30.9.09

SPUTNIK

Para quem leu o livro “Após o anoitecer” do Haruki Murakani e como eu achou que não era dos melhores, aí vai a indicação de “Minha querida Sputnik” do mesmo, que me fez mudar de opinião sobre o autor. “Minha querida Sputnik” é simplesmente um dos melhores livros que li esse ano. Por tudo. Pela construção e ritmo narrativo, pela bela história, e lógico, por me pegar de calças curtas e me surpreender. Fez-me esquecer do primeiro. Abriu meu apetite para os outros do mesmo autor.

Onde estão os bons filmes? Faz tempo que não entra um bom em cartaz.

Trabalho, trabalho e trabalho, e o cotidiano está mais chato do que costuma ser. Se não fosse o livro do Murakani, eu já teria virado um picolé.

27.9.09

PRESENTE PARA TODO MUNDO


Semana passada foi o aniversário da minha sobrinha, e como todos os anos, eu a presenteio com livros (queira ela ou não, o tio é teimoso, e acha que entre as dezenas de outras atividades super modernas as quais ela se dedica, se acomodar num sofá com um livro na mão pode até representar uma espécie de transgressão). E transgredir é o que o tio mais deseja que ela faça a partir dessa idade. Fui em busca do presente, dúvidas surgiram, o que dar e o que não dar, ela fez 14 anos e buscava algo que pudesse agradá-la, algum livro que a conquistasse desde o início. No tira e retira das prateleiras do setor infanto-juvenil da livraria encontrei o livro novo da escritora Índigo, “Um pingüim tupiniquim”. Refleti se deveria ou não comprar, porque talvez o livro tenha sido escrito para crianças com idade inferior a da minha sobrinha. Peguei o livro, li a orelha, admirei a linda capa, em seguida, como costumo fazer antes de comprar qualquer livro, comecei a ler a primeira página e aí não parei mais de ler. Comprei um para minha sobrinha e outro para mim. O livro é delicioso, em muitas passagens não consegui parar de rir com as idéias engraçadas e inteligentes da autora. Índigo tem um jeito de escrever que facilita a leitura e conquista o leitor de qualquer idade. O livro é leve sem deixar de falar de temas atuais. Inclui e mistura ecologia, idealismo, bicho de um tipo falando com bicho de outra raça, esquisitices humanas, greenpeace, Almyr Klink, e mais outras histórias que a cada novo capítulo o Orozimbo vai encontrando pela frente. Você se envolve e quer saber o que vai acontecer com aquele simpático pingüim. Não consegue e não quer ser interrompido enquanto viaja com ele. Uma delícia de livro, prova que uma história bem escrita e bem contada não exige classificação etária.

25.9.09

MUITA AREIA, POUCA OBJETIVIDADE

Não sou difícil de ser convencido. Seja qual for a questão, se o sujeito tiver um argumento que naquele instante é mais lógico que o meu e se ainda por cima sua idéia é inovadora e interessante eu me rendo facilmente. Difícil mesmo é me convencer de que basta mudar o ângulo da visão sobre o problema para ele deixar de existir. Não sou adepto da teoria de que tudo é relativo. Tenho uma tendência em analisar a coisa vestindo a pele de quem está fazendo o trabalho de convencimento, e é exatamente isso o que dificulta as coisas. Para o outro e para mim.

Por indicação de uma amiga, leitora voraz de qualquer coisa que caia em suas mãos, li o romance “No teu deserto” do escritor português Miguel Souza Tavares. Não conheço seus outros dois romances, sucesso de vendas, “Equador” e “Rio das Flores” então não posso comparar esse último com os outros dois. De acordo com a opinião de minha querida amiga, ela adorou os dois, por isso me recomendou a leitura. Se depender de “No teu destino” eu não vou ler os dois romances de sucesso. Não estou satisfeito. O romance se propõe a falar de amor, mas é tanto problema de alfândega e outras dificuldades que o casal protagonista é obrigado a experimentar e vivenciar durante sua viagem, que a história de amor acabou ficando em segundo plano. O que realmente importa perde espaço, entra aqui e acolá, na maior parte do tempo o leitor é obrigado a ler sobre a burocracia enfrentada pelo casal os problemas com fiscais de alfândega e policiais corruptos, o que desestimula a leitura. Não gosto de falar mal de nenhum livro, porque sei a dificuldade que é escrever, e o esforço e a dedicação necessária para a feitura de qualquer obra. Sinto muito.

