30.10.11

DIFERENTES PORÉM IGUAIS

Por ter morado muito tempo e mais de uma vez fora do país, muitas vezes sou indagado sobre o que diferencia nós brasileiros de outros povos e culturas, e o que nos une. Antes me surpreendia com a imagem que nós (ou a maioria dos brasileiros que conheço) temos de nós mesmos. No decorrer da conversa tentava argumentar que individualmente existem muito mais semelhanças do que diferenças, mas com o tempo desisti. Porque detesto alimentar qualquer tipo de regionalismo e ufanismo, e também porque acho esse assunto muito chato, acaba sempre em “mas você não vai negar que nossas praias são as mais bonitas” e porque percebi que na maioria das vezes as pessoas não estão verdadeiramente interessadas no que você tem para dizer, mas querem vomitar suas idéias prontas. Não importa de qual classe social ele vem, se a, b, c, d ou e (nunca na história desse país tivemos tantas subcategorias de classes sociais), o que ele quer ouvir de mim é a confirmação de suas próprias idéias fixas sobre a imagem que ele faz de si mesmo e a que faz dos outros povos. Todos adoram repetir o mesmo rosário: nós brasileiros somos antes de tudo um povo simpático, solidário e gentil, um povo que apesar da pobreza, falta de educação e dificuldades, continua sorrindo e distribuindo gentilezas gratuitamente, capaz de demonstrar solidariedade apesar da escassez de recursos tanto intelectual como material. Por outro lado para essas pessoas quase todo europeu é rico, frio, calculista, mal humorado, pouco sorridente e nada solidário. Para mim uma das características marcantes do povo brasileiro é a vontade de acreditar. O problema está na ausência de capacidade crítica diante daquilo em que quer acreditar. Não importa no que ou em quem, queremos acreditar e opinar, antes de tudo queremos fazer valer a nossa opinião, ficar do lado daqueles que acreditamos bons ou de verdades divulgadas e assimiladas sem nenhuma reflexão. Outra característica marcante é a hipocrisia, olhamos para o outro sempre com um olhar de que não fazemos parte daquele todo, os outros são sempre responsáveis pelas nossas mazelas, se não fossem os outros tudo seria diferente. Gostamos de acreditar que somos diferentes, seres humanos mais “humanos”, mais “gente”, abençoados com a ausência dos lados indesejáveis que tanto não admiramos nos outros. Sugiro uma leitura rápida em qualquer lista de comentários de leitores de qualquer blog ou site, lá onde nos escondemos por detrás de nossos apelidos e carinhas. Assusta-me a quantidade de pessoas que pensam poder afirmar suas verdades como se as mesmas estivessem acima de qualquer dúvida, afirmações muitas vezes calcadas de sentimentos de raiva e deboche e de schadenfreude (satisfação pela desgraça alheia). Assusta-me tanto o intelectual prepotente por se pensar superior àquele com menos conhecimento do que ele, como o ignorante que não reconhece nos outros mais sabedoria e que ele poderia aprender alguma coisa com quem sabe. Minha experiência pessoal é a seguinte: no coletivo todo ser humano é muito parecido, seja ele de onde for, massa é massa, é bruta, irracional e ameaçadora. Posto sob a lupa e visto individualmente, as diferenças culturais sobressaem, gentilezas e demonstrações de solidariedades e calor humano ficam mais ou menos expostas dependendo do grau de proximidade entre as pessoas, e o homem seja ele de qualquer cor pode ser a semelhança do divino. A julgar pelos comentários que tenho lido em muitos sites de jornais e de blogues de outros amigos que se atrevem a dizer o que pensam, nós brasileiros no quesito hipocrisia e prepotência conseguimos superar muitos outros povos, só não sei se por ausência de autocrítica ou por excesso de esperteza.

27.10.11

EGONEWS

A Patrícia Corrêa do site Folha de Letras fez uma entrevista comigo há poucos dias Clique aqui para acessá-la diretamente, e se tiver tempo dê uma passeada pelo site mineiro, tem outras entrevistas interessantes e boas dicas de leitura. Boa Leitura!

