29.9.08

PALAVRA, WORT, WORD, MOT, PAROLE

O entendimento do significado das palavras pode variar de pessoa para pessoa. Na maioria das vezes não é assim, mas quando o que o outro entende é muito diferente do que lhe dissemos, o sentimento de frustração é imensurável. Não vou particularizar, nem dar nomes aos bois, mesmo porque os bois não iriam entender. Escrever sobre esse tema é uma forma de me sentir aliviado, de me livrar da incompreensão. Na maioria das vezes a incompreensão vem porque os interlocutores estão presos aos formatos das expressões usadas e de como elas são ditas. Quando voltei a morar no Brasil em 2000, prestava muita atenção no que me diziam. Talvez porque por mais de uma década havia me acostumado a prestar muita atenção no que me diziam em uma língua que não era a minha. Me prendia ao real significado das palavras para poder me comunicar com os outros e me fazer entender. Então percebi que compreendia o significado das palavras que meus interlocutores queriam me dizer, mas não realmente o que eles estavam querendo me dizer. Há muitas nuances que navegam junto dos significados das palavras. Quem se apega apenas as formas ou em como elas são ditas não conseguirá compreendê-las. O problema se agrava quando falamos com pessoas que julgamos serem capazes de compreender não apenas o real significado do que estamos lhes dizendo, mas também a grande quantidade de significados que as palavras contém dentro delas, isto é, do que estamos querendo lhes transmitir, e elas não nos compreendem. Porque a palavra pode ter muitos significados, e quando a utilizamos lhe emprestamos nossas intenções. O perigo se dá quando as intenções não são claras. Nós as compreendemos pelo que significam, mas não compreendemos as pretensões embutidas nelas.

Quando não souber o que dizer, opte em não dizer nada.

Leia o manual de instruções que veio junto com você ao mundo antes de usar qualquer palavra, caso contrário você poderá ferir muita gente, e no fundo, você estará ferindo a você mesmo.

27.9.08

NA CIDADE

De volta a São Paulo.

O lançamento do “Contos Indiscretos” em Juiz de Fora me surpreendeu. Não esperava a carinhosa receptividade das pessoas e a boa receptividade da mídia local. É bom ver tanta gente querendo saber e se informando sobre o livro. Isso é bom em qualquer lugar, mas quando não conhecemos muita gente na cidade a felicidade é ainda maior. Se possível, farei o lançamento do próximo livro novamente em Juiz de fora. Porque adorei as pessoas e quero ver mais da cidade. Agradeço muito aos que organizaram o lançamento por lá, especialmente ao querido Jean Menezes do Carmo e ao Carlos Henrique Saldanha. Aliás, para quem não sabe, o Jean tem um sebo de dar água na boca de qualquer pessoa que gosta de livros. O sebo dele fica numa galeria, na Avenida Barão de Rio Branco 2067, loja 5, e se chama D.Pedro II. Passem lá para conferir.

Na viagem de volta (voltei pelo Rio), algo incomum: no avião, todas as pessoas que estavam sentadas ao meu lado estavam lendo. A minha esquerda, um casal, ela brasileira e ele inglês, liam Paul Auster, ela, o último dele, ele, o penúltimo. Batemos um papinho curto e ela me disse que a avó dela que havia recomendado os livros. No corredor eu lia o Sandor Marai que já comentei aqui. A minha esquerda, uma mocinha lia Rosamund Pichler, não guardei o título, sei que tinha “concha” no fim. Ao lado dela um casal de idade, ele lia “1808”, ela o livro da Maitê Proença. Bom ver gente lendo para passar o tempo, dá uma esperaaaaaaaança.

Fiquei um dia no Rio. Choveu muito, então o programa era ficar dentro dos lugares, e para mim, ficar dentro dos lugares é entrar em livrarias e cafés. Melhor ainda quando o café é dentro da livraria. Boa essa idéia, café/livraria. A Livraria da Travessa onde lancei o meu livro em Agosto tem essa dobradinha. A noite fui ao Teatro Municipal assistir a um concerto a convite de um amigo. A programação: Debussy e Holst. Não conhecia a obra do último, difícil, mas muito interessante. Ouvi “The Planets Suíte” Muito trombone e instrumentos de sopro, duas harpas, baterias e etc... Incomum. Não sei se estou certo afirmando o que vou afirmar, mas acho que ele ouviu muito Bruckner quando criança. Para mim a influência desse austríaco na musica dele foi sensivelmente clara. Mas isso eu deixo para os críticos de música, o que importa é que a música do Holst é igualmente boa.

