31.10.08

DENTRO E FORA

Somos todos românticos. Há os que queiram negar este estado de espírito que ficou gravado no nosso código genético há pelo menos dois séculos. Mas em algum momento a barreira que tenta segurar o ser romântico que há dentro dele, rompe. Todo mundo tem seus sonhos em formatos idealizados.

Não sei se o mundo seria melhor se assim não fossemos. Principalmente porque sei que quase tudo que imaginamos perfeito e, portanto inatingível, serve como panos quentes para suavizar a realidade.

Buscamos a razão, mas essa razão que acreditamos limpa, cartesiana, lógica, já está infectada com o vírus do romantismo.

Quanto mais o homem busca o individualismo, mais ele se aproxima do romantismo.

29.10.08

ACH, DIE LIEBE

Amor, amor, amor, amor, tudo gira em torno desse sentimento que todo mundo acha que merece vivenciar, mas que nunca nunca nunca chega e quando chega complica. E quando chega, se chega, e como chega, nunca se sabe, mas se espera, e se espera e se espera. Então vamos novamente para a mostra de cinema. “Nuvem 9” é o nome do filme. De novo alemão, não sei porque, não é de propósito, escolho pelos temas e mini resenhas do guia da folha que tenho comigo. Escolha de última hora, porque não queria ver nenhum filme político, ou trash demais, ou exótico demais, só queria distrair minha cabeça. Uma porrada no estômago, mas uma bela porrada, daquelas que além da dor ainda te faz refletir. Imagine que na pequena resenheta da folha, o filme é descrito como uma comédia dramática. Há humor sim, mas não é uma comédia dramática. De volta ao amor, também a protagonista do filme esperou muito muito muito tempo por seu amor. E ele chega. Quando ela já tem mais de sessenta anos e ele setenta e seis. Para agravar ela já tem um companheiro tão velho quanto e vive com ele há trinta anos. O que fazer? Ignorar? É possível ignorar um chamado tão forte? E há a vontade de ficar junto, fazer amor e simplesmente estar ao lado do novo amor. O amor é atemporal e é transgressor. Aquele que tentar controlar seus sentimentos se dará mal, da mesma maneira que aquele que se entregar a ele também estará condenado a sofrer. Quem já amou sabe que amar é muito parecido com sofrer de alguma coisa. Só não se sabe qual a coisa, mas há sede, há febre, há cegueira, há estupidez, há beleza, há delicadeza, há alívio, há angústia. E tudo isso fica registrado na gente, na cara da gente para todo mundo ver. E a gente não está nem aí. Quer amar. Só isso, amar. O filme fala um pouco disso, e também da dor da perda, do improvável, da coragem e da culpa que carregamos quando descobrimos que o amor é capaz de ferir (mesmo quando não é essa a nossa intenção).

28.10.08

DIAS DE ALLEN

Os dias estão esquisitos. Cinza, encoberto, calor insuportável, e as tardes pastéis. Deve haver alguma coisa no ar. Pode ser a lua em escorpião enviando impulsos não muito agradáveis. Então, para exercitar o humor para que ele fique forte e ganhe músculos, vou ao cinema. Mais um filme da mostra. Desta vez saí de casa sabendo que não assistiria a um filme ruim, optei pelo “Vicky Cristina Barcelona” do Woody Allen, certeza de filme no mínimo bem feito. A gente pode até não gostar de alguns filmes dele, mas jamais dizer que são mal feitos. O Espaço Unibanco do Shopping Bourbon é excelente, a sala um, por exemplo, é ampla e tem tela grande e boa acústica. Mas esse filme do Allen, não precisa de ajuda externa. É uma delícia, tem narrativa leve, atrizes muito boas (Penélope Cruz e Scarlett Johansson formam uma dupla que deu liga) e o Javier Barden exercitando seu lado latin lover. Sessão da tarde, não vai além disso, não mergulha em águas profundas, fica na superfície da discussão dos temas que gostaria de discutir. Para um dia estranho como o de hoje, caiu como uma luva. As vezes penso que o Woody Allen tem preguiça de terminar seus filmes. Nesse filme por exemplo, ele vai bem desde o início, envolve e abraça a gente, mas no final deixa a desejar. Não sei se tem medo de arriscar um final imprimindo sua opinião, mas as vezes tenho a impressão de que ele poderia concluir seus filmes com mais tesão, montando um the end mais conclusivo. Mas vale a pena ver, dá para incluir na lista de seus bons filmes.