18.10.11

LIXO E LIXO

Fui até a Sala São Paulo retirar ingressos que havia comprado para um concerto em novembro. Fui a pé daqui de casa (Sta Cecília/Higienópolis). Quando cheguei na Alameda Cleveland tive que interromper minha respiração por causa do fedor insuportável. Pensei que fosse morrer de nojo e de raiva. No encontro da Cleveland com a Helvetia centenas de seres humanos quase bichos se aglomeravam em torno do crack e sei lá mais do que em meio ao lixo. Nojo, revolta, pena daquele povo, raiva, e vontade de fazer uma fogueira com todos os políticos e autoridades que sugam esse país são alguns dos sentimentos que tive. Não me venham dizer que é complicado lidar com eles, que não se pode fazer isso ou aquilo e que eles se recusam a ir a abrigos, ou ainda que o pessoal dos direitos humanos vai dificultar e por isso é que eles estão lá. Pelo que vi essa geração já está perdida, não tem mais recuperação. Mas tem que dar assistência, cuidar e fazer um trabalho de prevenção para que esses miseráveis e desgraçados tenham ao menos condições de levar uma vida digna. Ignorá-los é aviltante, é validar o pouco caso das autoridades que se dizem competentes e que ganham para cuidar da cidade e não cuidam. Vão encurralando essa gente de um lado para outro, para que ninguém as veja. E elas se multiplicam na mesma velocidade dos helicópteros que atravessam a cidade e na mesma proporção das vendas dos vidros blindados dos automóveis. Não dá para fazer de conta que eles não existem. O fedor está saindo por tudo quanto é lado e um dia vai inevitavelmente invadir sua praia. Eu não quero me acostumar com essa paisagem urbana e me recuso a acreditar que estamos evoluindo. Isso aí não é pobreza, é miséria, resultado da ausência de atuação do poder público.

Gostaria que alguém me explicasse o seguinte: por que uma entrevistadora com a inteligência e capacidade da Marília Gabriela decide entrevistar uma garota como a tal da Sabrina Sato? No domingo pouco antes de dormir eu assisti no SBT uma das entrevistas mais constrangedoras que já vi e ouvi. A menina é totalmente desinteressante, não tem absolutamente nada para dizer, ria o tempo todo de qualquer coisa que fosse dita, meu Deus, foi constrangedor assistir aquilo, e desconfio que em alguns momentos a própria Marília Gabriela se sentiu constrangida com a situação. Sem falar da dificuldade que foi tentar entender o que a moça queria dizer quando conseguia terminar um pensamento(?). Enquanto a garota com muita dificuldade tentava organizar palavras para formar uma frase que pudesse dizer alguma coisa que tivesse algum sentido, a entrevistadora tentava adivinhar o que ela estava tentando querer dizer para que o telespectador pudesse compreendê-la. Marília, não tem ninguém interessante para entrevistar, então faz uma pausa, quebre o contrato, sei lá faça qualquer coisa, duvido que alguém entendeu o que essa garota tããão interessante e engraçada estava fazendo lá. Muito ruim. Se a idéia da produção do programa feito para o SBT é nivelar a entrevista ao grau de exigência de seu público, acho pior ainda. Não sei nem se serve para engrossar o livro 1001 entrevistas mais desinteressantes do mundo. Acho que não.

