27.2.09

CAMINHOS DA INDIA

“Quem quer ser milionário” é melhor que o tal do Benjamin Button, mas não é um puuuta filme. É um bom filme. Com alguns péssimos diálogos que não caberiam na boca de um slumdog de verdade. Uma grande história, bem roteirizada, bem dirigida, com atores (não todos) convincentes, mas não um excelente filme para merecer oito oscars. Se bem que o Oscar não deve servir de referência para nenhum amante do cinema. Em alguns momentos o filme é constrangedor de tão bobão e cheio de clichês. Dá para falar de política, injustiça social ou miséria no cinema sem o formato placativo engajado? No caso da miséria, por exemplo, é necessário adicionar diálogos que reflitam a consciência do personagem? Estou ainda formando minha opinião, mas sei antecipadamente que é muito difícil falar sobre esses temas sem esbarrar nas teorias de causa e efeito recorrentes nas bocas dos pseudos sabidões. Peca na caracterização caricata dos personagens maldosos, que são muito maus. Prende a atenção porque no fundo você quer ver como ele vai ganhar o prêmio, mas outras coisas são previsíveis, como o final. Enquanto esperava os créditos do filme subirem, e via aquela dancinha cafona coletiva que fecha o filme, pensei nas semelhanças com o filme “Cidade de Deus” do Fernando Meirelles. Têm muitas, até a galinha está presente logo no início do filme, só não ziguezagueia loucamente. Mas há uma grande diferença, que é a qualidade dos diálogos do filme brasileiro, enxuto, sem discurso político na boca dos personagens, coerente e realista. Numa das cenas do “Quem quer ser milionário”, o garoto miserável, sem estudo, sem cultura, diz a um casal de turistas, “você não queria conhecer a verdadeira Índia? então, essa é a verdadeira Índia”. Essa frase não caberia na boca de nenhum garoto naquela situação. E o pior é a resposta do casal americano que indaga praticamente a mesma coisa ao moleque e mostra o dólar para corromper o policial. Não dá. É ridículo. E o Fernando Meirelles teve a sensibilidade de não terminar o filme dele com um monte de favelado dançando axé. Bem é isso e nada mais. Se você me perguntar se deve assistir, eu digo que sim, deve. Mas se é um puuuta filme, eu digo que não.

26.2.09

AMOR E LIXO

Ontem peguei o finalzinho do filme “A branca de neve e os três patetas” na tv paga. Não sei como ainda não tinha assistido. Quando criança eu adorava os três. Gostava de ver o Moe, o mais bravo dos três, praticando suas maldades. O Larry (cabelos iguais aos do Bozo) ainda provocava pequenas crueldades, mas o Curly sempre foi vítima. Só apanhava, não importava quem havia feito a bobagem, a culpa sempre recaía sobre ele. Liguei a tv bem na hora em que a rainha bruxa estava voando e cantarolando o prazer de ter matado a branca de neve. Pura diversão. Tempos em que ainda não havia a prática do politicamente correto no humor nem em nenhum outro lugar.

Do livro “Amor e lixo” de Ivan Klima: “existe pouca coisa que se aproxime tanto da morte quanto o amor realizado”. Então eu fecho o livro. Depois releio o parágrafo em que a frase se encontra. Fecho o livro de novo. Realmente quase tudo que é óbvio tem que ser dito para que possamos compreender o quanto é óbvio. E só se torna óbvio depois de escancarado. Eu não o conhecia antes de ler a entrevista feita pelo Philip Roth no livro “Entre nós”. Há alguns escritores que não só contam muito bem suas histórias, mas que tem a capacidade de revelar o que ainda está por vir. Klima é um desses escritores. Sobrevivente do holocausto, depois do regime comunista na antiga Tchecoslováquia, não perdeu a sensibilidade e nem a vontade de descrever a vida. Poderia ter “secado” depois de tudo que teve que passar. Sabe se utilizar da palavra para transformar o amargo em doce. Da mesma geração de Milan Kundera, sem querer comparar, mas já comparando, ele é muuuito melhor. Profundo, atual, contemporâneo.