26.10.08

DESAPEGO E CEREJEIRAS


Finitude e desapego. Pensei muito sobre isso durante o final de semana. Nos últimos dias a conversa com alguns amigos e duas sessões de cinema me levaram a pensar com freqüência sobre os temas. Relações amorosas, histórias familiares, amores mal resolvidos, mendicância emocional, políticas e estratégias inconscientes e conscientes para tentar salvar o que já passou do tempo, enfim, humanos e seus problemas. Para quem está de fora, como ouvinte, é sempre mais fácil ter a visão crítica da coisa, mas para quem é protagonista, quase sempre a cegueira provocada pelo medo impede de ver os fatos como realmente eles são. Nem vale aqui discutir o que é normal e o que não é, sem a menor prepotência para querer ditar regras, o normal tem a ver com o limite de cada um. Onde quero chegar? Também não sei. Sei apenas que os dois temas foram constantes durante os últimos três dias e eu fui obrigado a pensar bastante sobre mim mesmo. Os meus limites e quereres. Para reforçar assiste dois filmes que mexeram muito comigo. Um da Mostra e outro em cartaz no circuito normal. O da mostra chama-se “Hanami – Cerejeiras em flor”. Para mim um dos filmes mais bonitos que assisti esse ano. E o outro, o do circuito normal chama-se “A alegria de Emma”. Os dois coincidentemente são alemães, falam da morte, da temporalidade, da finitude e do despego. Um montão de perguntas de repente invadiram meus pensamentos. O amor nos faz mais egoístas? Sempre aprendi que ele é mais abrangente, nos torna generosos e abertos, mas quão aberto e quão generoso? Onde e quando começamos a desintegrar? Em que ponto começamos a pensar em salvar nossa pele das temperaturas escaldantes que nós mesmos criamos em nossos relacionamentos? Alguém tem culpa? Quem? A origem está lá atrás? Na infância? No que vivenciamos com nossos pais? Tem um pouco de herança genética ou é só o meio que interfere? Só de pensar me dá preguiça. Enfim um saco cheio de perguntas que vou levar muito tempo tentando responder, isto é, se eu conseguir responder. Mesmo porque estou mais a fim de vivenciar que responder. Voltando para o “Hanami” cujo tema é tratado com singular delicadeza e sensibilidade como poucas vezes eu vi no cinema. Preste atenção: filme alemão, que conta a história de um casal com idade avançada, que vai do meio do seu bauernhof na Baviera para o centro do Japão. Assim, do pequeno e regional, passo a passo a gente amplia um pouco e vai para Berlin, e depois para o mar báltico e por último para os pés do monte Fuji, e se faz universal. Devagarzinho a gente se envolve com os dois e seus filhos, suas rejeições e seus amores egoístas, a imprevisibilidade dos acontecimentos. Porque se a gente prestar atenção, com calma e honestidade, vai perceber que quase tudo na vida da gente é assim, não da para prever. A gente gostaria de ter o controle, mas no fundo, não há controle, é melhor soltar, pular, se atirar no bungle jump da vida e ver o que vai dar. É difícil, no mundo em que vivemos e que o tempo todo nos diz para fazer o contrário. Como os filhos do casal do “Hanami”que não tem tempo para nada e para ninguém a não ser para olhar para o próprio umbigo. Viver com a atenção voltada para cada ato, sem perder a percepção do entorno dá trabalho. Finitude e desapego talvez sejam alguns dos ingredientes da vida para a gente se sentir mais feliz e menos sofredor.