14.10.11

JURO QUE NÃO

Fui buscar duas calças que havia deixado na costureira para reparar. Na entrega uma das costureiras me mostrou dois pequenos furos logo abaixo daquelas tirinhas onde passamos o cinto. Olhei surpreso porque quando deixei a calça com ela os furos não existiam. “Já estava assim” ela disse, “juro que não fui eu quem furei, é da qualidade do tecido, esgarçou”. Duvidei de seu argumento, e disse que os dois buraquinhos devem ter sido feitos pelas pontas da tesoura que ela havia usado para descosturar as tiras, já que ela havia feito isso para estreitar a calça e as duas tirinhas tiveram que ser necessariamente retiradas. Sem mencionar a flagrante obviedade de que os furinhos moram agora exatamente no mesmo lugar onde as tirinhas moraram antes. Ela continuou negando com argumentos pouquíssimos convincentes enquanto eu pensava no que fazer. O que fazer numa situação como essa? Não sei. Na hora pensei em várias hipóteses, consegui manter a calma, os furos já estavam feitos e não havia mais como desfazê-los. Não posso mais usar a calça, já que eles são visíveis e para piorar, por iniciativa própria ela os fechou mal e porcamente costurando-os com uma linha de cor branca (a calça é cinza escuro) . Freqüento essa costureira há anos. Não faz parte do meu repertório fazer escândalos ou insultar funcionários, mas esperava ao menos que ela assumisse o erro, dissesse qualquer coisa como um sinto muito ou outra que me amolecesse o coração. No intervalo de nosso diálogo outra costureira se aproximou e deixou implicitamente claro que os furos nada mais eram que fruto de barbeiragem de alguém que não tem habilidade para exercer a profissão. A segunda calça estava em ordem. Na hora de pagar além de me cobrar as duas calças a moça me disse que não tinha troco para minha nota de 50 reais. “E agora?”, ela me perguntou segurando a nota com cara de quem não sabia o que fazer. Minha paciência começava a chegar ao limite. Respondi que ela poderia tentar trocar o dinheiro na vizinhança, eu esperaria. “Não posso sair daqui, a patroa vai ficar brava comigo”. Começava a pensar em mandá-la para o inferno quando a costureira mor e chefe do estabelecimento entrou no local. Equivocadamente pensei que ela seria a solução para nosso problema. Ciente do estrago feito na minha calça, ela foi logo tentando justificar o fato com o mesmo argumento da funcionária o que só fez piorar o meu humor. Você poderia trocar essa nota? Ela fuçou gavetas, depois a própria bolsa e em seguida olhou para mim e disse: “não tenho troco, o senhor pode ir trocar na padaria logo ao lado?” Não. Não posso. Não quero. E não vou. Vocês estragaram minha calça, estão cobrando por ela e ainda querem que eu vá trocar o dinheiro? Você não acha que poderia se organizar um pouco melhor? Nesse momento tudo o que eu queria era ir embora de lá. Duas clientes que esperavam para serem atendidas passaram a me dar razão e reclamar da demora. A coisa começou a virar uma piada de qualidade ainda inferior a dos quadros do programa zorra total, mas a costureira mor ao invés de ir trocar o dinheiro continuava a tentar nos convencer das dificuldades de trocá-lo. Vamos fazer uma parada aqui. Pausa para respirar. Todos sabem as razões da falta de profissionalismo dominante no país: educação. Porque sem ela, sem escola, sem aprender a pensar e a ligar lé com cré a coisa vai ficar sempre amadora, mas um amadorismo tosco, burro, que dificulta ainda mais o desenvolvimento dessas pessoas e atrapalha a vida dos outros. Eu até aprecio o amadorismo, o improviso usado de forma casual e inteligente, mas ele deve se restringir a aparência, não deve ser estrutural, não pode existir por falta de conhecimento, no máximo como resposta para falta de soluções. Assim como a informalidade nas relações, que tem lá seu charme e ajuda a seduzir, mas que necessariamente tem que estar fundamentada na formalidade. Informalidade sim, desde que ela não seja invasiva. Voltando para a costureira. A coisa acabou assim. O cabeleireiro que tem seu salão encostado na costureira, escutou todo o bla bla e providencialmente entrou na conversa. Disse que poderia trocar o dinheiro. Trouxe o meu troco, eu agradeci, peguei minha sacola e tratei de me mandar. Ele me acompanhou até a porta e disse: “não fica aborrecido não querido, elas não são “profissa” mas são gente boa, não estragaram sua calça por mal”.
Pode crer monsieur le coiffeur, eu juro que nunca duvidei disso.