22.9.09

ATREVIMENTO

De tempos em tempos a gente tem chance de assistir bons atores ou ouvir cantores com belíssimas vozes. É raro, mas acontece. Costumo ir ao teatro, e muitas vezes saio deles com dor de cabeça. Não sei por qual razão os atores tem que interpretar gritando. Não acho que berrar vá me fazer entender melhor uma peça. Na televisão isso também acontece, assista a qualquer capítulo de qualquer novela. Sem falar das peças onde o som que sai das caixas de som é tão alto que chega distorcido aos nossos ouvidos. Mas esse post não vai tratar de nenhuma peça teatral e sim de música. E de música erudita, clássica, antiga, romântica, como você quiser chamar, gênero constantemente decretado como morto, mas que nunca morre.

Feito o breve prefácio, vou para onde queria ir desde o inicio do post. Para a Sala São Paulo na apresentação da contralto Nathalie Stutzmann acompanhada pela pianista Inger Södergren. Rara noite. Porque não é sempre que se houve o ciclo de canções “A bela moleira” na cidade. Tenho alguns CDs dela interpretando outros compositores, Handel, Pergolesi e etc, gosto de sua voz escura e fechada, e estava curioso para ouvi-la numa sala tão grande como a São Paulo. Ouvia a terceira canção e precipitadamente achei que a escolha tanto da sala como do repertório não havia sido a mais correta. É que nas canções de tom muito baixo nas quais a voz da contralto soa muito grave, quase não consegui ouvir sua voz. E me arrisco a afirmar que o som do piano estava muito alto, ajudando a encobrir sua voz. Depois do intervalo, já mais solta e principalmente a partir de “Eifersucht und Stolz” a coisa fluiu e fez valer a noite. Não sou crítico nem pretendo ser, os comentários não passam de um atrevimento.

Antes que alguém me deixe um recado ou envie e-mail mal educado dizendo que tenho idéias ou gosto de “colonizado”, esclareço e instigo: a) por motivos diversos é fato que existem pouquíssimos talentos bem desenvolvidos e explorados dentro do universo da música erudita no Brasil, se duvidar, me prove o contrário dando exemplos e nomes e b) isso não quer dizer que não temos bons artistas ou grandes talentos, mas que investimos pouco e ainda temos uma visão “colonizada” da coisa.

Deixa a vida me levar, vida leva eu...

19.9.09

MATISSE NA PINACOTECA II

Ainda sobre a minha visita a Pinacoteca. A instalação/obra da Celéste Boursier me fez lembrar do livro “O culto da emoção” do Michel Lacroix, que comentei aqui que estava lendo. Em um dos ensaios ele fala um pouco sobre ter que recomeçar a cultivar o hábito de contemplar as coisas e tudo o que nos rodeia. Divide a emoção do homem contemporâneo em duas: a emoção-choque e a emoção-sentimento. Contemplar uma obra de arte pode enriquecer o homem interiormente, trazer a ele um diálogo consigo mesmo, e faz parte do que ele chama de emoção-sentimento. As imagens gravadas ficarão na lembrança, o sentimento entra no coração. Já a emoção-choque permanece na superfície, porque não tem continuidade, diminui logo que atinge o pico e outro acontecimento desvie a atenção do indivíduo. Não pude deixar de pensar em muitos dos visitantes presentes na exposição do Matisse. A pressa em absorver uma pintura, como se passar pela exposição fosse uma maratona e não um prazer. Por que é preciso fotografar um quadro com o celular? Ou fotografar o rosto de uma amiga ao lado de um dos quadros? Para que? Talvez porque o sujeito não consiga guardá-lo dentro de si. Por que não é possível passear pela sala de exposição sem falar no celular? Por que deve imediatamente comentar com o outro que está do outro lado da linha sobre suas impressões? Ele chama a emoção choque de prazer sem futuro. No momento da emoção tem-se uma comoção intensa, voluptuosa, mas que não tem registro. Enfim, pensei sobre isso ainda hoje, quase vinte quatro horas depois, mas achei que fosse necessário complementar ao post de ontem.