24.10.08

TUDO MENOS ISSO

As vezes penso (muito mais vezes do que gostaria) que perco muito tempo pensando na importância dos fatos, dos pensamentos, do que aquele cara falou ou deixou de falar, do que eu falei e deixei de falar, do conteúdo de um livro, o que percebi e o que não percebi no filme que assisti, se continuo a minha viagem solitária em busca de meu desenvolvimento espiritual/emocional/equilibral, enfim nos por quês embutido em todas as coisas que por algum motivo cresci aprendendo que era assim que deveria ser. (ufa, que parágrafo longo)

Já sei que não consigo ser diferente em algumas coisas. E tenho certezas. Não sou sempre dúvidas. Entretanto, por mais que eu tente não consigo deixar de analisar as situações e toda a lista do parágrafo acima de uma forma muito peculiar. Mesmo porque acho que faz parte da conjunção astral/carmática que resultou no meu jeito de ser. Mas algumas coisas realmente não são tão importantes, então eu gostaria de poder ouvir e não ligar, ler e não fixar na mente o que li, ver e não ser tocado pelo que vi. Porque assim as coisas ficariam mais fáceis para mim. Duvidaria menos. Conheço muita gente que consegue. Que está mais focada na sua própria vida e não é tão afetada com o lixo ou o luxo que está ao redor. Vai em frente, não perde tempo analisando por exemplo, qual a importância daquilo que faz ou deixa de fazer para o resto do mundo, está interessada em fazer o que quer fazer e pronto. Dane-se o resto, e vamos que vamos porque não quero perder o trem. Talvez esse tempo que eu acho que estou perdendo realmente não seja uma perda, mas uma estufa quente e úmida onde um universo de fungos e bactérias estejam surgindo sem que eu perceba, e em algum momento eles me servirão como alimento para continuar a tal da vida. Talvez eu só consiga funcionar assim. Mas que é chato e desconfortável, ah isso é. Na próxima encadernação, se eu puder escolher vou preferir vir ao mundo mais levinho, mais ausente do que presente, menos preocupado em tentar me entender e como os outros funcionam. Quem sabe não venho em forma de passarinho, e fico vendo tudo acontecer, lá de cima, sobrevoando a cidade. Ou como peixe (não de aquário, preciso de espaço) e passo a vida passeando debaixo d’água, comendo plâncton e brincando de esconde esconde entre os corais. Qualquer coisa, com tanto que seja menos racional e menos emocional.
O gato de um amigo meu, por exemplo, que come quando tem fome e depois de se lamber vai dormir de barriga cheia, de vez em quando aparece só para que cocem a sua cabeça ou escovem a sua barriga.

21.10.08

FOGO BAIXO

Uma nuvem negra entrou no meu caminho. Não sei como, quando vi eu já estava dentro. E então alguma coisa me puxa sempre para dentro, como se o centro da força da gravidade se localizasse no interior do meu cérebro. Não há saída. Os anos de convivência com essa nuvem, que está sempre indo e vindo de algum lugar para onde ela vai quando sai do meu caminho, me ensinaram que o melhor é esperar ela resolver ir embora. Não quero mais medir forças com ela. Mesmo porque se eu começar a interrogá-la, ao invés de respostas encontrarei ainda mais perguntas, e esse monte de por quês se multiplica e a coisa fica ainda pior. Então fico quieto. Não falo. Penso em fogo baixo. Fico pequeno. Lambo uma ferida aqui e outra acolá. Olho para mim com desconfiança. Escrevo. Leio. Escrevo e leio. Ataco os farináceos. Depois os laticínios. Inspiro e solto o ar pela boca para ver se o ventinho que sai de dentro de mim acorda a dona nuvem e ela se toca de ir embora. Não há saída. Estou dentro dela. Vou esperar.