12.10.11

FÉ E BRIOCHES

No dia da criança resolvi desobedecer minha mãe. Almocei assistindo televisão. Vi uma reportagem sobre a Nossa Senhora Aparecida que chegou a cidade de São Paulo subindo o rio Tietê. Ainda bem que ela não é feita de carne e osso, e no caso estava representada em forma de imagem feita de barro ou madeira, caso contrário teriam intoxicado a coitada da padroeira. Então escuto o padre (não sei como ele agüentou o fedor e os gases do rio enquanto carregava e expunha a imagem) dizer que é preciso conscientizar a população de que não se pode jogar lixo no rio. Está bem. Pensei que as autoridades municipais e estaduais é que tinham obrigação de canalizar e tratar a água dos municípios além de fiscalizar as concessionárias contratadas e os próprios cidadãos que desrespeitam as leis. Pobreza é mais um item que se combate com educação. Essa imundice e o pouco caso com ela é resultado da falta de educação que impera nesse país em todas as classes sociais. Desde o morador miserável das favelas até o milionário morador das mansões e coberturas neoclássicas com churrasqueiras decorativas nas varandas. Uns são mal educados porque não lhes são proporcionadas as condições mínimas para sair da miséria, outros porque só olham para o próprio umbigo e não conseguem enxergar nada além dos vidros blindados de seus automóveis. Quero minha fé de volta. A paisagem urbana dessa cidade é o retrato materializado de anos de falta de educação e pouco caso dessa gente que se diz bem educada, politizada e a serviço do país.

Um pouquinho dessa fé voltou depois que eu me deitei no chão da sala e escutei a terceira e a quinta sinfonias de Mahler. Meu Deus o que seria de mim sem esses sujeitos e suas composições? Deus estava ali no momento da criação. E veio me pedir calma enquanto eu as escutava. Não sei se vou conseguir. Estou tentando. Respirando no saco de pão. Vou rezar pelos pulmões de Nossa Senhora Aparecida.

25.9.11

O E-MAIL QUE RECEBI HOJE DE MANHÃ.

Hoje recebi um e-mail intitulado “Profecias do pai Simão”. O conteúdo do e-mail são “profecias” supostamente feitas pelo Zé Simão (na rede é difícil saber quem realmente é o autor do que nos enviam). A bem da verdade eu não leio o Zé Simão. Não gosto do seu humor apelativo e na maioria das vezes grosseiro e maldoso com as pessoas que ele pega como vítima. Não tem nada a ver com ser politicamente correto ou não, mas com limites e respeito, o que é escracho e o que é grosseria, um pouco do que penso desse tipo de humor feito pelo Pânico que tenho pânico só de pensar em assistir. Não consigo achar graça, acho forçado e burro. Por curiosidade passei a ler o e-mail, ainda era cedo, e quando percebi estava gargalhando e não conseguia parar de gargalhar com o festival de bobagens tão possíveis de se realizar no Brasil que não dá para deixar de se divertir com o ridículo das situações.
Abaixo o e-mail que recebi:

Rio 2016 - Profecias do Pai Zé Simão



Previsões de José Simão (Colunista Folha de São Paulo), para as Olímpíadas no Rio - 2016.


De 2010 a 2015

1. ONGs vão pipocar dizendo que apóiam o esporte, tiram crianças das ruas e as afastam das drogas. Após as olimpíadas estas ONGs desaparecerão e serão investigadas por desvio de dinheiro público. Ninguém será preso ou indiciado.

2. Um grupo de funk vai fazer sucesso com uma música que diz: vou pegar na tua tocha e você põe na minha pira.

3. Uma escola de samba vai homenagear os jogos, rimando “barão de coubertin” com “sol da manhã”. Gilberto Gil virá no último carro alegórico vestido de lamê dourado representando o “espírito olímpico do carioca visitando a corte do Olimpo num dia de sol ao raiar do fogo da vitoria”.

4. Haverá um concurso para nomear a mascote dos jogos que será um desenho misturando um índio, o sol do Rio, o Pão de Açúcar e o carnaval, criado por Hans Donner. Os finalistas terão nomes como: “Zé do Olimpo”, “Chico Tochinha” e “Kaíque Maratoninha”.

5. Luciano Huck vai eleger a Musa dos jogos, concurso que durará um ano e elegerá uma modelo chamada Kathy Mileine Suellen da Silva.

