30.12.09

PARA O QUE DER E VIER

Para o ano que terminou deixo um grande abraço de despedida. Um desses abraços raros, carregado de afeto e calor, que nos envolve com carinho e demonstra gratidão. E enquanto eu o abraço, falo em seu ouvido: obrigado por cada um desses 365 dias que esteve comigo, me empurrando para frente, e me incentivando a não desistir. Tchau 2009, e obrigado.

Para o ano que se inicia, abro meus braços. Para recebê-lo de peito aberto e sem medo. E com a confiança reforçada. Com a fé dos que acreditam não apenas em si mesmos, mas que se entregam também aos caprichos da providência divina. Que seja farto de experiência e saúde, trabalho e prazer, e que a realização de alguns sonhos gere muitos outros. Salut, Viva 2010!

Para todos que acompanharam o blog durante o ano de 2009 um feliz ano novo!

29.12.09

SIMPLE THE BEST


Novamente cinema. Hoje foi a vez de “Ervas Daninhas” de Alain Resnais. A cereja do bolo dos três filmes que vi nos últimos três dias. Ver um filme de Alain Resnais é sobretudo ver como se faz cinema com qualidade. Não importa se você gosta ou não do filme, mas você não conseguirá apontar defeitos grosseiros ou dizer que é de baixa qualidade. Dificilmente uso o verbo adorar para traduzir um sentimento bom em relação a qualquer obra de arte ou pessoa, mas adoro os filmes do Resnais. Porque são bem feitos, as histórias são interessantes e nunca esbarram no lugar comum. “Ervas Daninhas” não foge a regra da maioria de seus filmes. Boa história, bons atores (gosto mais do Dussolier do que da Sabine Azéma, acho ela sempre um pouco artificial, já ele tem o controle absoluto dos gestos e das emoções), boa trilha sonora, boa fotografia, final beirando ao absurdo. Dentro do filme é possível detectar brincadeiras sobre destino, carências, loucuras, desejo e rejeição, tudo muito bem “caché” dentro das ações e reações das personagens. Já nos primeiros minutos do filme percebe-se a mão de quem sabe o que está fazendo, tem-se a impressão de se estar assistindo uma brincadeira do diretor, tamanha a destreza de trabalho da câmera. Tudo beira o nonsense e ao sarcasmo, o drama e o humor se misturam tangenciam o ridículo, ouve-se as vozes interiores dos personagens, o que pensam, o que querem dizer mas não dizem. Não é uma história comum, ou melhor, é uma história de gente incomum, irreal e real ao mesmo tempo, uma brincadeira levada a sério. Talvez não agrade a maioria, mas de qualquer forma fazendo uma pequena retrospectiva dos filmes de Resnais (Hiroshima mon amour, Ano passado em Marienbad, Meu tio da América, Medos Privados em Lugares Públicos), me parece que ele nunca se preocupou com isso. Graças a Deus!

28.12.09

VALE O QUANTO PESA

Mais cinema. Fui assistir “Partir”. No momento temos uma avalanche da atriz Kristin Scott Thomas. O que não é desagradável, pelo contrário, é um prazer ver confirmado o seu enorme talento e a gente tem vontade de vê-la mais e mais vezes. Mas retomando o filme. “Partir” é um bom filme, de história bem construída e muito bem contada. Ao ver o ajudante de obras espanhol não é difícil entender porque Suzanne se apaixona por ele. Comparado ao seu marido seco e chato não é difícil entendê-la. Talvez seja esse o ponto fraco do filme, o personagem do marido foi construído beirando a caricatura e a gente facilmente torce contra ele. O ator é fraquinho e deixa a desejar em todos sentidos. Mas a história é definitivamente possível. Quem já se apaixonou cegamente sabe o quão vulnerável e desesperado a gente fica. Tenho uma amiga que viveu história parecida, graças a Deus com final diverso e mais feliz. Bom, contado a partir da penúltima ou antepenúltima cena, e por isso com final não surpreendente, mas com o meio muito bem recheado. Vale a pena.