Fui ver outro filme da mostra. Desta vez um argentino/mexicano chamado “El Bosque”. Direção de dois guapos chamados Pablo Siciliano e Eugenio Lassere. Li naqueles livros que ficam sobre os balcões em frente as salas dos cinemas que eles foram premiados na Argentina. E são bons. O filme tem apenas três atores, que como sempre nos filmes argentinos dão conta do recado. Não conheço nada da escola Argentina de interpretação, mas acho eles muito bons. Me convencem sempre. Se vestem com a pele dos personagens e acreditam. O filme mantém o suspense do início ao fim. Sempre no limite. Alguma coisa vai acontecer, a gente sabe desde o início, mas somos conduzidos a esperar até o final para ter certeza de que aquilo que imaginamos que acontecerá (para mim aconteceu esse insight no meio do filme) realmente acontecerá. Certamente o filme foi feito com baixos custos, mas nem por isso ele se mostra pobre. Entramos no bosque, sentimos medo. Saímos do bosque e entramos na casa e sentimos medo. Trilha sonora muito boa. O final para mim foi previsível, porque no meio do filme imaginei que ele terminaria da maneira como terminou, mas isso não incomoda, não frustra e não tira o mérito dos diretores.

Enquanto isso, exercito minha paciência e espero.

20.10.08

SONÍFERO

O primeiro filme que assisti na Mostra de Cinema foi horrível. Assisti “Alvorada em Sunset” do diretor americano Jeff McGary. Um lixo. Ruim, mal filmado, péssimo trabalho de direção, péssimos atores, tema chato e abordado num formato mais chato ainda. O filme tenta contar a história de alguns casais de diferentes idades e interesses que foram parar num motel. É dividido em seqüências, abre e fecha as cenas, seguindo umas as outras das particularidades de cada casal, demonstrando o porquê que eles foram parar ali, o jogo de esconde esconde que vai se revelando a cada nova cena, e... É isso. Só isso e nada mais do que isso. Nada acontece, ou melhor, tudo o que acontece você consegue prever e não precisa fazer muito esforço para já no meio do filme imaginar que tudo o que está vendo não passa de uma masturbação mental de quem o fez e que no final ele vai brochar. Um saco. Puritanismo americano empacotado com papel de parede velho e embolorado.

17.10.08

NOLL, ROTH E A FATALIDADE.

Fui ver “Fatal”, o filme baseado no livro “O Animal Agonizante” do Philip Roth. Saí do cinema satisfeito e emocionado. O filme é bom. Excelente roteiro (para quem já leu o livro, saberá perceber minha afirmação), belíssima fotografia, e atores que dão conta do recado. Penélope Cruz (Consuela, adoro pronunciar esse nome) está linda e enigmática como a personagem exige. Gosto muito do Bem Kingsely no papel de escritor/professor solitário e do Dennis Hopper, que mesmo na pequena, mas importante participação, preenche a tela e desenvolve seu personagem com maestria. Não vou entrar na discussão sobre se o livro ou o filme é melhor. Um livro sempre nos dá a possibilidade de refletir com mais amplitude e calma sobre qualquer tema. Leia o livro e veja o filme, ou faço o inverso, não importa. O filme é bom, porque é bem feito, conta a história do ponto de vista de quem o fez, mais carregado de emoção, talvez ajudado pela linda trilha musical. Para a grande maioria que não lê mesmo, e que prefere se sentar e se deixar envolver pelas imagens, o filme vai satisfazer pelo conjunto, bom roteiro/bons atores/boa fotografia/boa música. O que me agrada nos livros do Roth é sua capacidade de contar uma história misturando temas delicados com uma aparente leveza. Sejam eles os conflitos entre pai e filho, o amor de um homem velho por uma mulher trinta anos mais nova, a solidão escolhida, tudo parece muito leve e enquadrado no cotidiano dos personagens, sem discurso moralista ou exageros. O filme consegue passar essa “leveza”, mas a medida que a gente lê/vê e se envolve com a história, a gente compreende que a coisa não é tão fácil quanto parece. Saber contar uma história, nem sempre é explicitar tudo ao leitor/espectador. Não subestimar a capacidade de quem as lê/vê é uma virtude hoje em dia, já que todo mundo parece ter respostas prontas para tudo e assim vamos perdendo a capacidade de refletir e de conviver com as dificuldades do outro. Bom filme. Boa leitura.

