!!!!!!!!!!!!!!

4.12.04

VERDADE VERDADEIRA.






- Doladecá eu vejocê doladelá.
-E doladecá eu vejocê doladelá.
-Vamo troca ?
-Nem pensar!
-Ora por que uai?
-Porque se eufôproladelá, ocê num mevê mais proladecá!



MAIS UM PARA M.M.M. (mecenas-não-escritor-leitor-de-contos-inéditos-e-afins.





O MENTIROSO


Lembrava-se dela muito maior. Depois de mais de meio século
procurando-a, finalmente ele a encontrou. Por acaso.
Segurou-a com apenas uma das mãos, com a outra,
trêmula de ansiedade, ele a abriu. Dentro do velho porta-jóias,
segredos embolorados: restos de biscoito, pedaços de bolacha
e migalhas de pãezinhos que outrora serviram de alimento
ao jovem escritor cheio de esperanças.
Lembrou-se das noites em claro, da velha amiga Remington,
da voz lânguida de Chet Baker, e puf-puf-puf,

como num estouro de flashes
esqueceu-se do motivo que o levou a procurá-la
em todos esses anos: seu primeiro conto, “O mentiroso”.




3.12.04

IMAGINEMOS.







Suponhamos que Einstein estivesse vivo,
e uma dessas revistas pseudo chiques o
tivessem levado para uma de suas ilhas.
Lá os também pseudo jornalistas o entrevistariam.
Sentado numa dessas poltronas brancas, segurando uma
taça de champanhe, ele diria:
"A relatividade de todas as teorias
multiplica minhas dúvidas."

ENTRE OS DENTES.






Entre os dentes,
o amor,
a saudade,
a dor,
como fiapos de manga,
heranças de inconfundível
sabor.


2.12.04

BOMBOM.

Há dias em que penso sobre o lado oculto
das ocorrências que em sua somatória forma o
que chamamos de realidade. Algo que não conseguimos
detectar de imediato mas que está nela, encravada e
escondida. De qualquer forma cheguei a conclusão
que as situações as quais somos as vezes obrigados
a encarar, trazem consigo uma variedade imensa
de alternativas. O que aparentemente
se apresenta como uma tragédia, nem sempre
se deve traduzir como tal. E o contrário também é
verdadeiro. A verdade nem sempre se mostra
escancarada. Não é apenas uma questão de ponto
de vista, mas de tentar enxergar o outro lado
das coisas. Desvendar no que não foi dito, ou feito,
as verdadeiras intenções. Isso vale tanto para as relações
interpessoais, como na das pessoas com os acontecimentos.
Como um bombom cujo sabor e quantidade de camadas e côres,
só descobrimos depois de desembrulhado.

1.12.04

NADA SÉRIO.

Quanto de má intenção está implícito
numa boa intenção?

Dar e receber são atos complementares?

Você ainda acredita ser incorruptível?

O extensão da vaidade do outro
pode interferir nos limites da sua?

Até que ponto você acredita que a tolerância
lhe é empurrada goela abaixo?