Estão construindo um prédio ao lado do meu. Vou ter que explodi-lo. Não vai ter jeito. A crise econômica poderia ter chegado um pouco antes. A construtora certamente não teria conseguido o financiamento para levantá-lo, e não teríamos mais um desses prédios com fachada neoclássica brotando do asfalto. Terei como vizinhos famílias neoclássicas, que poderão me observar de seus terraços neoclássicos. Não sei de onde eles brotam, mas aumentam a cada dia. Por que bem aqui do meu lado? Não poderiam ter ido para a Vila Nova Conceição? O paraíso neo clássico? Um amigo me disse que isso só pode ser carma. Tenho que aprender a viver com as diferenças, cultivar o respeito pelo diverso. Vou começar comprando umas colunas de gesso neoclássicas para decorar minha varanda.

25.2.09

LAPIDANDO AS PALAVRAS

A quarta feira de cinzas rondou minha cabeça durante os quatro dias de carnaval. Hoje, já não faz a menor diferença se é quarta ou quinta, ou qualquer outro dia. Desde sexta passada retomei a revisão do meu novo romance e ao contrário da maioria das pessoas, não viajei, não festejei, não pulei sequer um pulinho de são longuinho. Dormi tarde e acordei cedo. Prefiro as manhãs para revisar. Mas percebi que tinha um peso, uma nuvem cinza rondando minha cabeça. Acho que revisar o texto redimensiona o autor. Enquanto você está criando uma história, há uma sensação de grandeza e de poder, ao contrário do que acontece quando você passa a revisá-lo. A história está pronta, os personagens estão todos lá e é preciso torná-los gente como a gente. Verificar se o que eles sentem é crível, retirar palavras da boca deles, movimentá-los dentro da realidade contemporânea porque muitas vezes enquanto você está escrevendo suas emoções estão exageradas e eles facilmente se tornam caricatos, ou barrocos demais e etc... Então a gente percebe os limites. O escritor português Lobo Antunes disse que escrever é muito difícil. Parece óbvio, mas o óbvio muitas vezes também precisa ser experimentado para se ter a dimensão de sua veracidade. É difícil se contar uma história. É difícil escrevê-la. E mais difícil ainda deixá-la enxuta para ser compreendida.

O vídeo é muito bem editado e serviu para o lançamento de seu livro. Mas de qualquer forma ele diz muito.

23.2.09

ESCONDERIJO

Enfeites natalinos que decoram as fachadas dos imóveis da cidade só perdem em cafonice para as fantasias carnavalescas e carros alegóricos dos desfiles de escola de samba. Tudo bem. Diga o que quiser. Que sou preconceituoso e sem graça. Continuo achando tudo muito feio e vagabundo. Demonstração popular um ova! É ruim mesmo. Mal feito, pobre visualmente, um lixo.

Prefiro me esconder no escurinho das salas de cinema. E não estou sozinho. Nos feriados as salas estavam lotadas. Ontem assisti “O casamento de Rachel”. Gostei, mas ele podia enrolar menos. Aproximadamente no meio do filme, já estava cheio dos exemplos abundantes sobre a família disfuncional da Rachel. Menos justificativas e mais objetividade, o filme seria perfeito. Um desajustado, não necessariamente precisa de tantos problemas familiares para não se enquadrar nela. Cada um reivindica a sua zona de conforto, e a vida continua. No momento a minha é o escurinho do cinema.

20.2.09

LEITE TIPO A

Nasci no início da década de sessenta. Cresci acreditando no que me diziam. Tanto fazia se na escola, em casa, ou nas histórias que meus amigos me contavam. Depois que comecei a ler jornal, acreditava também que os jornalistas fossem profissionais sérios, que narravam os fatos compromissados em nos contar a verdade. No meio da década de oitenta comecei a duvidar e não parei mais. Agora no fim da primeira década do século vinte e um, já não acredito em mais nada. Não há verdades que resistam a dois ou três dias. O que se fala hoje pode ser desmentido amanhã. O sentimento de descrença faz um mal danado a sociedade. Corrói e desumaniza. Cria um mundo apenas de opiniões relativas, originadas pelos interesses diversos de quem as emite.