27.12.09

O LADO PERFEITO DAS IMPERFEIÇÕES

Para não cair no buraco vazio das horas eu me esforço para preenchê-las com arte. Não há outra receita para apaziguar minha alma ansiosa e inquieta, pelo menos é a única até o momento que consegue preencher meus vazios e serve para diminuir o sofrimento. Não cura, mas orienta e proporciona satisfação. Por isso nesses dias que dobram de tamanho e parecem intermináveis vou ao cinema. Fui ver “A vida íntima de Pippa Lee”. Vou tentar resumir minhas impressões da seguinte maneira: o filme não é ruim, mas também não é dos melhores, porém deve necessariamente ser visto. Gosto do tema proposto, da maneira como se conta a história, mas há uma superficialidade irritante que permeia todo o filme e provoca desconfiança quanto a qualidade da obra. Há várias pitadas de humor no meio do drama proposto, e eu sou favorável a esse recurso, não é isso que diminui a dramaticidade do filme, meu desgosto vem do não aprofundamento de suas propostas e dramas. Os acontecimentos parecem estar ali gratuitamente, mesmo que eles encontrem explicações com base pseudo psicológicas. Essa mania americana de analisar desvios de comportamento do ser humano apenas raciocinando suas causas e efeitos, reduz o homem a um ser banal e previsível. Como se fosse possível prever comportamentos e reações de cada ser humano apenas analisando os acontecimentos de seu passado. Lógico que analisando o passado podemos responder muitas perguntas, mas somos mais complexos, menos previsíveis e matemáticos, e muitas vezes incapazes de lidar com nossas emoções, mesmo quando conseguimos rastreá-la. No geral o filme tem pontos positivos, a atuação de Alan Arkin, Monica Belucci por exemplo, é de tirar o chapéu, e a aparição de Julianne Moore fazendo uma pequena ponta como a amiga lésbica da tia da Pippa é de prender a respiração.

26.12.09

DIÁLOGOS EXTRA SENSORIAIS

Muitas nuvens, mas mesmo assim há leveza no ar. A cidade está calma, menos automóveis circulando e muito menos gente nas ruas. Ontem, no primeiro dia depois do nascimento de Jesus, senti vontade de matar um sujeito que estacionou seu carro numa pequena rua sem saída localizada atrás do meu prédio, e que resolveu ligar o seu som em volume altíssimo. As enormes e potentes caixas de som devem ter sido um presente de natal e ele resolveu compartilhar seus axés e outras músicas de gosto duvidoso com todo o bairro. Fica difícil manter o espírito natalino nessas horas. Moro no 15º andar. O som sobe e se torna invasivo. Depois do primeiro ovo que recebeu sobre sua linda capota brilhante, ele percebeu que nem todo mundo estava a fim de compartilhar de seus gostos. Com esse tipo de gente o diálogo não funciona, mas por incrível que pareça eles entendem a linguagem do ovo. As coisas são mais simples do que a gente imagina. Acho que um tomate também teria funcionado. Qualquer coisa orgânica, menos a palavra. A palavra não exerce influência nesses casos extremos. Ele soltou uns palavrões. Devem ter servido para ele extravasar sua raiva. Tudo bem. Sou um cara compreensível, entendo sua revolta.

24.12.09

NOEL

Feliz natal a todos que passarem por aqui.

23.12.09

SÃO TANTAS EMOÇÕES

Nos últimos dias tenho casualmente encontrado muita gente conhecida. Algumas eu não via há muito tempo por motivos alheios a minha vontade, outras vejo com mais freqüência mesmo contra a minha vontade. Noto em todos uma emoção transbordante e pouco natural. Pergunto-me se não sou eu que nesses dias que antecedem a grande histeria da celebração do natal, que fico mais crítico e presto mais atenção em tudo. Mas é muito estranho não ver alguém durante anos e de repente ser abraçado por um tamanduá com os olhos cheios de lágrimas. Assim como também é estranho ver a emoção aflorar nas pessoas com as quais você convive por obrigação ou força do destino e não tem a menor intimidade e nem tem vontade de ter. Não acho que elas finjam. Acho que esses dias que antecedem as festas são tocados por um ar de histeria em massa. Há um exército de imagens e mensagens que induzem as pessoas a isso. Sinto os abraços mais fortes do que de costume e os beijos mais úmidos melecando minhas bochechas. Em alguns momentos sinto a nuvem me envolver. Mas sinceramente, se normalmente não dá para engolir a hipocrisia individual, a em massa então fica insuportável. Prefiro aqueles caras que ficam na rua vendendo abraços em dias normais a essa turba de histéricos emocionados com seus quinze minutos de sentimentos altruístas. Aliás, de altruístas acho que eles não tem nada, porque na verdade estão só pensando em satisfazer suas próprias necessidades. Sorte que tudo isso dura somente alguns poucos dias, e são regados a vinho e boa comida.

