30.6.11

JA VIROU PASSADO

Ficou para trás o ano letivo. Validei o Máster 1 na terça feira e isto foi o bastante para eu dizer a mim mesmo que não quero mais do que isso. Não vou fazer o segundo ano. Não me interessa me transformar em técnico de literatura, quero escrever e estava enlouquecendo por estar quase um ano engessado pela falta de tempo e obrigação de estudar. Foi bom? Oui, foi muito bom. Aprendi muito com alguns dos professores da Sorbonne, com outros me decepcionei, mas novamente aprendi muito mais sobre mim mesmo e meus limites do que qualquer outra coisa. Bastou acabar o curso para voltar a meus textos. Voltei a trabalhar num novo livro de contos que está pela metade e no romance que comecei a escrever aqui em Paris. É isso o que quero, o resto estava invadindo tudo. Ler e escrever. Contar minhas histórias e não analisar a literatura do ponto de vista disso ou daquilo, mas, capítulo encerrado. Estudar depois de ter saído da universidade há mais de vinte e cinco anos, freqüentar aulas ministradas em outra língua, escrever a monografia em outro idioma, sobre um tema difícil (novas tecnologias e o papel do escritor), imagine o quanto isso me estressou. Chega. Deu para voltar mais inteligente na próxima encadernação.

Ontem comprei o último livro da Siri Hustvedt que saiu por aqui. O título traduzido do francês para o português seria “Um verão sem homens” Como gosto do jeito que essa mulher escreve! Eu mergulho rapidinho nas suas histórias, Hustvedt é sempre delicada nas descrições e de uma sensibilidade que me toca profundamente. Dessa vez ela conta a história de Mia, uma poeta que cai em depressão e enlouquece quando o marido diz que eles precisam de uma pausa no casamento. Ele, um cientista que está tendo um romance com uma colega de trabalho vinte anos mais jovem. Ela faz a gente visitar a memória de seus personagens, compreender seus universos particulares, memórias de amores, de infâncias, o passado e o presente se misturam numa narrativa rica e emocionante. Um belíssimo livro novamente, mesmo que menos denso que “O que eu amava”, para mim seu melhor romance. Bom, fica aí uma dica de leitura para as férias de inverno (no Brasil, porque aqui quase torrei com o calor nos últimos três dias).

Numa cidade como Paris, onde o espaço público é usufruído na sua totalidade pelo cidadão o uso do celular pode se revelar uma das coisas mais invasivas e irritantes. É quase insuportável (digo quase porque ainda não peguei e joguei no chão o celular de ninguém, ainda, porque vontade não me falta). Você é incomodado com a conversa alheia no metrô, na rua, nas lojas, nos restaurantes, nos cinemas e também quando está caminhando. O que está acontecendo com as pessoas? Por que elas estão falando tão alto e contando suas vidas particulares publicamente? Agora com os foninhos de ouvido, a coisa piorou, as pessoas gesticulam, gritam e gargalham enquanto caminham parecendo um bando de gente louca. Você vai me perguntar, o que você tem a ver com isso, ignore. Não dá para ignorar quando você está almoçando e na mesa ao lado o casal, cada um com o seu celular, está falando ao mesmo tempo num tom de voz nada particular e contando suas histórias intimas entre um sushi e um sashimi. Pois é. Já contei de uma cena que presenciei no metrô, onde um dos passageiros começou a aplaudir o débil mental que falava ao celular e pediu para que todos aplaudissem. Hoje no restaurante japonês onde eu almoçava, um senhor levantou de sua mesa e reclamou com o casal de mesa ao lado. E não é que o casal se sentiu ofendido. Estupefatos eles olharam para mim como se dissessem “você viu que ele pediu para a gente desligar os nossos celulares?”, eu não titubeei, apoiei o senhor que reclamou, disse simplesmente que ele tinha razão. Pensei que eles fossem me matar, mas funcionou. Eles desligaram os celulares e o restaurante deixou de ser uma feira e voltou a ser um restaurante. Foi tão bom, uma sensação de paz inenarrável, depois da bronca só dava para ouvir os hashis se tocando. O casal exibicionista comeu e saiu olhando feio para todo mundo. Ora, não sou nem a Glorinha Kalil nem a Danuza Leão para ficar dizendo o que é chique e o que não é, mas tenha a santa paciência, falar alto já é de quinta, no celular então é o quinto dos infernos!