Saí da sessão do filme “Milk” pensando sobre isso. Um montão de coisas passou pela minha cabeça. O Sean Penn é um fenômeno como ator. Um camaleão que a cada filme muda de cor, gestos, jeito de falar, e convence o espectador. No “Milk” seus movimentos são reduzidos, têm a medida certa, e tudo que ele diz e faz se tornam críveis. O filme me emociona não somente por seu trabalho artesanal de composição do personagem, mas sobretudo porque expõe o que deixamos de ser como indivíduos e sociedade organizada. Falo sobre ética, ideais, crença em movimentos sociais a partir dos sonhos dos indivíduos e suas diferenças. Enfim, estou cansado agora para me aprofundar, mas o filme é ótimo e o Sean Penn merece todos os prêmios possíveis por seu desempenho. Tenho a impressão de que Harvey Milk não sobreviveria o desprezo da atual sociedade. As muitas verdades relativas o matariam ainda no berçário.

Não gosto muito da palavra tolerância quando usada para traduzir convivência entre diversos. Tolerar é quase o mesmo que suportar. Se aprendo a reconhecer o outro como diferente, não preciso de tolerância nenhuma, reconheço e respeito.

Um senhorzinho de bermudas veio puxar conversa na porta do cinema. Perguntei se o vermelho dos seus lábios eram marcas de batom. Ele se assustou. Depois limpou a boca e disse que tinha acabado de comer um doce de morango. Não sei o que queria de mim. Desapareceu assim como surgiu na minha frente.

19.2.09

MÁQUINA MOEDORA DE SONHOS

Trabalho, trabalho e trabalho, e me pergunto aonde isso me levará? Tenho a sensação de que fui capturado pela máquina moedora de sonhos, e que o próximo passo será não mais me reconhecer por inteiro. Serei pedaços de mim mesmo, disforme, descaracterizado, um punhado daquilo que pensei que um dia seria. Então venha me dizeeeeer o que será, da minha vida... Bom que os feriados do carnaval estão batendo a porta. Não vou para lugar nenhum. Ficarei aqui, juntando partes, me recompondo.

Gostei do livro da Tatiana Salem Levy, o “A chave da porta” ganhador do prêmio São Paulo de Literatura de 2008. Gosto da forma que ela deu ao romance. Das várias histórias narradas sem ordem de chamada, ora a narradora fala de si, ora fala da mãe, da busca, do amor, do passado que interfere no presente e que serve como ponte para todo o romance. Tempos atrás assisti uma entrevista com ela e sua voz (doce) ficou guardada em minha memória. Muitas vezes enquanto lia o livro era sua voz quem me narrava a história. Percebi isso e não me incomodei. Não a conheço pessoalmente, mas sua voz se tornou familiar e ficou registrada. Acho que o livro tem muito dessa sua voz doce, porém certeira.

Os escritores Ivana Arruda Leite e Santiago Nazarian que também escrevem em seus próprios diários ops! blogs, escreveram igualmente sobre a entrevista que o Milton Hatoum deu para a Folha. Sou fã dos dois e gosto do que pensam a respeito do assunto. Não perca um minuto do seu tempo tentando avaliar se o que fazemos é corporativismo de classe ou qualquer outra coisa, é só a coragem de se dizer o que se pensa, mais nada.

16.2.09

TEM QUE EXPLICAR?