21.12.09

BOLO DE FRUTAS


Na sexta à tarde fiz um bolo de frutas. Piquei toda variedade de nozes, castanhas e frutas secas e coloquei numa bacia grande, acrescentei cinco maçãs picadinhas, um copo de suco de laranja, quatro xícaras de farinha, três de açúcar mascavo, cinco ovos, uma colher de canela, mel a gosto, uma colher de manteiga sem sal e misturei tudo. Depois acrescentei uma colher de fermento e mexi mais uma vez cuidadosamente. Untei duas formas retangulares, daquelas que se faz bolo inglês, e as preenchi com a massa, em seguida pus no forno para assar. O bolo assou em temperatura de 180 graus por um pouco mais de uma hora. Resultado: o bolo ficou delicioso. Se nada mais der certo, vou começar a fazer bolos e vendê-los de porta em porta.

18.12.09

CENAS PRÉ NATALINAS

Cenário: Balcão de frutas secas de um supermercado.

Personagens:
Moça com aproximadamente trinta anos, lábios carnudos, falsa loira, óculos de sol segurando os cabelos na testa, roupas justíssimas, sandálias altíssimas, bolsa aparentemente de grife.

Rapaz com aproximadamente quarenta e mais do que poucos anos, careca raspado, trajando calça de agasalho, tênis, boné.

Cena 1:

Moça se aproxima do balcão improvisado de frutas secas, ignora um senhor e o rapaz careca que aguardam na fila para serem atendidos. Diz estar com pressa. Exige ser atendida com rapidez. Sem olhar para ninguém diz precisa buscar as duas filhas na escola. Tem muita coisa para fazer. Reclama com a atendente da suposta lentidão. É ríspida e o tom de sua voz é frio e demonstra arrogância. “Não. Você colocou mais damascos do que eu pedi pode tirar. Tira . Tira mais. Mais. Você não entendeu o que eu falei? Mais.Tira mais. Não, agora você tirou demais. Acrescenta mais um pouco. Não. Tira uns dois ou três. Agora pesa. Quero apenas duzentas gramas. Passou do peso. Eu te disse duzentas gramas. Que coisa! Parece que não entende português?”

Cena 2:

O rapaz careca observa e ouve as grosserias e a falta de educação da moça junto a atendente. Aproxima-se. Tem cara de quem está prestes a estapear a moça loira. Surpreendentemente consegue se controlar. Não a estapeia. Aproxima-se mais um pouco. Aguarda ela pegar o saquinho de damascos e diz: “posso te dizer uma coisa?” A moça loira olha com espanto para ele e segundos depois abre um sorriso. Antes que ela pudesse lhe responder qualquer coisa o rapaz emenda: “o correto seria você dizer duzentos gramas, entendeu?, não duzentas, talvez por isso a atendente não tenha te entendido. Ah, e se aconselha dizer por favor antes de fazer o pedido, e obrigado depois de ser atendido, isso também faz parte da comunicação entre pessoas.”

Última cena:

A moça está visivelmente assustada. Olha para o careca e pressente que se abrir a boca para dizer qualquer coisa, ele vai lhe dar uns bons tapas na cara. Distancia-se do rapaz e do balcão e estupefata com o atrevimento do careca, diz: “brasileiro é um povo mal educado mesmo, e ainda quer ensinar a gente a falar!”