18.9.09

MATISSE NA PINACOTECA

Fui ver a exposição do Matisse na Pinacoteca. Sou suspeito para fazer qualquer comentário, porque já fui sabendo o que vinha pela frente e que iria gostar. A primeira vez que vi uma obra de Matisse foi em Washington, no museu de arte moderna de lá. Lembro-me de ter ficado fascinado com a exuberância das cores e a leveza dos traços. Eu era muito jovem e fazia a primeira viagem para fora do país. Depois disso vi algumas exposições/coletâneas dele em outros países e em França e não perco jamais a oportunidade de rever seus quadros. O ponto negativo nessa exposição, pelo menos hoje enquanto eu estava lá, é a presença de monitores de classes de estudantes que se aglomeram na frente dos quadros e falam muito alto prejudicando o visitante e atrapalhando o observador. Pedem para os estudantes sentarem no chão, exatamente na frente de uma das obras e começam a explicar o porquê disso e daquilo. Ruim, para todos os outros visitantes. Sou a favor de que se incentivem cada vez mais estudantes e crianças a apreciarem cultura nas suas diversas formas, mas então que se reserve um dia somente para escolas. O ponto positivo, evidente que são as próprias obras do Matisse. Mas tem mais um ponto positivo. Uma instalação no hall entre uma ala e outra da pinacoteca, que é de uma artista francesa chamada Céleste Boursier. A instalação/obra é composta por três piscinas onde louças francesas brancas em diversos tamanhos flutuam com o movimento da água, produzindo sons ao se chocarem umas com as outras. Repito, teria sido ainda melhor se pudéssemos ouvir os sons e observar as louças se movimentarem em silêncio, não na presença de tanta gente, mas como cada vez mais o silêncio é um artigo em extinção, faça o possível para visitar a exposição bem cedo.

17.9.09

VARIEDADES HUMANAS

Quando o assunto é gente meu humor oscila muito. Tem horas que tenho vontade de não me comunicar, não conhecer, horas em que a desesperança e o saco cheio é total. Outras vezes aprecio a comunicação e o bate bola com o próximo, quero ir ao encontro de outras espécies e acredito que estamos evoluindo. Não tem muita lógica, nem dependo dos movimentos lunares, mas é assim que as coisas acontecem comigo. Quando estou na fase da negação, prefiro ficar quieto, e quando estou na fase da crença vou para a rua trocar figurinhas.

Vi um casal de cegos, ainda muito jovens, trocando carícias. Observei o passo a passo de suas mãos se procurando e se encontrando, as bocas se tocando, o beijo carinhoso. Depois me senti horrível, um invasor de privacidade. No minuto seguinte deixei de me sentir invasivo. Argumentei para mim mesmo que eles não tinham me visto, portanto. Não. Sim. Não. Constrangedor.

Vi um sujeito dormindo no meio de muito lixo. Se não tivesse olhado fixamente, não saberia distinguir o lixo do ser humano.

Ouvi um pastor de rua solitário gritar ao mesmo tempo em que batia em sua bíblia, que o espírito santo está triste. Muito triste. Seu rosto estava desfigurado.

Fui testemunha de um sujeito que imitava o Michel Jackson na rua, e que interrompeu seu show para avisar uma senhora que fazia parte de seu público que um batedor de carteira estava prestes a roubá-la. O batedor fugiu e o show imediatamente recomeçou.

Hoje me senti bem no meio das duas fases, no lusco fusco entre a negação e a crença no ser humano.

16.9.09

ÖSTERREICH

Quem gosta de conhecer histórias e causos não pode deixar de ler o livro “O imitador de vozes” do Thomas Bernhard. Histórias curtas, mas nem por isso menos impactantes. Mesmo porque, para quem já leu algum livro dele, vai reconhecer nos pequenos contos aquela mesma maneira de narrar fatos como se eles não tivessem a menor importância, mas que no fundo demonstram toda a opressão do individuo quando confrontado com a sua condição e seu papel na sociedade em que vive. E num país como a Áustria, pequeno, com vilarejos de população bem reduzida, tudo isso fica potencializado e exposto.

14.9.09

HUMANOS

Uma das peculiaridades que diferem os seres humanos dos outros animais é a linguagem. A gente desenvolveu a fala, depois os idiomas, até chegarmos a essas múltiplas formas de comunicação. Podemos usar telefone, skype, msn, até por meio de telepatia a gente pode se comunicar. Depois de uma reunião como a que tive hoje de manhã, na qual todos os pressupostos para se chegar a um consenso estavam postos sobre a mesa, e o resultado foi um completo desastre exatamente por causa da falta de habilidade/vontade/disposição para se comunicar, chego a conclusão de que muitos dos seres humanos com quem lido não sabem fazer uso desse patrimônio. No meio da reunião tive muita vontade de rir quando me lembrei de uma visita que fiz ao zoológico há muitos anos. Rente a grade que servia para delimitar o espaço territorial do gorila, e querendo que ele saísse de dentro de sua caverna artificial, joguei um pedaço de pau que caiu há alguns metros de onde ele estava. Não levou nem um minuto, ele se levantou, pegou o pedaço de pau que eu tinha jogado e o arremessou de volta em minha direção.