Como não existe o acaso, o destino marcou um encontro comigo e com o João Gilberto Noll quarta a noite na calçada da Avenida Paulista. Sou um admirador, mas odeio qualquer tipo de tietagem ou endeusamento. Reflito se devo ou não abordá-lo. Dou três passos e me apresento. Conversamos um pouquinho e ele me disse que participaria de um evento no Sesc da avenida Paulista. Lá vou eu no dia seguinte. Levo o último livro dele (escrevi sobre o “Acenos e Afagos” no blog) para que ele me autografe. E levo o meu de presente. Tudo me parece em ebulição dentro dele. A leitura de seus textos pela sua própria voz me fascina. O sotaque gaúcho, a dicção quadrada e propositadamente lenta, os movimentos. Prazer em conhecer, em ouvir. No dia 22 de outubro ele estará no Sesc Vila Mariana.

Tem noite de lançamento e autógrafo do meu livro em Santos a vista. Assim que souber, informo local, data e hora.

14.10.08

INSPIRAR E EXPIRAR

Há algum tempo aprendi que as palavras não ditas fazem mais estragos que as cuspidas rapidamente para fora de nós. Em primeiro lugar ferem quem as retém, e a médio prazo toda a periferia ao nosso redor. Até hoje tenho grande dificuldade em saber o tempo certo para liberá-las de dentro de mim. Não posso dar a elas muito tempo, porque elas se acomodarão e criarão raízes. Não mais estarão dispostas a abandonar o lugar onde encontraram conforto. Mas expulsá-las de dentro de mim sem antes ter certeza de que estou fazendo a coisa certa, seria da mesma forma uma violência contra mim mesmo. Um difícil exercício que requer muita disciplina e que nem sempre estou emocionalmente disposto a praticar. Por outro lado, aquelas que eu não quis reter por muito tempo dentro de mim, e que cuspi sem muito analisar se deveria ou não mantê-las comigo, muitas vezes me fazem falta. Eu as quero de volta, porque me precipitei e pouco refleti antes de soltá-las. Mas já não posso mais resgatá-las. Penetraram ouvidos alheios, e se transformaram em outros significados. Casaram-se com outras palavras sinônimas ou até mesmo antônimas, e já não mais me pertencem. Isso me entristece e me faz pensar em muitas coisas. Como por exemplo que uma coisa é aprender e outra é fazer uso do que se aprende. Ou ainda, que o tempo certo para nós, pode não ser o tempo certo para o outro. Todo cuidado é pouco. Se guardamos a palavra por muito tempo dentro de nós, ela poderá amargar, mas se a cuspirmos antes da hora, ela certamente vai encontrar más companhias pelo caminho e se perderá para sempre.

13.10.08

TELEFONEMA

No meio da tarde.

“Alô”
“Viu”
“Viu o que?”
“Viu, é da Renascer?”
“Não. Você ligou para o número errado.”
“Viu, não é da Renascer.”
“Não. E aqui também não é o Viu quem está falando, viu?”
“Tá bom, desculpa, viu.
“Não tem problema.”
“Viu, acho que me enganei.”
“Também acho, viu.”
“ Então desculpe,viu.”
“Ta bom viu, agora desliga senão vou ser obrigado a te mandar para a p.. q... p...,viu?.”