Abertura dos jogos

1. A tocha olímpica será roubada ao passar pela baixada fluminense. O COB vai encomendar outra com urgência para um carnavalesco da Beija flor.

2. Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e a bateria da Mangueira farão um show na praia de Copacabana para comemorar a chegada do fogo olímpico ao Rio. Por motivo de segurança, Zeca Pagodinho será impedido de ficar a menos de 500 metros da tocha.

3. Durante o percurso da tocha, os brasileiros vão invadir a rua e correr ao lado dela carregando cartolinas cor de rosa onde se lê "GALVÃO FILMA NÓIS", "100% FAVELA DO RATO MOLHADO".

4. Pelé vai errar o nome do presidente do COI, discursar em um inglês de merda elogiando o povo carioca e, ao final, vai tropeçar no carpete que foi colado 15 minutos antes do início da cerimônia.

5. Claudia Leite e Ivete Sangalo vão cantar o “Hino das Olimpíadas” composto por Latino e MC Medalha. As duas vão duelar durante a música para aparecer mais na TV.

6. O Hino Nacional Brasileiro será entoado a capella por uma arrependida Vanuza, que jura que "não bota uma gota de álcool na boca desde a última copa". A platéia vai errar a letra, em homenagem a ela, chorar como se entendesse o que está cantando, e aplaudir no final como se fosse um gol.

7. Uma brasileira vai ser filmada varias vezes com um top amarelo, um shortinho verde e a bandeira dos jogos pintada na cara. Ela posará para a Playboy sem o top e sem o shortinho e com a bandeira pintada na bunda.

8. Por falta de gás na última hora, já que a cerimônia só foi ensaiada durante a madrugada, a pira não vai funcionar. Zeca Pagodinho será o substituto temporário já que a Brahma é um dos patrocinadores. Em entrevista ao Fantástico ele dirá que não se lembra direito do fato.

9. Setenta e quatro passistas de fio-dental vão iniciar a cerimônia mostrando o legado cultural do Rio ao mundo: a bala perdida, o trafico, o funk, o sequestro-relâmpago e a favela.

10. Durante os jogos de tênis a platéia brasileira vai vaiar os jogadores argentinos obrigando o árbitro a pedir silencio 774 vezes. Como ele pedirá em inglês ninguém vai entender e vão continuar vaiando. Galvão Bueno vai dizer que vaiar é bom, mas vaiar os argentinos é melhor ainda. Oscar concordará e depois pedirá desculpas chorando no programa do Gugu.

11. Um simpático cachorro vira-lata furará o esquema de segurança invadindo o desfile da delegação jamaicana. Será carregado por um dos atletas e permanecerá no gramado do Maracanã durante toda a cerimônia. Será motivo de 200 reportagens, apelidado de Marley, e será adotado por uma modelo emergente que ficará com dó do pobre animalzinho e dirá que ele é gente como a gente.

12. Adriane Galisteu posará para a capa de CARAS ao lado do grande amor da sua vida, um executivo do COB.

13. Os pombos soltos durante a cerimônia serão alvejados por tiros disparados por uma favela próxima e vendidos assados na saída do maracanã por “dois real”.

Durante os jogos

1. Caetano Veloso dará entrevista dizendo que o Rio é lindo, a cerimônia de abertura foi linda e que aquele negão da camiseta 74 da seleção americana de basquete é mais lindo ainda.

2. Uma modelo-manequim-piranha-atriz-exBBB vai engravidar de um jogador de hóquei americano. Sua mãe vai dar entrevista na Luciana Gimenez dizendo que sua filha era virgem até ontem, apesar de ter namorado 74 homens nos últimos seis meses, e que o atleta americano a seduziu com falsas promessas de vida nos EUA. Após o nascimento do bebê ela posará nua e terá um programa de fofocas numa rede de TV.

3. No primeiro dia os EUA, a China e o Canadá já somarão 74 medalhas de ouro, 82 de prata e 4 de bronze. Os jornalistas brasileiros vão dizer a cada segundo que o Brasil é esperança de medalha em 200 modalidades e certeza de medalha em outras 64.