12.9.09

INDEFESO

Hoje de manhã li meu horóscopo tanto na Folha como no Estadão. O primeiro previu que durante o dia eu me sentirei poderoso e com a auto-estima em alta, e que eu devo aproveitar essa onda durante o dia, porque a noite tudo vai mudar. O segundo afirma que estou sendo atacado, e que esse ataque acontece porque justamente as pessoas vêem em mim uma pessoa forte, por isso devo assumir essa força. Queria tanto que os dois astrólogos se unissem e combinassem as suas previsões. Porque mesmo que eu não os leve a sério, acabo me influenciando por elas. Podiam ter um comportamento mais corporativo, deveriam se unir pela classe, e fazer as previsões em conjunto para que não surgisse nenhuma dúvida depois da leitura. Eu continuaria não dando trela para eles quando a previsão fosse negativa, e acreditando em suas previsões quando elas fossem positivas. E acho também que deveriam assumir um tom mais pessoal, deveriam sempre fazer as previsões iniciando-as com “hoje, você caro aquariano”, ao invés de insistir com esse tom impessoal, generalizante.

Voltando para casa ontem no final do dia, compreendi de uma vez por todas que além de portar inúmeras idiossincrasias, sou também anacrônico. Vou conversar com meu analista a respeito. Se uma coisa tem a ver com a outra e se devem ser curadas. Porque passou pela minha cabeça que as idiossincrasias e os anacronismos podem ser parte inerente da minha personalidade. Temo pela minha personalidade, não quero de jeito nenhum que ela sofra se uma possível cura significar perdas. Dou o braço a torcer, mantê-las provoca inúmeros desconfortos, mas eu já me acostumei. Até gosto.

11.9.09

RETRATO EM PRETO E BRANCO

Transcrevo uma reflexão feita pelo personagem do Somerset Maugham do livro “O Destino de um Homem” sobre a vida do escritor.

“É um vida cheia de contratempos. Para começar ele deve sofrer a pobreza e a indiferença do mundo; depois, tendo conquistado uma parcela de sucesso, tem de se submeter sem protesto aos seus riscos. Depende de um público inconstante. Está à mercê de jornalistas que querem entrevistá-lo; de fotógrafos que querem tirar-lhe o retrato; de diretores de revistas que o atormentam pedindo matéria, de cobradores de impostos, de pessoas gradas que o convidam para almoçar, de secretários de instituições que o convidam para fazer conferências, de mulheres que o querem para marido e de mulheres que querem se divorciar dele, de jovens que lhe pedem autógrafos, de atores que desejam papéis e estranhos que pedem empréstimos; de senhoras sentimentais que lhe solicitam a opinião sobre assuntos matrimoniais, de rapazes graves que querem opinião sobre suas composições, de agentes, de editores, empresários, chatos, admiradores, críticos, e da própria consciência. Mas existe uma compensação. Sempre que tiver alguma coisa no espírito, seja uma reflexão torturante, a dor pela morte de um amigo, o amor não correspondido, o orgulho ferido, o ressentimento pela falsidade de alguém que lhe devia ser grato, enfim, qualquer emoção ou qualquer idéia obcecante, basta-lhe reduzi-la a preto-e-branco, usando-a como assunto de uma história ou enfeite de um ensaio, para esquecê-la de todo. Ele é o único homem livre.”

É isso. E tem uma passagem em que outra personagem diz que escritores são uma gente gozada. Ela descobre trechos da traição que cometeu contra o marido no romance escrito por ele. O marido/escritor relata a infidelidade da mulher no seu romance que depois se torna um dos seus livros mais vendidos. Interessante. Acrescento a tudo isso que ele falou sobre escritores, que escritores são também a esponja do meio onde vivem. Absorvem, filtram tudo com aparente indiferença, mas estão trazendo tudo para dentro de si. Se não for assim, não tem como transformar as percepções em palavras.

