Não adianta se lamentar porque agora você já está
na minha mão e acabou. Mais ou menos isso
foi o que eu ouvi, enquanto pensava que tinha entrado
sem querer no meio de um desses filmes pseudo realistas
que vieram de carona na literatura de Rubem Fonseca.
Pois é, é isso mesmo, finalmente eu também entrei
para o rol dos seqüestrados. Na última sexta feira,
quando cheio de esperança fui entregar uma cópia
do original dos meus contos para um amigo.
Passei mais de uma hora refém de dois caras dentro
do meu próprio carro que, além de levarem meu dinheiro,
ainda tentaram justificar o que faziam com um discurso
absurdamente babaca sobre as razões que os levaram ao
crime e etc... Interessante. Blá, blá, blá... Fácil para eles
que me apontavam uma arma enquanto falavam.
Saiu barato para mim, eu sei, mas não quero pensar assim.
Não quero começar a pensar “dos males o menor”.
Justificativas e compreensão do porque o meu país
está se transformando num enorme avenida cheia de
pistoleiros eu também tenho, mas não quero me acostumar
a ter que conviver com isso. Não queria narrar este episódio
aqui. Algo mudou dentro de mim. Medo, raiva, sentimento de
impotência e violência fazem parte dos meus pensamentos
desde a última sexta feira. Estou tentando reagir, como me
dizem, devo passar por cima do que aconteceu. Pois é,
não sei bem como fazer, de uma hora para outra
apertar um botão e desgravar imagens e palavras.
Estou me esforçando para me comportar como mais
um dos milhões de brasileiros que como eu já passaram
por inúmeras situações como a que sofri, mas que fazem
de conta que não foi nada, que tudo isso é normal
num país miserável como o nosso.
Eu não acho normal. Nem o que aconteceu comigo,
nem a passividade dos meus conterrâneos diante do
abandono do Estado. Não falo apenas da violência,
mas do ausência de políticas de educação pública e social.
Eu não acho normal. Eu não acho normal. Eu não acho normal.