4. Faltando 3 dias para o fim dos jogos, o Brasil terá 3 medalhas de bronze e 1 de ouro, esta ganha por atletas desconhecidos no esporte “caiaque em dupla”. Eles vão ser idolatrados por 15 minutos (somando todas as emissoras abertas e a cabo) como exemplos de força e determinação. A Hebe vai dizer que eles são “uma gracinha” ao posarem mordendo a medalha, e nunca mais se ouvirá deles.

5. A seleção brasileira de futebol comandada por Ronaldo Fenômeno vai chegar como favorita. Passará fácil pela primeira fase e entrará de salto alto na fase final, perdendo para a seleção de Sumatra.

6. A seleção americana de vôlei visitará uma escola patrocinada pelo Criança Esperança. Três meninos vão ganhar uma bola e um uniforme completo dos jogadores, sendo roubados e deixados pelados no dia seguinte.

7. Os traficantes da Rocinha vão roubar aquele pó branco que os ginastas passam na mão. Um atleta cubano será encontrado morto numa boate do Baixo Leblon depois de cheirá-lo. O COB, a fim de não atrasar as competições de ginástica, vai substituir o tal pó pelo cimento estocado nos fundos do ginásio inacabado.

8. Um atleta brasileiro nunca visto antes terminará em 57º lugar na sua modalidade e roubará a cena ao levantar a camiseta mostrando outra onde se lê: JARDIM MATILDE NA VEIA.

9. Vários atletas brasileiros apontados como promessa de medalha serão eliminados logo no inicio da competição. Suas provas serão reprisadas em 'slow motion' e 400 horas de programas de debate esportivo vão analisar os motivos das suas falhas.

Após os jogos

1. Um boxeador brasileiro negro de 1,85m estrelará um filme pornô para pagar as despesas que teve para estar nos jogos e por não obter patrocínio.

2. Faustão entrevistará os atletas brasileiros que não ganharam medalhas. Não os deixará pronunciar uma palavra sequer, mas dirá que esses caras são exemplos no profissional tanto quanto no pessoal, amigos dos amigos, e outras besteiras.

3. No início do ano seguinte, vários bebês de olhos azuis virão ao mundo e as filas para embarque nos voos para a Itália, Portugal e Alemanha serão intermináveis, com mães "ofendidas", segurando seus rebentos...

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21.9.11

CERCADO

Reincidentes são os dois casos que vou contar. Já aconteceram de outras maneiras antes e no mesmo lugar. Estava no cinemark do Pátio Higienópolis ontem. No meio do filme um senhor sentado na minha frente atende o celular e responde em tom assustadoramente alto que não podia falar naquele momento porque estava dentro do cinema. Por que atendeu então? Tive vontade de jogá-lo para fora da sala, mas me contive. Por respeito a sua idade e porque sofro de constrangimento passivo. É. Uma doença que aparentemente algumas pessoas têm: elas se sentem constrangidas com a ignorância e falta de sensibilidade de terceiros. Minutos depois e quase no fim do filme, três meninas sentadas ao meu lado começaram a utilizar seus celulares para mandar mensagens ou sei lá o que. A luz da telinha do celular delas passou a imperar na sala e a me incomodar. Depois de vários acende/apaga/acende/apaga e meu nível de constrangimento atingir o grau do insuportável, pedi em voz incisiva que parassem com aquilo. Não me atenderam. A solução foi ameaçá-las, ou paravam ou eu arrancaria os aparelhos de suas mãos. Saíram da sala. De onde não deveriam ter entrado se não são capazes de ficar por aproximadamente duas horas apreciando o filme sem se comunicar com amigos ou sei lá quem. Em razão da imensa falta de respeito alheio e por se acharem o centro do universo, os cinemas daqui deveriam fazer o que fazem outros por aí. Há um sistema que bloqueia a conexão dos celulares dentro dos cinemas e teatros e outros estabelecimentos que são ativados para que essa gentalha insuportável aprenda a se comportar em público. Ninguém deveria ser obrigado a ouvir conversa alheia. Eu não consigo compreender a cabeça dessas pessoas. Não consigo entender essa ausência total de respeito pelo outro, seja dentro dos lugares ou nas ruas, constantemente flagro pessoas gritando com o celular grudado na orelha, ou com esses aparelhinhos gesticulando numa clara demonstração de egoísmo e não estou nem aí para você. Não tem a ver com idade. A falta de educação é geral. E gritante.