26.6.11

NÃO COSTUMA FALHAR

Ontem uma amiga me ligou tarde da noite. Me preparava para dormir e assistia a um documentário sobre Romeu e Julieta e Shakespeare quando o telefone tocou. Quis saber de mim, como estava e etc. percebi em sua voz que algo não estava bem. Falamos sobre isso e aquilo e quando a conversa foi ficando escassa ela me perguntou assim de sopetão se eu via algum sentido na vida. Não. Sinceramente quando paro para refletir não vejo o menor sentido na vida. Principalmente quando leio histórias trágicas ou reflito sobre o destino de algumas pessoas que já nascem condenadas de alguma forma. O sentido é a gente que dá, de diversas maneiras, despistando a ausência de respostas de alguma forma, mentindo para si mesmo, acreditando que vai deixar um legado para a posteridade, criando filhos e acreditando que está fazendo algo por eles, outros, como eu, escrevem livros e contam histórias para não enlouquecer, sei lá, mas sentido na vida eu não vejo. E o pior e mais difícil: a gente é quem tem que fazer alguma coisa, criar uma pele grossa para não deixar o quotidiano te ferir o tempo inteiro, senão a coisa te atravessa e você passa o dia sentado no banco da praça apodrecendo. Tem que fazer alguma coisa. Foi o que disse a ela, você tem que fazer alguma coisa, peloamordedeus, para de pensar e faça alguma coisa, não importa o que, atropele seus pensamentos fazendo limpeza, cozinhando, correndo, pintando, qualquer coisa, mas pare de tentar encontrar o sentido da vida. Devo ter sido tão enérgico que ela logo quis desligar. A pergunta me incomoda e me amedronta, por isso devo ter desembestado a falar. Eu mesmo tenho que cuidar das camadas de peles que fui adquirindo com o tempo para me proteger da ausência de respostas. Poderia ainda ter dito a ela que o pior é quando você compreende que ninguém consegue exercer esse papel de tutor da gente exceto nós mesmos, se você acreditar que alguém vai te pegar pela mão e te levar para o parque de diversões, vai se dar mal, pode até encontrar alguém que te leve, mas a graça nas coisas é você que vai ter que encontrar dentro de você mesmo. Depois que desliguei ainda consegui terminar de ver o documentário sobre Shakespeare e Romeu e Julieta. Temos que subverter a realidade, senão não suportaríamos viver, disse um dos diretores de teatro que falava sobre a peça. Do meu ponto de vista só a arte tem esse poder, o de te levar para um outro lugar, um lugar onde você é tocado e induzido a acreditar que algo faz sentido mesmo sabendo que a realidade é bem diferente. Shakespeare consegue nos tocar porque “Romeu e Julieta” mexe com essas ambigüidades, mesmo sabendo que tudo acaba, tudo é finito, tudo tem um tempo, ele fala do desejo da paixão eterna, do amor sem reservas que está acima do mal e do bem, da entrega sem limites, tudo que nós mortais queremos acreditar para fugir da ausência de sentido e da morte. Romeu era um playboyzinho quando conheceu Julieta, namorava outras garotas e sofria pela rejeição de Rosaline que não estava nem aí para ele. Aliás ele só conheceu Julieta porque foi a festa dos Capuleto achando que ia encontrar Rosaline. Bom aí o destino pregou uma de suas peças e provocou o encontro dos dois que se apaixonaram e deu no que deu. Hoje pouco antes da hora do almoço essa amiga me ligou novamente. Disse que estava um pouco melhor. Bom. Eu disse a ela para acreditar mais na providência divina. Ela riu. Você está louco? Não. Não estou. Melhor do que tentar encontrar um sentido para a vida é acreditar que a qualquer momento os ventos podem mudar de direção, é mais natural, menos racional, menos matemático, você só tem que acreditar, nada mais. Lógico que mesmo acreditando podem ocorrer algumas falhas no meio do caminho, basta lembrar do plano da Julieta e ver que o mesmo destino que os uniu também os separou. Bonne chance.