9.9.09

TRÓLEIBUS

Hoje voltei para casa de ônibus elétrico. Odeio usar a palavra adoro, mas adoro ônibus elétrico. Peguei ele porque queria comprar pão na padaria Aracajú, que fica exatamente na esquina da rua Aracajú com Maranhão e faz um dos melhores pães da cidade, e eu sabia que essa linha de ônibus passa por lá. Sentei no último banco, que é mais alto que todos os outros e você tem uma vista geral de dentro e de fora do ônibus. Ai que delícia. É silencioso, espaçoso, por mim só existiriam ônibus elétricos. Do meu lado esquerdo um rapaz com um layout modernésimo lia adivinhe o que? Guimarães Rosa. Do lado direito um outro jogava algum joguinho barulhento no celular. Na minha frente bancos onde quem senta obrigatoriamente olha para quem está sentado no último banco, isto é, são invertidos e os passageiros dão as costas para o motorista. Num deles um casal de meninas se beijava apaixonadamente. E continuou se beijando apaixonadamente, sem se desgrudar nenhum minuto até o ponto em que eu saltei. Devem estar com as bocas inchadas. Nada mais interessante que observar rostos, trejeitos, modos de vestir e de se comportar das pessoas. Como por exemplo, o senhor já de idade avançada que tinha um tique nervoso, o de a todo instante limpar a manga do pulôver no nariz, ou será que ele limpava o nariz no pulôver? Não sei, agora me confundi. Também não sei se ele estava nervoso por causa das meninas ou o tique nervoso era antigo. E tinha também um garoto especial, que não parava de perguntar a mãe sobre tudo que ele via na rua com uma freqüência e insistência tão absurda, que a mãe decidiu tapar a boca dele com a mão. Não adiantou, ele continuou perguntando mesmo sob a pressão da mão de sua mãe na sua boca, e como todos nós passageiros começamos a rir da situação, ele achou mais graça ainda no que fazia. A sensação era a de que lá dentro o tempo era outro. Diferente daquele onde eu me encontrava um pouquinho antes de entrar no ônibus e me sentar. Desci, comprei meus deliciosos pães, e para completar meu nostálgico fim de tarde ganhei do meu padeiro preferido um docinho chamado toicinho do céu.

7.9.09

PODERES

Há uma energia que eu desconheço. Que de repente me incita a querer. Vou chamá-la de energia subversiva. Porque ela me desperta. Me tira do lugar confortável em que me acomodei, e subverte a ordem que me orienta. Então me desoriento. E me sinto forte. E sou naquele instante um ser desorientado, mas sou o que quero ser, e tenho o que quero ter, e realizo mesmo que apenas na imaginação, todas as minhas vontades. Enquanto possuído por essa energia subversiva, sei que não sou o que penso ser, mas sou, e estou, e quero ser e estar. Sem ela me desconheço. Me oriento. Não sei o que sou, e penso ser, e não estou, e não quero estar.

Quando não tiver mais jeito, então vou preferir pensar que é preciso estar muito distante para se estar perto, e muito só para se descobrir amado.

6.9.09

MILAGRE

Na dúvida fui. Viajei. E já estou de volta. Foi bom para mudar de ares. Mas é bom estar novamente em casa. Nesses três dias entre longas cochiladas e curtas caminhadas li “O Destino de um Homem” de W. Sommerset Maughan. Não vou falar das qualidades do livro que é muito bom, nem fazer o resumo do mesmo, mas de um pensamento que durante toda a leitura ficou me espezinhando: tudo já foi escrito, falado, debatido, romanceado, historiado, e mesmo assim escritores continuam a escrever sobre as mesmas coisas. No fundo as histórias se repetem, já se escreveu exaustivamente sobre amor, ódio, guerra, paz, vaidade, orgulho, mentiras, triângulos amorosos, traição, e tudo o mais que você estiver se lembrando neste exato momento e eu me esquecendo. Lógico que cada autor escreve de um jeito e de acordo com sua vivência e intenção de contar a história, mas no fundo acredito que tudo já foi dito. E mesmo assim, a gente lê, se emociona, se decepciona, têm sobressaltos de alegria ou tristeza e não larga o livro enquanto não terminar de ler a última página. Um milagre que se repete e quase ninguém dá a devida importância.