22.9.08

GOSTINHO DE CAFÉ COM LEITE

Início de semana.

De ontém para hoje, madrugada adentro não descolei os olhos das páginas do romance “De verdade” do escritor húngaro Sandor Marai. Como é prazeroso ler uma história bem escrita. Conhecia “As Brasas”, que li ainda em alemão há muito tempo enquanto morava na Áustria. Gosto de escritores que conseguem transmitir toda a densidade emocional dos personagens. O que pensam enquanto falam e contam suas histórias. Os persongens do Marai são ricos em pensamentos e não tem vergonha de assim serem. Antes de seus rostos ou descrições de como seriam aparentemente, estão seus perfis psicológicos e a riqueza de suas personalidades. A coluna vertebral de seus romances é sustentada pela narrativa sempre mais interessada em descrever os sentimentos do que qualquer outra coisa, mas isso não os torna chatos, pelo contrário os enriquecem. De alguma forma ele me lembra os romances do mineiro Lúcio Cardoso, com a diferença de que Marai avança mais rápido e com mais objetividade. Sandor Marai é mais conciso. Neste romance em particular, há frases de cunho profundamente filosófico, ditas de maneira simples e tocante. Para quem gosta de boa leitura, respire fundo e se entregue.

Falando em mineiro. Na quarta feira estarei em Juiz de Fora onde encontrarei amigos em data muito especial para mim: o lançamento dos meus “Contos Indiscretos” que acontecerá a partir das 19:30 no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (Funalfa). Espero a quarta chegar com gostinho de café com leite.

20.9.08

TROCA TROCA PARA MELHORAR

Tenho pensado muito a respeito dos atores e de seus modos interpretativos. Porque tenho assistido a muitos espetáculos ultimamente, e de onde saio com um sentimento muito ruim sobre o que vejo. Por que uma peça pode ser tão boa e mexer tanto com a gente, e por que outras são tão decepcionantes? Lógico que o texto, a adaptação, o próprio espaço teatral, trilha sonora, tema e etc são importantes, mas os atores e atrizes são os pingos nos is dos espetáculos que vamos assistir. A quantidade de gente ruim, fazendo peças que em princípio teriam que dar certo é assustadora. Talvez fosse o caso de se fazer algumas experiências. Como por exemplo, serem dirigidos no teatro por diretores de cinema. O que daria a eles a percepção de interpretarem sem fingirem que estão interpretando. Não sei se funcionaria, mas imagino que o ator acostumado a ter as câmeras dos diretores focadas nele agiria com mais naturalidade. Sim, porque a gente percebe, e é muito ruim estar diante de um ator que constantemente mantém os braços semiabertos e os olhos fixos em algum lugar do horizonte, falando com a voz impostada com se estivesse recitando para o público ou dando passos sobre o tablado como se estivesse andando sobre areia movediça. O texto se perde, vai parar além do horizonte para onde o ator estava olhando quando recitava. Talvez os diretores de teatro, por favor não são todos, detesto generalizações, devessem transitar mais por outros universos midiáticos. Para mim o teatro é teatro quando não é fingido, isto é, quando não tenho a impressão de que as personagens que desfilam diante dos meus olhos estão encenando. Quero acreditar que Hamlet é Hamlet, que Astrov é Astrov, que Medeia é Medeia. Não quero ver o homem ou a mulher atrás das máscaras, quero apenas as máscaras e os personagens que elas representam.