23.6.11

CAFÉ COMETA



No Café da esquina. Sentei-me onde costumávamos sentar. Como de costume Momo atendia as mesas do lado de fora. Não me reconheceu. Ou fez de conta que não me conhecia. Disse bonjour. Assim. Bonjouour! Alongado e exclamativo. Como só vocês parisienses sabem dizer. Eu respondi meu bonjour de sempre, o bonjour neutro, transparente, sem pontuação. Momo passou por mim algumas vezes. Acho que tentava adivinhar se você viria. Como de costume. Como costumávamos fazer. Quando sentávamos a espera um do outro no café da esquina. Momo me olhou de relance. Várias vezes ele me olhou. Procurava pelo outro. De relance. Eu também olhei para ele. De relance. Momo procurava por você. No olhar dele. Eu vi você. Nos olhos interrogativos de Momo. Você passou. Rapidamente. Como um cometa. Nem tive tempo de fazer meu pedido. Un café expresso s’il vous plait. Quando comecei a dizer a frase Momo desapareceu. Você desapareceu. Por algum tempo ainda. Continuei. Sentado. Esperando. Momo voltar. Com você. Na bandeja. Com um petit chocolat amer acompanhando as duas pedras de açúcar ao lado do pires. C’est pour moi? Eu teria perguntado fazendo de conta que havia sido surpreendido. Como costumava fazer. Quando você me dava o chocolate amargo do seu café. Tiens c’est pour toi. Para mim? Oui, para você.

Esperei. Sentado. Momo voltar. Para fazer o meu pedido. Um café. Expresso. No Café da esquina. Onde costumávamos sentar. Como um cometa. Momo desapareceu levando você. No olhar. Na bandeja. Com uma porção de pequenos chocolates amargos e pedrinhas de açúcar.

PAROLES

Ontem enquanto caminhava de volta para casa, tive uma espécie de clarão dentro da minha cabeça. Como se os pensamentos tivessem sido iluminados e encontrassem seus lugares e se ordenassem dando um sentido ao que até então era desordem e confusão. As vezes demoro muito para compreender algumas situações em que me envolvo, outras resolvo rapidinho. O que não consigo é me desvencilhar dos pensamentos antes de ao menos tentar entendê-los, e quando envolve sentimento, ah, fica muito mais difícil. Gostaria ter uma fórmula tipo wash and go, como algumas pessoas que conheço são capazes de fazer. Não consigo ver causa e efeito em todos os comportamentos humanos. Cada um tem seu próprio jeito de funcionar.

Esqueci de comentar sobre um outro filme que vi esses dias. Um iraniano chamado “Uma separação”. Sei que muita gente tem alergia a filmes iranianos, mas esse é diferente dos outros, menos político e mais ligado ao universo particular das pessoas. É bem feito, roteiro, direção e atores em perfeita sintonia. Inicialmente conta a história de um casal que está em processo de separação, mas isso é só a superfície. O casal tem uma filha e o avô com Alzheimer também mora com eles (deu para sentir o clima?) Pesado. Denso. E fechado. Com discussões do tipo beco sem saída, como algumas que já vivemos e também não encontramos respostas. O grande mérito do filme é tratar de temas ligados a sociedade iraniana e contemporânea dentro do contexto da discussão particular do casal. Gostei bastante, mesmo quando em alguns momentos durante a sessão eu tenha me sentido um pouco aborrecido com a história. Porque de alguma maneira ela me incomodou. A pequeneza humana fica exposta em muitos diálogos e é constrangedora. A inteligência emocional nem sempre dialoga com a razão como acontece com o casal do filme. De qualquer maneira vale assistir.

Dicas para todos os signos:
Aproveite o feriado e os dias invernais para ouvir Mahler, qualquer coisa dele pode te salvar do marasmo existencial. Conselho: procure uma gravação antiga por exemplo de A cançao da Terra (Das lied von der Erde), com Otto Klemperer regendo a New Philarmonia Orchestra, Christa Ludwig et Fritz Wunderlich. Deixe a música penetrar seus ouvidos e esqueça das pequenezas da vida.

20.6.11

FILMES

No fim de semana fui assistir dois filmes. O último de Wood Allen, “Meia noite em Paris” e um outro filme americano chamado “Beginners” do diretor Mike Mills. Nos dois o tema é o amor, mas com abordagens diferentes. Wood Allen nem sempre agrada, mas sempre faz bons filmes, você não sai do cinema achando que assistiu um filme mal feito. Nesse último gosto da história, o roteiro é bem feito e ele fala de coisas que me interessam, como a questão que aborda sobre a relação que a maioria das pessoas lida com o presente e o passado. Quantas vezes não encontramos com pessoas mais velhas (não é a regra, tem gente de trinta anos que é assim também) ouvimos comentários do tipo, ah se você gosta de tal lugar é porque você não viu como era há trinta anos, nem se compara, era muito mais chique, era muito mais isso ou aquilo. Enfim, pode até ser, mas na verdade viver o presente e avaliá-lo é que é difícil. Raramente alguém consegue ter a noção exata da época em que está vivendo. Wood Allen misturou o tema com o romantismo de um escritor americano obcecado com os anos pré e pós primeira guerra quando Paris concentrava escritores e artistas que hoje são consagrados, que chega na cidade em meio aos preparativos de seu casamento. Enfim, uma boa história, que Allen conta com leveza e graça, serve para distrair a mente, exatamente o que eu precisava depois de semanas dentro desse studio estudando e escrevendo.

