30.10.11

DIFERENTES PORÉM IGUAIS

Por ter morado muito tempo e mais de uma vez fora do país, muitas vezes sou indagado sobre o que diferencia nós brasileiros de outros povos e culturas, e o que nos une. Antes me surpreendia com a imagem que nós (ou a maioria dos brasileiros que conheço) temos de nós mesmos. No decorrer da conversa tentava argumentar que individualmente existem muito mais semelhanças do que diferenças, mas com o tempo desisti. Porque detesto alimentar qualquer tipo de regionalismo e ufanismo, e também porque acho esse assunto muito chato, acaba sempre em “mas você não vai negar que nossas praias são as mais bonitas” e porque percebi que na maioria das vezes as pessoas não estão verdadeiramente interessadas no que você tem para dizer, mas querem vomitar suas idéias prontas. Não importa de qual classe social ele vem, se a, b, c, d ou e (nunca na história desse país tivemos tantas subcategorias de classes sociais), o que ele quer ouvir de mim é a confirmação de suas próprias idéias fixas sobre a imagem que ele faz de si mesmo e a que faz dos outros povos. Todos adoram repetir o mesmo rosário: nós brasileiros somos antes de tudo um povo simpático, solidário e gentil, um povo que apesar da pobreza, falta de educação e dificuldades, continua sorrindo e distribuindo gentilezas gratuitamente, capaz de demonstrar solidariedade apesar da escassez de recursos tanto intelectual como material. Por outro lado para essas pessoas quase todo europeu é rico, frio, calculista, mal humorado, pouco sorridente e nada solidário. Para mim uma das características marcantes do povo brasileiro é a vontade de acreditar. O problema está na ausência de capacidade crítica diante daquilo em que quer acreditar. Não importa no que ou em quem, queremos acreditar e opinar, antes de tudo queremos fazer valer a nossa opinião, ficar do lado daqueles que acreditamos bons ou de verdades divulgadas e assimiladas sem nenhuma reflexão. Outra característica marcante é a hipocrisia, olhamos para o outro sempre com um olhar de que não fazemos parte daquele todo, os outros são sempre responsáveis pelas nossas mazelas, se não fossem os outros tudo seria diferente. Gostamos de acreditar que somos diferentes, seres humanos mais “humanos”, mais “gente”, abençoados com a ausência dos lados indesejáveis que tanto não admiramos nos outros. Sugiro uma leitura rápida em qualquer lista de comentários de leitores de qualquer blog ou site, lá onde nos escondemos por detrás de nossos apelidos e carinhas. Assusta-me a quantidade de pessoas que pensam poder afirmar suas verdades como se as mesmas estivessem acima de qualquer dúvida, afirmações muitas vezes calcadas de sentimentos de raiva e deboche e de schadenfreude (satisfação pela desgraça alheia). Assusta-me tanto o intelectual prepotente por se pensar superior àquele com menos conhecimento do que ele, como o ignorante que não reconhece nos outros mais sabedoria e que ele poderia aprender alguma coisa com quem sabe. Minha experiência pessoal é a seguinte: no coletivo todo ser humano é muito parecido, seja ele de onde for, massa é massa, é bruta, irracional e ameaçadora. Posto sob a lupa e visto individualmente, as diferenças culturais sobressaem, gentilezas e demonstrações de solidariedades e calor humano ficam mais ou menos expostas dependendo do grau de proximidade entre as pessoas, e o homem seja ele de qualquer cor pode ser a semelhança do divino. A julgar pelos comentários que tenho lido em muitos sites de jornais e de blogues de outros amigos que se atrevem a dizer o que pensam, nós brasileiros no quesito hipocrisia e prepotência conseguimos superar muitos outros povos, só não sei se por ausência de autocrítica ou por excesso de esperteza.

27.10.11

EGONEWS

A Patrícia Corrêa do site Folha de Letras fez uma entrevista comigo há poucos dias Clique aqui para acessá-la diretamente, e se tiver tempo dê uma passeada pelo site mineiro, tem outras entrevistas interessantes e boas dicas de leitura. Boa Leitura!