17.9.08

INTERFERÊNCIAS

A qualidade do acabamento de um livro interfere diretamente na qualidade da leitura do texto que você está lendo. É comparável a qualidade dos ingredientes utilizados na realização de uma receita se quisermos obter um bom resultado, a ferramenta utilizada pelo artista para esculpir sua obra, ou ao afinamento do piano para que o pianista consiga extrair o melhor de seu som. Ontem fazendo hora para entrar no cinema, entrei numa livraria e comecei a fuçar os livros expostos. Encontrei o “Dias de paz em Clichy” do Henry Miller, editado pela Editora José Olympio. Paguei, enfiei na sacolinha e entrei na sala para ver o “Ensaio sobre a cegueira”. Quando cheguei em casa e resolvi começar a ler, já na primeira virada de folha, a primeira se soltou. Fiquei um pouco chateado, mas não interrompi minha leitura. Porém, não consegui ir muito além. Uma atrás da outra, elas se soltaram e o que era para ser um livro virou um monte de folhas soltas. Não tinha reparado no nome da Editora. Fui procurar na capa e me surpreendi. Sempre tive o nome José Olympio ligado a qualidade. Em todos os sentidos. O livro é mal costurado, mal colado, baratinho, de péssima qualidade. Me tirou todo o prazer da leitura. Imagine o texto que o Henry Miller faria para demonstrar sua insatisfação. Que tristeza.

O filme “Ensaio sobre a cegueira” não me emociona. Assim como quase toda a obra do Saramago. Começo a ler e paro. Retomo. Começo a ler e paro. Não é uma questão de ter que adentrar mais para engatar. Faço isso, muitas vezes, mas não vou adiante porque me aborreço. Há outras maneiras de dizer o que ele diz. Eu o respeito. O ser humano Saramago me fascina. Gosto de prestar atenção no que ele fala. Sua melancolia, idealismo, postura de vida me fascinam. Outro dia vi um documentário/entrevista com ele que me emocionou muito. Não tem nada a ver com a densidade dos temas, mas a narrativa de sua escrita descritiva. No cinema acho que não funciona não explicar porque a Julianne Moore simplesmente não é afetada pela cegueira. Na literatura tudo bem. Sei o que ele pretendeu no livro, sei das suas intenções, a pretendida simbologia da cegueira, o “simbolismo com moral da história” no final, mas acho que no filme isso não funcionou. O público que não conhece a história no final do filme vai sai com uma interrogação entalada na garganta. Se olharmos apenas pelo viés “fazer cinema”, o Fernando Meirelles fez um bom filme. Fotografia, direção de atores, música, plasticidade visual, começo meio e fim certinhos.

15.9.08

LE PIANO OUBLIÉ

Tem segredo? Não sei, não sei, não sei. De vez em quando o espírito sossega e depois sem motivo aparente resolve se rebelar. Não me pergunte a razão. A gente pensa que chegou num determinado ponto em que não haverá desequilíbrio, mas de uma hora para outra lá vem ele, e aponta o dedo na nossa direção e ri da nossa cara. Tudo fica a flor da pele, a fina epiderme que começava a se tornar mais grossa arrebenta e dói tudo. Qualquer movimento pode ser fatal. Até respirar incomoda. Então é preciso fazer alguma coisa, mesmo que a vontade seja não fazer nada. Pare. Movimente-se bem devagar. Não olhe para os lados, siga pelo caminho mais curto. Pegue aquele cd com os 24 prelúdios e fugas do Shostakovich gravados pelo Vladimir Ashkenazy e bota no aparelho para tocar. Ahhh, meu Deus se não fossem esses homens que Você abençoou um dia! Ahhh, que bom ter ouvidos e poder escutá-los!

12.9.08

MIS OJOS

Aguardo com ansiedade a virada do tempo. Sinto falta das temperaturas amenas. Falo do tempo e não dos Homens, neles espero encontrar temperaturas definidas.

No meio da semana assisti ao filme “Pelos Meus Olhos”. Filme espanhol, atores excelentes, direção impecável e tema incômodo: mulher que convive com marido colérico. O filme mais do que convencer pela qualidade, toca no ponto certo. O amor (essa coisa que cada um vê e sente de um jeito, mas que todos, até aqueles que negam, não conseguem se desvencilhar do desejo romântico) tem limites? Minha reflexão vai mais longe: tem jeito? No início do filme a irmã de Pilar (adoro esse nome) nos dá a dica. Medo. O medo está dentro de Pilar. E tem todo o entorno familiar, a mãe, o filho e etc... E tem Toledo, que reforça a sensação de estreitamento e o rio que margeia a cidade. E no meio do filme, me percebi refletindo sobre os rios da minha cidade, todos sujos e fedidos. Que para nós se tornaram invisíveis. Volto para Pilar. E para El Greco. Torço por Pilar e todas as Pilares do mundo, mas o filme me desperta uma vontade profunda de voltar a ver as obras do El Greco. O filme passou, mas a vontade de ver as obras do El Greco não.