O outro filme, também cabe na categoria sessão da tarde, mas é mais pretensioso do ponto de vista da estética e do tratamento do roteiro. Feito para outro público, do tipo existencialismo de shopping center, conta a história de um designer gráfico que depois de perder o pai (que se assumiu gay depois dos 75 anos, Christopher Plummer) conhece uma moça e começa um relacionamento. Viu algo de interessante nessa história? Mas vale como passa tempo. Os atores são simpáticos e você pode enumerar os clichês (homossexual alegre e com visão de vida positiva, mãe judia, filho que aceita naturalmente a homossexualidade do pai e as esquisitices da mãe) enfim, vá ver, compre um saco de pipocas e divirta-se.

17.6.11

O JEITINHO FRANCÊS

Ontem terminei minha monografia. Enfim. Foi um trabalho difícil, nao me deu nenhumn prazer, absolutamente nenhum, pelo contrário, tive que buscar a vontade sei lá onde, mas terminei, agora tenho apenas que organizar indices, tabelas e imprimi-la para entregar ao meu simpático orientador. Nao. Nao faria novamente, e nem farei outra. Foi o bastante como experiência para essa vida inteira, na próxima encadernacao, de acordo com a teoria do mérito, eu já venho pronto, sem precisar fazer essas pesquisas e depois analisá-las.

Ontem a noite depois de por o ponto final na monografia, fui a um concerto. No programa Purcell, Purcell, Purcell. Estava com dor nas costas (ainda estou de ficar horas na frente do computador), cansado e meio emburrado. Fechei os olhos e dormi. Só acordei com os aplausos. Purcell é isso, bonitinho mas dá sono. Richard Strauss nao teria conseguido me embalar o sono. Mas tem que haver diferencas. Prefiro uma Salomé enlouquecida a um anjinho bobo.

Escrevo de uma Starbuck, precisei entrar para passar um mail. Nao suporto esse café, mas eles tem o servico de conexao, entao... Mas o servico de conexao uma hora travou. Fui falar com o responsável, o diálogo com o francesinho foi assim:

O servico estÁ com problemas

Non monsieur, o problema é que ele é pago. (simpático nao?)

Pois é esse o problema, é que eu paguei e voces nao estao honrando o compromisso.

Ah bon!

Sim, ah bon, agora faca o favor de me conectar ou me de o que paguei de volta.

Bom, as vezes o jeitinho frances de responder me cansa, e as simpatias deles merecem respostas a altura. Foi só isso. Agora pouco ele passou por mim e gentilmente perguntou se o servico estava funcionando. Sim. Agora sim. Merci, vous êtes très sympat.

14.6.11

POUQUINHO

Longo tempo sem postar. Voltarei com mais freqüência depois de entregar minha monografia. Estou no fim e está sendo muito difícil lidar com o tempo. Acredito que até o final da semana que vem conseguirei entregá-la e assim me livrar desse imenso trabalho de pesquisa e dissertação. Disse me livrar porque ela está impregnada e contamina todos os meus passos e pensamentos, dedico meu tempo integralmente para a conclusão deste trabalho. É cansativo, e por vezes muito chato. Não é literatura. Não tem prazer. Nem sou vaidoso por saber mais um pouco sobre como as novas tecnologias interferem na produção literária dos escritores. Você já leu alguma obra feita por um desse escritores que fazem experiências com os vocabulários e signos das novas tecnologias? Não está perdendo nada. É estéril, um amontoado de palavras que não conseguem nos tocar. Imagine ter que ler isso e analisar. Aliás. Analisar é cansativo, tudo seria mais fácil se ficasse apenas na superfície. Gosto. Não gosto. E pronto. Parte para outra. Analisar implica em trazer a luz algo que a primeira vista não tem valor.

No domingo fui ver The Tree of Life, o filme americano que ganhou o prêmio de Cannes deste ano. Não sei. Difícil de analisar, é um desses filmes que você gosta da estética, mas que tem lugares comuns em excesso. É bem feito e deve ser visto, mas... tem algo nele que me incomoda, não sei se já me cansei do tema pai/filho, se o Brad Pitt e o Sean Penn me enchem o saco com suas caras e bocas, tem algo de hipnótico/auto-ajuda não sei, não sei, tem uma mãe que é só emoção contida, mas tem verdades embutidas nas cenas silenciosas.