E se parássemos para refletir alguns minutos sobre o assunto, antes de respondermos ou opinarmos sobre qualquer coisa? Acho que tudo poderia ficar mais claro. Que tal começar por não generalizar? No final de semana li a entrevista do Milton Hatoum na Folha e na hora pensei que sua opinião sobre os escritores que têm blogs daria no que está dando. Não é novidade para ninguém que nem todo mundo que escreve em blogs propaga “boa literatura”. Inúmeros blogs tem realmente o caráter de um diário, como ele afirmou, e certamente muitos blogueiros não teriam fôlego e qualidade para escrever um romance. Mas uma coisa não elimina a outra. Você pode ser um excelente escritor e paralelamente administrar um blog, cujo conteúdo não tem nada a ver com literatura, mas com relatos, opiniões, reflexões cotidianas, divulgação do seu trabalho e etc. Acredito que todo escritor quer ter seu livro editado em papel, na forma tradicional e não apenas ver seus textos refletidos via internet. Mas o blog é um meio de propagar o que você pensa e também a sua obra, de trocar idéias e de se aproximar e interagir com o leitor. Um espaço para dizer a quem se interessar, um pouquinho sobre quem você é. Qual escritor tem a coragem de negar que o mercado editorial é regido por outros parâmetros que não apenas os de qualidade? Quantos bons escritores deixam de ser conhecidos e lidos porque foram editados por editoras (isso quando são editados) que não têm poder econômico para divulgar e distribuir seus livros, de acordo com as regras injustas do mercado? E quantos outros inúmeros livros que nada tem a ver com literatura estão expostos nas gôndolas das livrarias anunciados como tal? Os blogs servem apenas como mais um meio de se expressar. Como um jornal ou revista. Alguns têm bom conteúdo, outros não são tão bons, outros se parecem com uma revista, outros não contribuem para nada e são uns lixos. A maioria serve como página de auto-exposição, fala-se muito sobre si mesmo e aquele que escreve acaba se dando mais importância do que realmente tem. Mas isso não tem nada a ver com escrever em blogs, e sim com a visão de vida daquele que escreve. Exatamente como os escritores, existem aqueles que priorizam a divulgação de sua obra, outros que ao contrário são enormes papagaios coloridos e gritam o tempo todo para chamar a atenção. Cabe a nós selecionar o que queremos ler e se gostamos de um autor ou não. Se aquilo é um diário e te enche o saco, então não entre para ler. E ainda muito pior é generalizar. Porque se compro um livro e ele é ruim, não posso dizer que todos os escritores escrevem mal. Assim como acontece com os livros, alguns nos falam particularmente ao coração, outros são elogiados e premiados e não nos dizem absolutamente nada. No post abaixo mencionei o Marcelino Freire, pois bem, quantos novos escritores não teriam nem tido a chance de serem “novos”, não fosse a divulgação que ele gentilmente faz sempre que considera que um autor vale a pena? O blog além de tudo isso que eu já falei, tem o poder de alargar as vias já muito estreitas da vida do escritor. Somos nós quem decidimos se o texto tem qualidade ou não.

14.2.09

HOMO ERECTUS

O Marcelino Freire todo mundo conhece. Quem não conhece não sabe o que está perdendo. Então, aí vai um aperitivo. No ano passado, fizemos a leitura de nossos contos num sarau na Casa das Rosas. Lá eu tive a oportunidade de dizer a ele que considero seu livro de contos “Balé Ralé” um dos melhores que ele já escreveu, senão o melhor. Adoro todos os contos que estão lá dentro. Olhe só o que fizeram com um deles. Uma animação, de pouco mais de 2 minutos, feita por Rodrigo Burdman e narrada por Paulo Cesar Peréio.

12.2.09

CRÍVEL E INCRÍVEL

Ganhei de presente impresso numa única folha um dos contos dos irmãos Grimm. O título traduzido em português é “A jovem sem mãos”. Conheço alguns contos deles, mas este em especial me impressionou muito. A idéia da pessoa que me presenteou era me fazer refletir a respeito da história para depois conversarmos. O grau de crueldade deste conto é perturbador, e lógico, como em todos os seus contos, esse também tem moral da história. Abandono, sangue, amor, traição, destino, redenção, tudo isso bem conciso, frente e verso numa única página. Passei o conto para uma amiga que por sua vez leu para sua filha de quase dez anos. A reação dela foi muito parecida com a minha: medo, choro e perguntas. Comovente como uma história contada com uma narrativa simples tem o poder de atingir qualquer pessoa indiferente de idade. Já estou refletindo.

Assisti agora a noite o filme “O leitor”. Saí do filme pensando sobre os “truques” usados pelos roteiristas para costurar as histórias. Quando assistia o “Foi apenas um sonho”, na hora em que os dois casais estão no bar/club dançando e ouvindo jazz, achei pouco crível quando os casais se separaram porque o filho de um dos pares está doente e a mulher de um é acompanhada pelo marido da outra e não de seu próprio marido até a sua casa. Tudo bem que é preciso um gancho para se consumar a traição, mas não desse jeito. Por que o marido da outra, se o próprio estava presente? Ele poderia tê-la acompanhado, não havia nada que o impedisse. Agora no “O leitor” também logo no início a situação toda me parece pouco provável. Principalmente se considerarmos que a história se passa no fim da década de cinqüenta. Que o rapaz venha agradecer a ajuda recebida eu consigo aceitar, mas daí a descomplicada consumação do ato da maneira como ele acontece, eu acho pouco crível. Não li o livro, mas aposto que o autor descreveu melhor essa passagem. Tirando essa partezinha e as duas mulheres que não paravam de comentar o filme duas filas atrás da minha, valeu a pena. Kate Winslet, quem diria, cada vez melhor. Pontinho negativo: nas entrelinhas pode-se “ouvir” o moralismo americano. Um exemplo: quando num determinado trecho do filme ele diz que ela lhe fez mal. Como assim? Que mal? Ela lhe ensinou a amar, o sofrimento viria de qualquer jeito, teria sido inevitável, independente de qualquer circunstância. Por que? Pelo fato dela ser mais velha? Que bobagem!