Uma dica para o final de semana chuvoso. Leiam. Li um pequeno romance numa só sentada, de um escritor chamado Walther Moreira Santos. O romance se chama “O Ciclista”, tem apenas 124 páginas, ganhou o primeiro prêmio José Mindlin de Literatura. É intenso, e cada uma das palavras nele contidas, muito bem escritas.

9.9.08

PALAVRAS QUE ARREBENTAM

Encontrei Marcelino Freire a primeira vez faz alguns anos. Não era de carne e osso, e se chamava Angu de Sangue. Eu o conheci por indicação. Um amigo que cuidava da minha cabeça e de meu espírito, e que antes de me dar alta me convenceu de que sou um cara normal, me disse para comprá-lo. Não sabia nem como era seu rosto. Entrei na livraria e pedi o Marcelino. Comprei, li numa sentada, e fiquei refém da enxurrada de palavras organizadas em frases curtas e secas. Narrativa descritiva de sentimentos que também eram meus e que eu vi revelados em um novo formato. Depois li o Balé Ralé. E aí não teve mais jeito. Só saudades. Vontade de ler novas palavras, paridas de seu universo particular e que de alguma forma ficaram dentro de mim. Rasif é sua nova cria. Capa branca e bonita com gravuras de Manu Maltez (traços que me fazem lembrar do austríaco Paul Flora). Mundo tão diferente do meu, mas que eu encontro logo ali atravessando a rua, no boteco, na praça, nos vagões do metrô e que agora reconheço porque já fui apresentado. Mesmo que com nomes e rostos diferentes. Contos curtos, cada um com a língua mais afiada que o outro. Regionais universais. Duros e doces como a rapadura. Prove um só deles, só unzinho, que você vai ver! Não vai mais conseguir parar de se lambuzar.

No dia 11/9, agora na quinta feira, a partir das 19:30, na Casa das Rosas, um Sarau encerrará o IV Congresso da ABEH promovido pela USP, Governos brasileiro e espanhol. Sou um dos escritores convidados a participar do Sarau, bem como, Andréia Batista, Cidinha da Silva,Cláudia Monteiro,Cláudia Wonder, Conceição Evaristo, Flávio Amoreira, Glauco Matoso, Gustavo Vinagre, Horácio Costa, Hugo Guimarães, Juliana Bernardo, Marcelino Freire, Mirian Alves, Roberto Piva, Ronald Polito,RuiMascarenhas.

Mais informações sobre o Congresso:

http://www.abeh2008.org.br/port/abeh.asp

FORA DE CURSO

No ciclo lunar há momentos em que a lua está vazia ou fora de curso. Então nesses momentos a sensação é de que “ah, está faltando alguma coisa” ou “está tudo tão chato, nada acontece”. O melhor a fazer é não fazer. Esperar até que ela comece a transitar em outros signos e a sensação do vazio e da chatice desapareça. Na semana passada eu a vi através da janela da minha cozinha. Linda. Crescente. Baixa no horizonte. Desde então ela sumiu. Acho que num desses períodos em que esteve fora de curso, foi tão longe que se esqueceu de voltar.

Enquanto isso:

Recebo toda semana artigos escritos por Márcia Denser que adoro ler. A escritora que conheci há muito tempo através de Caio Fernando Abreu, escreve seus artigos com o mesmo talento e vigor que escreve seus livros. Num deles, ela citou uma frase dita/escrita por Borges que não parou de ecoar dentro da minha cabeça. Do texto da Márcia eu fui reler o do Borges. A frase: “Todo acaso é um encontro marcado, toda derrota é uma misteriosa vitória, toda morte é um suicídio” in Deutsch Requien, O Aleph.

Espero que a frase perturbe vocês. Tanto quanto me perturbou. É disso que escrevi há dias, quando falei que sinto falta de jornalistas cronistas que provoquem os sentidos e a curiosidade do leitor.