LÓKI

Restam alguns dias para o final de ano, mas para mim a sensação é de que ele já ficou para trás. Sinto-me como se tivesse entrado num tempo a parte, um território extra, no limbo, ou purgatório. Um lugar/tempo entre o ano que já passou e o que vai iniciar. Faço reflexões do que foi e do que será. Mas nada de balanços, pelo amor de Deus, sem planos, metas, ou qualquer outra palavra vinda do mundo corporativo empresarial e adaptada para a vida privada. Não vou perder o meu tempo com projeções como se tivesse um power point dentro da minha cabeça. Se existe um tipo de paz que carrega em si a ansiedade, é isso que estou sentindo, uma paz ansiosa.

Ontem assisti na tv ao filme Lóki, que conta a história dos Mutantes e do Arnaldo Batista. Posso sem querer estar sofrendo os efeitos colaterais do sentimentalismo que domina a maioria das pessoas nos dias que antecedem o natal, mas em muitos trechos do filme eu me emocionei. Acho que o que mais me pegou foi a intensidade de sentimentos do Arnaldo revelada no filme. Uma intensidade profunda, sem filtros, não artificial e traduzida em música. Não há diferença entre sua vida e obra. Por incrível que pareça me lembrei de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. São todos muito parecidos. O que me fez acreditar nessa semelhança, foi a intensidade dos sentimentos, o mergulho profundo dentro da alma. Neles não há divisões, não há biombos entre o consciente e o inconsciente ou entre suas obras e suas vidas. Estou Lóki? Não sei, mas juro que é melhor não ser o normal.

15.12.09

APESAR DE.


Esses dias tenho pensado muito naqueles dizeres da Clarice Lispector, alguma coisa como “a gente ter que viver apesar de”. Tem um montão de “apesar de” que vem atropelando a fluidez dos dias, incomodando o fundo da alma e colocando pedras no coração. Não acho que é o espírito natalino. Talvez o volume de “apesar de” tenha aumentado nos últimos meses, por isso essa sensação de acho que não vai dar ou descrença. Continuar a fazer as coisas “apesar de” faz muito mal. O espírito adoece. Quanto menos “apesar de” a gente carregar sobre nossos ombros, melhor e mais saudável a gente vai se sentir. Descobrir os “apesar de” pode ser um processo demorado, porque às vezes a gente sem perceber os incorpora no dia a dia. E se livrar deles não é tão fácil ou instantâneo como dissolver Toddy num copo de leite. Depois que a gente os descobre as coisas ficam ainda mais difíceis, ter consciência deles pode ser ainda mais penoso. Mas o grande negócio de nossas vidas é na medida do possível se livrar deles.


Outro dia entrei no elevador e ao cumprimentar um dos moradores, ele me respondeu, “tudo bem, fazer o que, a gente vai levando como dá para levar”. Ai meu Deus, pensei, que medo, não quero ser assim, ir levando como der para levar, não quero levar nada que não caiba nos meus bolsos, quero sim levar somente o que eu escolher.

Exceto as coisas/pessoas/fatos que não dependem de nossa vontade de ter/conviver/viver, e acho que quando se tem coragem de tomar decisões dá para reduzir bastante o número de coisas/pessoas/fatos indesejáveis, todo o resto tem que fazer parte das escolhas e de deliberações conscientes. É difícil. Muito difícil. E não tem nada a ver com perder a flexibilidade, o jogo de cintura. Tem mais a ver com “hay que endurecer-se, pero sin perder la ternura”, qualquer coisa que se encaixe nisso. E vou chegando a conclusão de que faz parte dos exercícios que duram uma vida inteira.