10.10.08

QUASE PARANDO

Quando criança o sinal de que já estava bem próximo de casa era quando meu pai passava diante da empresa de transportes Lusitana e eu lia: “O mundo gira, a Lusitana roda”. Pensei nisso hoje porque senti muita vontade de parar de girar como o mundo e rodar como a Lusitana. Parar e não ter que dizer ou fazer qualquer coisa. Simplesmente parar. Chegar em casa. Que seria qualquer lugar onde eu pudesse me sentar e tomar um chá, abrir um livro ou observar o mundo através da minha ampla janela e não falar, não fazer, não opinar, não compreender, não interferir, ser, estar e ver a banda passar. Fazer parte cansa. E não tem como não ter que fazer parte. Não importa qual a sua praia ou tribo ou o que quer que seja, se você não quiser fazer parte, as pessoas (mesmo as da sua praia/tribo) quererão que você faça. E se você insistir em continuar tentando não fazer parte e escolher um caminho particular elas se sentirão ofendidas e te dirão “boas verdades”, porque você não tem esse direito, isto é, não tem o direito de não querer fazer parte e ficar no seu canto apenas fazendo o que quer e não fazendo o que não quer. Roda moinho, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo levou...

Semana passada assisti ao “Baby Love”. O filme é baby e é love. Porque bonitinho e ordinário. Sessão da tarde com bons atores e tema que não é tão levinho quanto o filme se propõe a nos apresentar. Cheiiinho de clichês. “Fake” como diriam alguns freqüentadores das várias ilhas de caras fazendo pose de alternativos. Se não tiver o que fazer, compre um saco de pipocas e vá assistir, na saída você vai se perguntar: a Julia Roberts trabalhou nesse filme ou eu, ah, tipo assim, a vi em outro filme parecido com esse?

Uma moça simpática, a Dai, que eu não conheço pessoalmente, fez uma resenha/crítica bonita e precisa sobre meu livro. O blog dela se chama A FENIX APOPLÉTICA, O BLOG DA DAI e o endereço é: http://carva1.wordpress.com. Se tiver curioso dá uma passadinha lá para ler.


7.10.08

AMORAS E CAFÉS

As amoreiras sob o Viaduto do Chá, no jardim da lateral do Teatro Municipal estão cheias de frutas. Você sabia que lá há amoreiras? Pois é, mesmo muito mal tratada a cidade ainda guarda surpresas. Se o cheiro de urina humana não fosse tão forte naquele trecho próximo a banca de jornal, seria agradável parar para apreciar os passarinhos que delas se alimentam, ou mesmo comer algumas delas. Que tristeza é perceber o desrespeito que os cidadãos têm pela cidade onde moram.

Mas há boas notícias também. Agora há mais cafés para a gente degustar. Na Praça Dom José Gaspar abriu um recentemente que leva a marca Suplicy, com mesas e balcão, com conforto para gente grande, que quer sentar e descansar um pouco. Logo abaixo, na Rua Marconi tem o acanhadinho Giramundo que serve um expresso de primeiríssima qualidade. Do outro lado, entre a Bolsa de Valores e o largo do café há um café delicioso chamado Caffè Latte. Experimente o chease cake com calda de tangerina deles, você não vai mais conseguir passar por lá e não comê-la.

E aí a gente cai na Santa Efigênia. Mas antes de chegar nela, dá para apreciar os cartazes dos cinemas de sacanagem. Num deles, vários cartazes anunciam “filmes com as mais belas atrizes pornôs”. Parei para ver os rostos das moças nos cartazes. Não sei. Tento imaginar as um pouquinho mais feias, ou as um pouquinho menos belas. Me confundi todo quando tentei entender o limite do que é feio e do que é belo para o mercado de filmes pornôs. Preferi continuar andando até a Santa Efigênia e procurar por um telefone sem fio. Pelo menos sei avaliar a mercadoria, isto é, imagino que só de olhar vou conseguir comprar um que me agrade e funcione.

5.10.08

O SENTIDO CONTRÁRIO.

Há um sentido em tudo.
Em cada lágrima que escapa dos meus olhos.
Há um sentido.
Em tudo.
Mesmo que a razão insista em me dizer o contrário.
Em cada lágrima que escapa dos meus olhos
Há um sentido.
Que escapa dos meus olhos,
toda vez que eu tento ver um sentido,
em tudo.