Porque no meio desse tempo em que a lua está fora de curso, os textos da Márcia e do Borges me presentearam momentos de satisfação, termino esse post presenteando vocês com mais uma frase do Borges do mesmo texto acima citado: “...ninguém pode provar um copo d’ água ou partir um pedaço de pão sem justificativa.”

6.9.08

UMBIGOS, NÓS, CICATRIZES

De uma situação experimentada. Eu estou do lado de fora. Observo. Uma querida amiga e um querido amigo. Duas pessoas que se amam, mãããs (tenho que lembrar do mãs da escritora gaúcha, gravado em meus sensíveis ouvidos), que não conseguem relaxar quanto ao amor que sentem um pelo outro. O que me constrange e incomoda quando os observo, é registrar que os dois não contribuem para que o amor cresça dentro deles. Há uma teimosia. Um não ceder, excesso de rigidez de postura, um não sei o que mais de vou-boicotar-o-que-sinto-por-você e assim o amor deles vai se transformando num Iceberg ameaçador a deriva no oceano que eles habitam. Não quero arriscar. Mas desconfio que o resultado será uma grande perda para os dois. Não sei. De alguma forma percebo neles a vontade de querer continuar verdes. Quero dizer, ficam no mesmo lugar e apodrecem, não amadurecem. Apenas envelhecem cronologicamente, mas o espírito continua verde. Amores possíveis, que não acontecem. Um pouco como o Brasil o país do futuro, que nunca chega porque a gente não consegue olhar para o nosso próprio umbigo e reconhecer que somos o que somos, porque nunca fazemos nada para deixarmos de ser o que somos e nos transformarmos no que desejamos ser.

5.9.08

SUSI ME EMOCIONA

Esta semana, por coincidência, assisti dois filmes com a atriz Susan Sarandon na tv. Entre lágrimas e risadas, pensei em como gosto do trabalho dela. Seus olhos grandes e muito vivos e o cabelo ruivo não são os únicos atributos responsáveis pela credibilidade de seu trabalho. A capacidade de interpretar, e a tranformação camaleônica em cada papel me convencem e comovem. As diferentes mulheres que vejo nos filmes que ela protagoniza, me fazem esquecer que ela é uma atriz interpretando. A qualidade dos dois filmes que assisti é questionável, mas não a sua performance: um deles, uma comédia baratinha que ela divide com a Goldie Hawn (ótima no papel de uma remanescente groupie), acho que o nome é "Doidas Demais", cujo tema é o encontro de duas amigas, uma que continua louquinha como nos velhos tempos e a outra que casou e encaretou. Lógico que a maluquinha volta para resgatar os sentimentos da amiga que encaretou e as duas convencem. O outro, um dramalhão sessão da tarde chamado “Lado a Lado” para assistir com uma caixa de lenços à côté. Lógico que me emocionei! Não deu para segurar vendo a mulher morrendo de câncer e tendo que dividir o amor de seus filhinhos perfeitos com a nova mulher do ex-marido. Mas o que me emociona mesmo é ver essa mulher interpretar. O olhar terno ou frio na hora certa, uma virada de rosto enquanto está dizendo qualquer palavra que exprima cinismo, as lágrimas retidas na parte inferior dos olhos, no limite, gestos contidos que dizem mais que palavras, enfim, gosto muito do seu trabalho. E quem não se lembra dela em “Fome de Viver” e ‘Thelma e Louise’, ou em “As Bruxas de Eastwick”? Pena de quem não viu. Era só isso, não queria que passasse em branco essa minha admiração pelo trabalho da Susan Sarandon.