12.12.09

JEITINHO BOM DE CONTAR HISTÓRIA

Saí da sala do cinema pensando nas razões que me levaram a gostar do filme “É proibido fumar”. Nem sempre é assim. Normalmente eu gosto e pronto. Mas desta vez foi diferente. Comecei argumentando para mim mesmo que o filme é simples, tem uma aparência de “feito em casa”, história mais simples ainda, que não exige queimar os miolos para tentar entender. Outro motivo poderia ser o de que a gente parece conhecer aqueles personagens de algum lugar. Alguma prima se parece com a Baby e que o Max na verdade é uma cópia do sujeito que a gente vê todo dia com a barriga encostada no balcão da padaria conversando sobre futebol com o chapeiro. E acho que este é o ponto forte do filme, e o que nos faz gostar dele. Glória Pires e Paulo Miklos são tão naturalmente críveis que você esquece que está dentro de uma sala de cinema. Gosto do que está escondido atrás da simplicidade de diálogos e situações. Tudo parece simples. Uma moça carente encontra um vizinho sem muitas intenções, alguns interesses em comum com muitas diferenças embutidas. A história se desenvolve sem muitos conflitos, mas a gente sabe que a aparente ausência de conflitos é conduzida pelo desejo da busca da felicidade que cada um dos personagens guarda dentro de si. E é assim, com leveza, que você é conduzido a acompanhar a história de Baby e Max, torcendo para que eles dêem um jeito para dar certo. Não é preciso fazer um drama para se contar uma história dramática. Anna Muylaert, que é ao mesmo tempo roteirista e diretora do filme, pelo jeito sabe disso.

11.12.09

O MUNDO É DOS JOIOS


Há alguns anos a expressão popular retirada da parábola bíblica “separar o joio do trigo” era bem comum e ainda fazia sentido. Era usada quando se queria deixar claro que uma pessoa ou um tipo de comportamento ou conduta diferente da praticada pela maioria era exceção, e não a regra. A quantidade de joio infiltrada no meio dos campos de trigo era bem menor, e nem sempre significava que a pessoa ou o comportamento era repugnante, era só um joiozinho no meio do imenso campo de trigos virtuosos. O mundo mudou e com ele o joio se multiplicou. Ser joio passou a ser regra no mundo maravilhoso das aparências. Hoje está quase impossível encontrar o trigo dentro da imensa quantidade de joio. Os trigais foram perdendo lugar dentro da imensa maioria de joios multiplicados e agora confundidos pela cada vez maior quantidade de gente que não sabe diferenciar um do outro. Não é a mesma coisa. Trigo é trigo e joio é joio. Trigo da frutos, tem o poder de se transformar em pão e outros alimentos, joio é palha, vazio, quer ser e não consegue, parece mas não é. Sinceramente não acho que vão conseguir aniquilar com o trigo. Trigo que é trigo resiste, trabalha quietinho para garantir a sobrevivência da espécie, conhece suas qualidades e não quer de jeito nenhum que o confundam com joio. Cresce sob a luz do sol e não de flashes e holofotes. Acho até que tem orgulho de ser trigo, mesmo sabendo que isso não tem a menor importância no mundo dos joios.

9.12.09

INTERCÂMBIO CULTURAL


Acompanhei uma discussão antiga na tv francesa sobre a proibição de minaretes na Suíça. O programa deve ter sido reprisado, já que no dia 29 de novembro por meio de um plebiscito os suíços votaram a favor da proibição. O país inteiro tem quatro minaretes (torres das mesquitas) e eles estão aterrorizados com a idéia de serem acordados com os chamados dos mulçumanos convocando os fiéis a fazerem suas orações. Sinceramente, também não gostaria, mas será que não tem outra forma de resolver isso? Bem que o Sartre avisou que o inferno são os outros. Então, nada mais fácil que começar eliminando as diferenças. O argumento que engana apenas os sem miolos é fascismo disfarçado, porque na verdade o que eles querem é espalhar terror e medo nos cantões. Dizem se sentir ameaçados pelos muçulmanos e suas tradições. Um dos sujeitos a favor disse que a civilização européia está no início do fim, a Europa livre (há há) vai acabar, está se auto abortando (essas foram suas palavras). Senti arrepios ao ouvi-lo. Guardadas as proporções, o que fizeram com a moça da uniban é fichinha, a diferença é que lá a coisa é mais organizada, institucional, não tem gritaria e (ainda) não jogam pedras. Fiquei pensando em como ajudá-los a aprender a conviver com as diferenças. Talvez o Lula pudesse sugerir ao governo suíço um programa do tipo intercâmbio, em que os suíços viriam passar um tempo aqui no Brasil e gente iria para lá. Eles ficariam hospedados em qualquer bairro de classe média de qualquer cidade do país, não precisa ser na periferia para não chocá-los logo na chegada, pode ser em Higienópolis ou em Ipanema, numa praia de São Vicente ou Ubatuba nas festas de fim de ano. O primeiro final de semana ensolarado já servirá como início das aulas. Quando neguinho começar a lavar o carro com o som no último volume, qualquer cidadão suíço vai sentir saudades de suas geleiras e vai começar a perceber que um minaretezinho sozinho não vai fazer muita diferença. A aula se estenderá até o final da tarde, quando rapazes cheios de energia e vontade de viver encostarem o carro bem próximo do boteco da esquina e levantarem os porta-malas com as caixas de som direcionadas para fora (aposto que isso eles não conhecem, é uma coisa tipisch brasileira) para ouvir um pagode enquanto seguram suas latinhas de cerveja. A festa para a entrega do canudo vai ser um churrasco no Alvorada, o Lula vai entregar pessoalmente o diploma, para eles aprenderem que barbudo não é sinônimo de gente radical, e antes do schwitzer voltar enchanté para o seu país, vai ainda ganhar um fim de semana all inclusive em Salvador ou Recife. Afinal a gente vive num país musicalmente eclético, e nada melhor do que sair daqui com o conhecimento de mais alguns ritmos brasileiros. Ah, já ia me esquecendo dos brasileiros que deverão ir para lá. Bem acho que os primeiros a serem escolhidos para fazer o intercâmbio nos cantões deveriam ser esses aí que proporcionaram as aulas ao vivo para os suíços, é só uma questão de prioridade, e direitos, é lógico.