18.10.11

LIXO E LIXO

Fui até a Sala São Paulo retirar ingressos que havia comprado para um concerto em novembro. Fui a pé daqui de casa (Sta Cecília/Higienópolis). Quando cheguei na Alameda Cleveland tive que interromper minha respiração por causa do fedor insuportável. Pensei que fosse morrer de nojo e de raiva. No encontro da Cleveland com a Helvetia centenas de seres humanos quase bichos se aglomeravam em torno do crack e sei lá mais do que em meio ao lixo. Nojo, revolta, pena daquele povo, raiva, e vontade de fazer uma fogueira com todos os políticos e autoridades que sugam esse país são alguns dos sentimentos que tive. Não me venham dizer que é complicado lidar com eles, que não se pode fazer isso ou aquilo e que eles se recusam a ir a abrigos, ou ainda que o pessoal dos direitos humanos vai dificultar e por isso é que eles estão lá. Pelo que vi essa geração já está perdida, não tem mais recuperação. Mas tem que dar assistência, cuidar e fazer um trabalho de prevenção para que esses miseráveis e desgraçados tenham ao menos condições de levar uma vida digna. Ignorá-los é aviltante, é validar o pouco caso das autoridades que se dizem competentes e que ganham para cuidar da cidade e não cuidam. Vão encurralando essa gente de um lado para outro, para que ninguém as veja. E elas se multiplicam na mesma velocidade dos helicópteros que atravessam a cidade e na mesma proporção das vendas dos vidros blindados dos automóveis. Não dá para fazer de conta que eles não existem. O fedor está saindo por tudo quanto é lado e um dia vai inevitavelmente invadir sua praia. Eu não quero me acostumar com essa paisagem urbana e me recuso a acreditar que estamos evoluindo. Isso aí não é pobreza, é miséria, resultado da ausência de atuação do poder público.

Gostaria que alguém me explicasse o seguinte: por que uma entrevistadora com a inteligência e capacidade da Marília Gabriela decide entrevistar uma garota como a tal da Sabrina Sato? No domingo pouco antes de dormir eu assisti no SBT uma das entrevistas mais constrangedoras que já vi e ouvi. A menina é totalmente desinteressante, não tem absolutamente nada para dizer, ria o tempo todo de qualquer coisa que fosse dita, meu Deus, foi constrangedor assistir aquilo, e desconfio que em alguns momentos a própria Marília Gabriela se sentiu constrangida com a situação. Sem falar da dificuldade que foi tentar entender o que a moça queria dizer quando conseguia terminar um pensamento(?). Enquanto a garota com muita dificuldade tentava organizar palavras para formar uma frase que pudesse dizer alguma coisa que tivesse algum sentido, a entrevistadora tentava adivinhar o que ela estava tentando querer dizer para que o telespectador pudesse compreendê-la. Marília, não tem ninguém interessante para entrevistar, então faz uma pausa, quebre o contrato, sei lá faça qualquer coisa, duvido que alguém entendeu o que essa garota tããão interessante e engraçada estava fazendo lá. Muito ruim. Se a idéia da produção do programa feito para o SBT é nivelar a entrevista ao grau de exigência de seu público, acho pior ainda. Não sei nem se serve para engrossar o livro 1001 entrevistas mais desinteressantes do mundo. Acho que não.