3.9.09

DÚVIDA

Com o feriado batendo na porta, a vontade de sair da rotina e mudar de ares começa incomodar. O sinal de alerta imediatamente é acionado. Viajar pode ser bom, mas ficar na cidade esvaziada pode ser melhor ainda. Estradas e praias cheias, congestionamento, fazer malas e etc... perdem espaço para restaurantes vazios, cinemas sem filas, e ruas descongestionadas. Mas o tempo está bom, e pagar uma praia, grelhar e descansar na rede lendo um livro pode ser uma excelente alternativa para o final de semana prolongado. Por outro lado acordar mais tarde, sair para caminhar e visitar algumas exposições não seria menos interessante. A lista de argumentos a favor e contra aumenta e paralisa. É preciso decidir. O tempo passa. E, além de tudo isso, a previsão climática no jornal não está batendo com a da internet. Que sacanagem! É aí que está pegando, e se a gente viajar e o tempo mudar? E se a gente ficar e o tempo continuar com cara de praia?

1.9.09

O MELHOR LUGAR DO MUNDO

Pedi uma sugestão de xarope para o sujeito que me atendeu na farmácia. A resposta foi, nós estamos proibidos de fazer qualquer tipo de sugestão a clientes. Então tá. Eu vou mencionar alguns nomes de xaropes que conheço e você me diz qual é o melhor, está bom assim para você? Tudo bem. Então citei uns quatro ou cinco. Três deles não são mais produzidos e dois deles não servem para o que o senhor está precisando. O que fazer então? Vocês têm um farmacêutico de plantão? Não senhor. Outro dia eu também estava com tosse e tomei o xyz e funcionou. Mas eu não posso indicar, se o senhor me disser que quer experimentar tudo bem, mas eu não posso prometer. Já entendi. Me dá esse que você tomou então. Parece ficção, mas não é, e foi o diálogo que tive com o vendedor da farmácia para comprar um xarope. Até pouco tempo a gente media a pressão, tomava injeção e conseguia ter um diálogo razoável com o balconista da farmácia, mas agora é assim, eles não podem mais sugerir nada, nem fazer nada, só estão ali para vender o que você pedir.

Hoje mandei um e-mail para a prefeitura de São Paulo reclamando da imundice do “entorno” do meu bairro. Coloquei a palavra entorno entre aspas porque eles adoram usar esses termos, entorno, antes usavam arredores quando queriam falar sobre lugares próximos, mas agora usam entorno. Pois deveriam vir aqui nos arredores de Sta Cecília, Barra funda, Higienópolis, e visitar todo o entorno, começando pelas ruas próximas da estação Marechal do metrô para ver com os próprios olhos o lixo e a imundice. Tragam vassouras, Prefeito Kassab, o senhor que tem ótimas iniciativas, como a idéia da cidade limpa, que tal distribuir vassouras para a população moradora de rua poder limpar o lixo acumulado nas calçadas. Há vinte metros da entrada do meu prédio hoje de manhã tinha uma moça dormindo entre um latão de lixo e outro, no “entorno” dela havia muita sujeira, montes de sacos plásticos, e uma plantinha ressecada. Não é mais uma pessoa. Não é um animal. Não é nada. Está ali, e poderia ser qualquer coisa, menos gente. Gente não pode ser tratada desse jeito. Não. Não acho que tudo seja culpa do poder público, mas que ele é ausente, ah isso é. Porque senão a cidade onde moro seria diferente.

Hoje li no Estadão que os moradores dos jardins, lá onde duas ou três mansões foram assaltadas nos últimos dias, se organizaram e estão pedindo reforço policial e ronda vinte e quatro horas nas ruas do “entorno”. Parece que já foi providenciado pelo subsecretário ou sei lá quem for. Será que alguém poderia avisá-los que não adianta só se organizar para se proteger? Aqui onde moram classe média e congêneres, ninguém se organiza para nada, a não ser para imitar os péssimos exemplos de seus vizinhos dos jardins. Aqui se sonha em ficar mais rico e poder ir morar num outro prédio onde o muro é mais alto, tem porteiros capangas que usam óculos paraguaios raybans e se comunicam com radinhos para abrir os portões das garagens ou das gaiolinhas, quadrado onde os visitantes e moradores devem se identificar para receberem permissão e entrar na própria residência. Uma vizinha me disse é chique e valoriza o imóvel. Para ela tudo bem sair do prédio e dar de cara com a moça/lixo dormindo na calçada, ela nem enxerga a moça/lixo, já que quase nunca anda a pé, o que importa é a segurança interna do prédio. Vou me internar.