8.12.09

GENTE QUE FAZ

Avanço na leitura da biografia da Clarice Lispector. A biografia escrita por Benjamin Moser é rica em informações que não se reduzem especificamente a vida da Clarice. É muito mais do que isso. Leva-nos a refletir sobre o contexto histórico que precedeu o nascimento da escritora, quem eram seus avôs, a situação política que obrigou a família a sair da Ucrânia e escolher o Brasil, o Recife e etc... É muito interessante e repleta de detalhes sobre a vida familiar e a infância. Versões contadas pelas irmãs, o ponto de vista da Clarice em relação aos mesmos relatos familiares, trechos extraídos de seus textos como uma forma de traduzir sua intimidade. Não é uma biografia escrita superficialmente, e por isso mesmo requer tempo, vontade e interesse. Estou surpreso com o envolvimento e a dedicação do autor norte americano. Mas a densidade da biografia não esbarra no ritmo narrativo. Para mim a leitura está sendo um grande prazer. Recomendo.

Quem está se sentindo pesado e precisa de um pouco de leveza, mas nem por isso quer abdicar de arte com qualidade, deve assistir o filme “Julie & Julia” protagonizado por Meryl Streep. Mais uma vez ela demonstra porque é tão respeitada como atriz. E o filme é muito bem feito, roteiro sem falhas, bem dirigido, história que prende a atenção. Filme tipo sessão da tarde acima da média.

7.12.09

IMPRENSA


Li dois textos que me chamaram muita atenção pela clareza e excelência na exposição do raciocínio. Um deles uma entrevista nas páginas amarelas da revista Veja do psicanalista Jean-Pierre Lebrun, o outro, um artigo na coluna do filósofo Luiz Felipe Pondé no caderno “Ilustrada” da Folha. Pondé é sempre provocativo. Gosto disso, e aprecio suas ironias, ele as emprega com muita lucidez, mas acredito também que exatamente por causa disso deve ser muito mal interpretado. Os dois falam de coisas diferentes, mas que se relacionam. Abordam temas como educação, família, ética, promessas de felicidade por meio da exclusão da tradição. Assuntos que deveriam ser mais debatidos com a sociedade, mas que muitas vezes é motivo de desdém entre os que se acham modernos e antenados. Se não estamos gostando do que vemos, o jeito é olhar para o passado, ver o que foi feito e deu certo e o que não deu. É disso que eles falam, da necessidade de se refletir sobre temas que aparentemente soam como ultrapassados, mas que são cada vez mais importantes.