11.2.09

A PINO

Manhãs quentes. Tardes tórridas. Noites de insônia. Mexo e remexo na cama e o sono não vem. Quando vem, trás sonhos em prestações. Começa um, eu acordo, me viro, um outro que parece continuação daquele que eu interrompi recomeça e eles se misturam. Acordo de novo, me levanto, vou até a cozinha. A geladeira está trabalhando, mas faz um barulho esquisito. A luz no interior dela funciona, mas ela não está gelando. Que saco! Fazer o que? Salvar o que dá para salvar, esperar o dia amanhecer e ligar para o técnico. Antes de voltar a dormir, rezar para que seja apenas um probleminha. Não estou a fim de comprar uma nova. Além disso, não posso. Tenho outras prioridades, como por exemplo ampliar minha estante, porque os livros começam a ficar empilhados nos cantos e mesas da casa. O técnico vem. O nome dele: Kiss. Imaginei um cara mascarado, com cabelos compridos e língua de fora, mas o Kiss que veio é do tipo certinho, cabelo curtinho, barba bem aparada, silencioso. Cinco minutos de suspense, então o Kiss troca uma pecinha e tudo começa a funcionar novamente. Alívio. O Kiss merecia muitos kisses, mas está muito quente para este tipo de demonstração de gratidão.

Nas pausas desses dias ardentes estou terminando de ler os contos da K. Mansfield. Gosto dessas mulheres contistas. Inglesinhas moderninhas da primeira metade do século passado. Evidente que em alguns contos a gente tem que retornar àquela época para poder absorver e história, mas agora com a geladeira funcionando de novo, farei alguns drinques super gelados para me acompanhar.

Antes das pausas. Trabalho. Muito trabalho chato, mas que não posso deixar de fazer porque senão morro de fome. O preço da autonomia. Não querer depender de ninguém, não ser empregado de ninguém e dispor do tempo como bem me convém. Dias em que não posso me dedicar a literatura porque tenho que garantir o leite dessa criança gulosa e cheia de obrigações que sou. Penso bastante sobre isso, mas não vejo alternativas realistas. Posso sonhar de olhos abertos. Não custa nada e faz o dia parecer um pouco mais leve.

7.2.09

ESTRADA DA VIDA

“Foi apenas um sonho” é o nome que deram no Brasil ao novo filme do Sam Mendes, o mesmo diretor de “Beleza Americana”. O título original é “Revolutionary Road”, o nome da rua onde o casal protagonista do filme mora. Raramente se acerta nos nomes, mas esse título é bom e representa bem o que é o filme. A história é baseada no romance do escritor Richard Yates, e conta a história de um casal recém chegado a uma cidadezinha do interior americano e sua insatisfação diante do cotidiano que compartilha. O filme é muito bem dirigido e roteirizado. Uma grande e dolorosa porrada no estômago. Porque a insatisfação dos dois, no fundo, é a mesma que do resto da humanidade. E pouca gente sabe lidar com o vazio que ela provoca. Frustração diante dos acontecimentos que vão nos esmagando no dia a dia e na luta pela sobrevivência e manutenção dos supostos valores conquistados. Quem não sentiu os sonhos se distanciarem cada vez mais a medida que a vida avança? Mais do que isso, quem nunca esteve perto de fazer mudanças e não as fez porque não quis arriscar o que parecia certo? A esse contexto adiciona-se o desejo de ser admirado e amado. E por isso muitas vezes se escolhe o caminho mais fácil. Mas a opção feita alcança exatamente o contrário do pretendido, o desprezo do parceiro/a, que vê na escolha um ato de covardia. Tocante o trabalho da Kate Winslet, madura e convincente. O Leonardo DiCaprio está bem, mas eu acho que um outro ator, com um rosto menos infantil, teria dado mais representatividade ao papel. Assisti ao filme na sala oito do cine Unibanco do Shopping Bourbon. Sala ótima, com ar condicionado e pouca gente na sessão das 18:30. Como é bom ver um filme bem feito, que nos faz refletir ainda por um bom tempo depois que as luzes da sala se acendem. Bom filme, boa música, boa fotografia, bom roteiro, vale a pena conferir.