3.9.08

Desde o inicio do ano até o momento, li mais livros do que em todo o ano passado. Não falo isso para me gabar de nada, apenas como introdução para o que vou dizer a seguir. Acabei de ler “O encantamento de Lily Dahl” de Siri Hustvedt.
Ela é mulher do Paul Auster, escritor que gosto muito. Comprei o livro muito curioso para saber como ela escreve. Se parecido com o estilo do maridão, se sabe contar histórias como ele e etc. Cheguei a conclusão que ela escreve muito bem, sabe contar histórias, entreter o leitor e o final do livro em questão é melhor que muitos dos finais de alguns dos livros do Auster que já li. E tem mais, me impressiona a fluidez e a secura, quase trezentas páginas e nenhum lenga lenga, vai no ponto certo, encurta caminhos para dizer o que quer dizer. Aí fiquei pensando como deve ser quando estão trabalhando. A troca de idéias, “escreve assim, não não, escreve assim que fica melhor”, enfim, a intimidade do casal enquanto escritores. Também gostaria de ter essa troca. Escrever e perguntar, querer saber o que o outro pensa com o texto saindo do forno, ouvir críticas, discutir formas narrativas e etc. Não deve ser fácil. Mas deve ser bom, não sei como é com outros escritores, mas as vezes um bom argumento crítico pode dar outro impulso ao texto. Entretenimento. O encantamento da Siri Hustvedt está aí, ela encanta o leitor com sua escrita.

2.9.08

CAFÉ ANASTRÓFICO

Se tudo é relativo, me pergunto: Devo ou não devo me preocupar com o que se passa ao meu redor? Se queimo minhas calorias pensando sobre política, por exemplo, muda alguma coisa? E sobre mim mesmo? Tem algum resultado prático se conhecer e saber dos defeitos e virtudes que formam a minha pessoa? E se eu não quiser mais prestar atenção em nada? Não me importar com os outros? E se simplesmente deixar a vida me levar? A vida leva eu? Para que lugar?

Fecho os olhos.
Itália.
Ruelas, cafés, praças, artes, monumentos, museus, o mar, a comida, o vinho, os cheiros, os cabelos, os olhos, os rostos, os corpos.
Os rostos.
Os corpos.

Há muita coisa dentro de mim que desconheço.
Lugares e pessoas que não convidei para entrar.
Descobri hoje de manhã, que posso não ser quem pensei ser.
Sou talvez uma outra pessoa, alguém que não gosto de ser.
Vou para outro lugar.
Quero ser outro ser.
Descobrir que posso gostar.
De outro lugar.
E de outro ser.

1.9.08

DEGUSTAÇÕES DE GRIFE

Eu continuo não gostando do que vejo refletido no espelho. Talvez, com o tempo me transforme num homem da caverna, mesmo que limpinho e de banho tomado. É preciso ter fé, não é verdade? Serei esmagado pela força invisível? (vestida com grifes, borrifadas com essências adocicadas, dirigindo carrões, segurando suas taças e provando licores exóticos) O que há entre nós e o céu, além dos helicópteros estilizados que voam sobre nossas cabeças? Só Deus sabe, ou somos nós que gostamos de acreditar que ele sabe? Fazer parte não é o meu forte. Faço parte, desde que no grupo daqueles que não gostam de fazer parte. Fazer escolhas é pisar sobre tapetes escorregadios, mãããããs, como diria a escritora gaúcha, é sobre eles que eu me sinto mais confortável.

Para acompanhar o ritmo do post acima, abaixo um trecho do poema de Wallace Stevens chamado “O Homem do Violão Azul”. Na orelha do livro de poemas que depois de muito tempo esquecido entre outros na minha estante, pincei e reli, o tradutor, Paulo Henriques Brito escreveu: “ Constatando a falência da religiosidade tradicional no mundo moderno, Stevens vê no artista o criador de mitos apropriados ao nosso mundo, e na arte a única forma de transcendência possível em nosso tempo.” O poeta em questão era avesso a rodas de literatura, era vice presidente de uma companhia de seguros.

Na catedral, sentado, a sós,
Eu lia uma Revista magra, e disse:

“Essas degustações nos templos
Opõem o passado ao festival,

O que está além da catedral, lá fora,
Equilibra a canção nupcial.

Assim é, ficar-se a equilibrar as coisas
Até e até e até o ponto imóvel,

Dizer que uma máscara parece,
Dizer que outra máscara parece,

Saber que o equilíbrio não é total,
Que é estranha a máscara, ainda que igual”.

As formas estão erradas, e os sons falsos.
Os sinos são touros a urrar.

Mas nunca franciscano foi tão ele-
Mesmo quanto nesse espelho fecundo.