5.12.09

DE BRAÇOS ABERTOS

Saí satisfeito da sala do cinema depois de assistir o filme “Abraços Partidos”. Ao contrário da maioria das críticas que li e ouvi sobre o filme, não o considero um filme menor do Almodóvar. Acho que a expectativa que antecede cada novo filme seu é justificável, mas é um erro esperar que eles ainda provoquem os mesmos sentimentos e emoções dos primeiros filmes. Não porque seus novos filmes são menores, mas porque o mundo mudou rapidamente desde o início de sua carreira de diretor de cinema. Pensamos diferente e acredito que Almodóvar também amadureceu como homem e profissional. Seus dois últimos filmes me fazem acreditar nisso. Vejo “Abraços partidos” como um filme feito por um diretor que sabe mais o que quer dizer do que antes. Menos experimental e melhor estruturado do começo ao fim. Talvez tenha perdido um pouco da eloqüência do começo, ou quem sabe a realidade absurda que somos obrigados a viver no dia a dia, tenha nos tornado imunes aos pequenos absurdos que fazem parte do conteúdo de seus filmes. Não sou um profissional que trata das doenças da alma para poder analisar o filme do ponto de vista psicológico, mas acho que o diretor cego que passa a se esconder sob um pseudônimo depois do acidente em que perde sua amada, é um dos exemplos de maturidade alcançada pelo diretor. Ele é obrigado a relembrar sua história, e no final desse processo traumático volta a admitir ser chamado pelo seu verdadeiro nome. Esse jogo de esconde-esconde, de fingir que se é outro homem sob um pseudônimo ou mesmo aparência, não o libera do passado, e muito menos consegue diminuir sua dor. O jogo não é permanente, e nem poderia ser, porque é preciso desvendar o que se escondeu, dura somente o tempo que ele precisa para recontar sua história a ele mesmo, e a nós, que nos propusemos a acompanhá-la. O filme tem um pouco de todas as características marcantes de seus outros filmes: drama, comédia, mulheres esquisitas e homens enigmáticos. Espero ansioso para ver o próximo, acho que ele está cada vez melhor.

2.12.09

CHATO


Gostaria de poder acreditar no Brasil que parte da mídia e da sociedade diz estar bem melhor do que antes. Me esforço para acreditar, mas não vejo sinais que confirmem o tão festejado desenvolvimento econômico traduzido em forma de bem estar. Há pequenas ilhas artificiais nas capitais, onde cenários foram construídos e dão a impressão de que algo mudou, mas eu não me interesso por elas, porque sei que por trás de suas fachadas há outros tipos de miseráveis. São aqueles que fazem de conta que não são. Que fingem morar em Miami ou sei lá onde e pagam um preço que nem eles mesmos conseguem calcular pela brincadeira de faz de conta. Tenho olhos e também consigo ver. Filhos bastardos somos todos nós. Um país dirigido por bandidos, não importa para que lado você olhar, o que vai ver é bandidagem, roubo, quadrilha, gente que se esbalda com o dinheiro público e sabe que não vai ser punido. Basta percorrer as cidades para a gente ver que o dinheiro não está chegando onde deveria chegar, e que o Estado não se faz presente onde deveria estar ou organizar e orientar.

Me enche o saco falar sobre isso, mas tem dias que não dá para reprimir o sentimento de frustração. Deixamos nos enganar por isenções de IPI e matéria elogiosas em revistas estrangeiras de economia, e esquecemos facilmente que faltam escolas, hospitais, transporte e segurança pública. Não consigo entender “bem estar social” apenas pela quantidade de bens de consumo que um cidadão pode adquirir. Acho importante que o maior número de pessoas tenha acesso a bens de qualquer tipo e variedade, mas o que adianta você poder comprar carros e geladeiras se a sua casa é um barraco e seus filhos não tem escola para estudar e se formar? Se o meio de transporte que leva seu filho ao trabalho é um lixo? Ou se precisar de algum tratamento hospitalar, ter que enfrentar os hospitais públicos em péssimas condições de atendimento e qualidade? Tenho a impressão que estamos fazendo uma péssima troca. Ou talvez, o desenvolvimento social tão esperado no Brasil ocorra de modo inverso do que aconteceu com outros países onde educação, saúde, segurança pública são prioridades, isto é, depois que o maior número de brasileiros tiver seu carro próprio, sua geladeira própria, sua televisão própria, ele descubra que precisa aprender a ler para entender as bulas dos remédios ou os manuais de instrução dos aparelhos domésticos que compra.