5.2.09

A INTRUSA

Eu não sei explicar o que ocorre comigo quase todos os dias no finalzinho da tarde. O crepúsculo visto da janela do meu apartamento passa quase despercebido de tão rápido que ele vem e vai, mas ele me visita e faz questão de me deixar perceber que me visitou. Eu sei. Porque sinto. Quase que com hora marcada. Trás consigo uma brisa de melancolia que entra pelas minhas narinas e circula invasiva pelos meus pulmões e correntes sanguíneas com a maior cara de pau. Só para marcar presença. Como se com isso quisesse me chamar atenção para a sua existência. As vezes eu digo a mim mesmo: “tudo bem, deixe estar, ele também tem seus direitos”, mas em outros dias eu gostaria que ele tivesse mais respeito comigo. Me perguntasse se eu gostaria de receber a visita dessa sua querida amiga e velha companheira. “Não” eu diria, “não quero que ela interfira em meus pensamentos sem ser convidada”. Preferiria que em alguns fins de tarde, ele viesse desacompanhado. Só para um drinque rápido, e seguisse o seu inevitável caminho.

4.2.09

AI QUE NOJO!

Não tem nada mais antigo e fora de lugar do que trote de calouro. Estava parado no cruzamento da avenida Higienópolis com Sabará quando fui abordado por alguns calouros melados de tinta/ovos/farinha me pedindo prenda ou “qualquer coisa”, ou “uma moedinha” ou ou ou . Lembrei que quando entrei na faculdade, eu consegui escapar. Não sei como, mas não sofri essa tortura imbecil. Que coisa mais chata e sem graça. Até tem uns calourinhos bonitinhos que se bobear dá para levar para casa como prenda, mas com aquele cheiro e sujeira, prefiro nem abrir o vidro do carro. Acho que trote de calouro dá para servir de parâmetro para medir nível cultural de um país. Não sei de nenhum outro que comemora o ingresso na universidade com essa delicadeza. Enfim, acho uma bobagem.

Antes de ontem assisti a um programa na tv aberta que nos revelava como os animais que servem de comida para a gente são tratados antes de virarem os produtos expostos nas prateleiras dos supermercados. Não agüentei ver. Aflição, pena, revolta, nojo e por fim ânsia foi o que o programa me causou. Sou carnívoro. Então hoje fui almoçar com um amigo num restaurante vegetariano. Foi bom, comidinha leve e gostosa, verdinha, arroz integral, feijão bem temperadinho, soja. Sei que em alguns dias vou ter vontade de comer carne bovina de novo. E frango. E ovos. E alguns torresminhos. Não adianta. Mas o programa conseguiu me fazer pensar a respeito dos métodos (?). Continuo pensando. Porém, quando a fome apertar e se juntar com a vontade, e a vontade se juntar com minha gulodice, vai ser difícil eu não comer os bichinhos.

3.2.09

O FILÓSOFO

Ontem assisti a reprise da entrevista que foi ao ar em outubro do ano passado no programa Roda Viva com o filósofo e psicanalista Zïzëk. De origem eslava ele fala inglês com o sotaque carregado e como se tivesse aprendido a falar em pizzicato. Tem um pensamento ágil e inteligente, mas muitos tiques gestuais. Isso me despertou ainda mais a curiosidade. O tipo é simpático mas transmite uma aflição incalculável. Dispara a falar sem ponto e vírgula num pula pula acentuado de sua voz, mas por outro lado, ele discorre habilmente sobre suas idéias e nos prende a atenção. Mudei de canal algumas vezes porque fiquei aflito com suas quarenta mil passadas de mão no cabelo e no nariz, mas voltava porque queria ouvi-lo falar. Acho que vou comprar um de seus livros, assim não preciso vê-lo nem ouvi-lo. Esta é a vantagem do livro. A gente lê ouvindo a nossa própria voz e não a do autor.