14.10.11

JURO QUE NÃO

Fui buscar duas calças que havia deixado na costureira para reparar. Na entrega uma das costureiras me mostrou dois pequenos furos logo abaixo daquelas tirinhas onde passamos o cinto. Olhei surpreso porque quando deixei a calça com ela os furos não existiam. “Já estava assim” ela disse, “juro que não fui eu quem furei, é da qualidade do tecido, esgarçou”. Duvidei de seu argumento, e disse que os dois buraquinhos devem ter sido feitos pelas pontas da tesoura que ela havia usado para descosturar as tiras, já que ela havia feito isso para estreitar a calça e as duas tirinhas tiveram que ser necessariamente retiradas. Sem mencionar a flagrante obviedade de que os furinhos moram agora exatamente no mesmo lugar onde as tirinhas moraram antes. Ela continuou negando com argumentos pouquíssimos convincentes enquanto eu pensava no que fazer. O que fazer numa situação como essa? Não sei. Na hora pensei em várias hipóteses, consegui manter a calma, os furos já estavam feitos e não havia mais como desfazê-los. Não posso mais usar a calça, já que eles são visíveis e para piorar, por iniciativa própria ela os fechou mal e porcamente costurando-os com uma linha de cor branca (a calça é cinza escuro) . Freqüento essa costureira há anos. Não faz parte do meu repertório fazer escândalos ou insultar funcionários, mas esperava ao menos que ela assumisse o erro, dissesse qualquer coisa como um sinto muito ou outra que me amolecesse o coração. No intervalo de nosso diálogo outra costureira se aproximou e deixou implicitamente claro que os furos nada mais eram que fruto de barbeiragem de alguém que não tem habilidade para exercer a profissão. A segunda calça estava em ordem. Na hora de pagar além de me cobrar as duas calças a moça me disse que não tinha troco para minha nota de 50 reais. “E agora?”, ela me perguntou segurando a nota com cara de quem não sabia o que fazer. Minha paciência começava a chegar ao limite. Respondi que ela poderia tentar trocar o dinheiro na vizinhança, eu esperaria. “Não posso sair daqui, a patroa vai ficar brava comigo”. Começava a pensar em mandá-la para o inferno quando a costureira mor e chefe do estabelecimento entrou no local. Equivocadamente pensei que ela seria a solução para nosso problema. Ciente do estrago feito na minha calça, ela foi logo tentando justificar o fato com o mesmo argumento da funcionária o que só fez piorar o meu humor. Você poderia trocar essa nota? Ela fuçou gavetas, depois a própria bolsa e em seguida olhou para mim e disse: “não tenho troco, o senhor pode ir trocar na padaria logo ao lado?” Não. Não posso. Não quero. E não vou. Vocês estragaram minha calça, estão cobrando por ela e ainda querem que eu vá trocar o dinheiro? Você não acha que poderia se organizar um pouco melhor? Nesse momento tudo o que eu queria era ir embora de lá. Duas clientes que esperavam para serem atendidas passaram a me dar razão e reclamar da demora. A coisa começou a virar uma piada de qualidade ainda inferior a dos quadros do programa zorra total, mas a costureira mor ao invés de ir trocar o dinheiro continuava a tentar nos convencer das dificuldades de trocá-lo. Vamos fazer uma parada aqui. Pausa para respirar. Todos sabem as razões da falta de profissionalismo dominante no país: educação. Porque sem ela, sem escola, sem aprender a pensar e a ligar lé com cré a coisa vai ficar sempre amadora, mas um amadorismo tosco, burro, que dificulta ainda mais o desenvolvimento dessas pessoas e atrapalha a vida dos outros. Eu até aprecio o amadorismo, o improviso usado de forma casual e inteligente, mas ele deve se restringir a aparência, não deve ser estrutural, não pode existir por falta de conhecimento, no máximo como resposta para falta de soluções. Assim como a informalidade nas relações, que tem lá seu charme e ajuda a seduzir, mas que necessariamente tem que estar fundamentada na formalidade. Informalidade sim, desde que ela não seja invasiva. Voltando para a costureira. A coisa acabou assim. O cabeleireiro que tem seu salão encostado na costureira, escutou todo o bla bla e providencialmente entrou na conversa. Disse que poderia trocar o dinheiro. Trouxe o meu troco, eu agradeci, peguei minha sacola e tratei de me mandar. Ele me acompanhou até a porta e disse: “não fica aborrecido não querido, elas não são “profissa” mas são gente boa, não estragaram sua calça por mal”.
Pode crer monsieur le coiffeur, eu juro que nunca duvidei disso.

12.10.11

FÉ E BRIOCHES

No dia da criança resolvi desobedecer minha mãe. Almocei assistindo televisão. Vi uma reportagem sobre a Nossa Senhora Aparecida que chegou a cidade de São Paulo subindo o rio Tietê. Ainda bem que ela não é feita de carne e osso, e no caso estava representada em forma de imagem feita de barro ou madeira, caso contrário teriam intoxicado a coitada da padroeira. Então escuto o padre (não sei como ele agüentou o fedor e os gases do rio enquanto carregava e expunha a imagem) dizer que é preciso conscientizar a população de que não se pode jogar lixo no rio. Está bem. Pensei que as autoridades municipais e estaduais é que tinham obrigação de canalizar e tratar a água dos municípios além de fiscalizar as concessionárias contratadas e os próprios cidadãos que desrespeitam as leis. Pobreza é mais um item que se combate com educação. Essa imundice e o pouco caso com ela é resultado da falta de educação que impera nesse país em todas as classes sociais. Desde o morador miserável das favelas até o milionário morador das mansões e coberturas neoclássicas com churrasqueiras decorativas nas varandas. Uns são mal educados porque não lhes são proporcionadas as condições mínimas para sair da miséria, outros porque só olham para o próprio umbigo e não conseguem enxergar nada além dos vidros blindados de seus automóveis. Quero minha fé de volta. A paisagem urbana dessa cidade é o retrato materializado de anos de falta de educação e pouco caso dessa gente que se diz bem educada, politizada e a serviço do país.

Um pouquinho dessa fé voltou depois que eu me deitei no chão da sala e escutei a terceira e a quinta sinfonias de Mahler. Meu Deus o que seria de mim sem esses sujeitos e suas composições? Deus estava ali no momento da criação. E veio me pedir calma enquanto eu as escutava. Não sei se vou conseguir. Estou tentando. Respirando no saco de pão. Vou rezar pelos pulmões de Nossa Senhora Aparecida.