2.10.08

HOMENS

Com uma insônia desgraçada e reforçada por um estado gripal, no início da madrugada assisti a um filme/documentário sobre a vida e o trabalho do roteirista norte americano Albert Isaac Bezzerides conhecido como Buzz. O Buzz era de origem greco (pai) e armênia (mãe), e o que me prendeu ao documentário foi a forma como ele falava de seu trabalho. Muito pobre ele começou a vida ajudando o pai a vender frutas no mercado de Fresno em São Francisco, e um dia vendo que sua mãe não tirava os olhos de um livro, decidiu que seria escritor. Queria escrever livros para chamar a atenção e ter o amor de sua mãe. O documentário focou sempre ele falando de como escrevia os roteiros para os filmes da Universal e depois para a MGM. Muitos sucessos, filmes que de acordo com a opinião de muitos outros roteiristas já traziam as características dos filmes noir. Mal pago, enganado por sucessivos produtores de cinema, muitos de seus filmes não levaram nem seu nome nos créditos. Acusado de comunista e boicotado pelos estúdios, depois voltou a escrever sucessos para a televisão e etc... Em muitos momentos no documentário ele diz ter “consertado” tal e tal trecho de tal e tal filme, demonstrando ao mesmo tempo despojamento e não se dando a menor importância. Ele sabia que seu trabalho como roteirista era bom, mas não via sua profissão com o glamour que as pessoas costumam ver , trabalhava como se fosse ferreiro, marceneiro ou qualquer outro artesão. Fazia seu trabalho e nunca se achou melhor ou pior, foi amigo do Falkner, e outros escritores de sua geração. No fim da vida ele assumiu um physique du rôle de um velho boxeador, camisa xadrez/gorro de lã/calça de veludo que disseram que ele nunca tirava do corpo, uma carinha simpática, como a do Norman Mailer já envelhecido. Me emocionei muito com suas aparições, suas falas sem amargura. Um homem cheio de lembranças do que fez, com consciência da importância de seu trabalho, e simples. Um pouco triste, vê-lo em sua casa cheia de carros velhos que as pessoas deixavam para que ele consertasse (e ele não consertava). Por outro lado, uma vida vivida sem arrependimentos, feita de trabalho e honestidade, sem estrelismos e egocentrismos e muita dignidade.

Reconheço em mim a alegria de “consertar” enquanto faço as revisões dos meus textos. Há uma certa euforia depois de cada corte do que penso excessivo, elimino um advérbio aqui e outro adjetivo ali e me sinto mais leve, e mais limpo, e mais feliz, um trabalho artesanal, como o de um restaurador paciente e esperançoso para ver a obra pronta. Por mais falsa que essa afirmação possa parecer, prefiro a reclusão da minha casa, escrevendo e revisando meus textos, a qualquer noite de autógrafos ou reuniões que exijam minha presença. Tenho um pouco desse silêncio do Buzz dentro de mim.

Conheci um homem muito parecido com o Buzz na cidade de Wels onde morei na Áustria. O nome dele era Willi Neuman e ele foi escultor e depois restaurador de móveis antigos. Quando a segunda guerra estourou, Hitler o obrigou a ir para Graz restaurar grandes esculturas de pedra. Willi tinha esse silêncio dentro dele, passava horas lixando e polindo suas peças e nada o fazia mais feliz. A noite bebia seu vinho e ia para cama já ansiando o dia seguinte para fazer a mesma coisa.

Viver no tempo em que revistas estampam bundas e caras enxertadas, lábios e orelhas artificiais, mulheres abacaxis e homens qualquer-coisa-com-tanto-que-eu-apareça, me faz muitas vezes me sentir um ser fora de lugar. Prefiro ser antiquado a ser adequado. Beijar uma boca imperfeita que uma de borracha. Comer sopa de letrinhas a bebidas isotônicas. Não fazer parte a ter que me dividir para agradar a gregos e troianos.