Aliás, gritante também é o volume do som das salas do cinemark enquanto eles anunciam os filmes antes da sessão iniciar. Devem achar que porque nos bombardeiam os tímpanos a mensagem ficará gravada na nossa cabeça. A única mensagem que fica gravada na minha é de que estou ilhado, cada vez mais idiotas invadem a minha praia.

17.9.11

GÁSES

Muito cedo prestei atenção no significado das palavras. Sempre procurei coerência na literalidade delas, quero dizer, se no momento em que elas estão sendo pronunciadas elas querem dizer exatamente o que quem as falou ou escreveu queria dizer. Porque pode haver descompasso. Despojada da emoção, listada numa folha de dicionário de sinônimos e antônimos, ela significa muito menos do que quando carregada da emoção de quem a escolheu para dizer isso ou aquilo. A escolha, a forma, a carga emocional e a tonalidade podem alterar seu significado. O outro, o ouvinte, o receptor, ao ouvi-la também a sujeita e a condiciona aos limites de sua compreensão. O inferno, Sartre já disse de outra forma, só passa a arder quando nos vemos confrontados com os outros. Enquanto elas estão dentro do universo particular de cada um de nós, elas significam uma coisa, a partir do momento que penetram os ouvidos do outro ganham significados diferentes e vida própria.

Algumas noites acordo no meio da madrugada como se tivesse dormido além da conta e não consigo mais pegar no sono. Então me levanto e observo as luzes dos apartamentos dos prédios ao redor do meu. Não tenho pensamentos profundos. Observo e penso em múltiplas coisas, como por exemplo, o que aquele sujeito do prédio da frente está assistindo na televisão de sua sala ou o que amigos que moram em outros continentes poderiam estar fazendo naquele exato momento, ou ainda se devo ou não comer um pedaço do bolo de laranja que está dormindo quietinho na cozinha. As vezes ligo para algum amigo do outro lado do mundo e como um pedaço do bolo, só não consigo acessar o vizinho insone. Será que ele me vê e tem pensamentos parecidos? Outra noite, vi quando ele levantou do sofá e foi até a janela. De lá, ele olhou em minha direção. Constrangido eu preferi sair do terraço e voltar para dentro do apartamento. Gosto de observar, mas não de ser observado.

Ontem tive que atravessar a cidade. Fui até o bairro do Morumbi pela avenida nove de julho e voltei pela 23 de maio. São Paulo é decididamente uma cidade feia, sem atrativos no quesito paisagem urbana. Está bem, nenhuma novidade no que acabo de afirmar. O agravante é o cheiro que está impregnando a cidade. O gás carbônico das ruas e avenidas só perde para o fedor de urina e fezes humanas que penetra nossas narinas quando caminhamos pelas ruas do centro. Você já tentou chegar a Sala São Paulo a pé? Ouvi de um amigo outro dia, ah mas isso é covardia, quem mandou você ir a pé para lá, a cracolândia é conhecidamente um lixo. Como assim, quem mandou ir a pé? O que é então uma cidade para você? Um espaço urbano recortado por ruas e avenidas por onde passam automóveis, e o pedestre que se dane? Ver beleza na cidade onde nasci está cada vez ficando mais difícil.

11.9.11

É TUDO VERDADE


Hoje, 11 de setembro de 2011, acordei um pouco mais tarde. Fiz um café e fui para frente do computador sedento pela resposta de um e-mail enviado há alguns dias. Nada ainda. Passei então a ler a Folha de São Paulo na tela do computador. Não perco mais tempo lendo o jornal de ponta a ponta, desenvolvi um sistema próprio de leitura, bato o olho no título da matéria e vejo quem a escreveu e não reflito muito, ou abro o artigo e leio, ou passo batido sem nenhuma culpa porque a maioria das notícias é desinteressante, elas apenas confirmam o que já sabemos ou não trazem nenhuma nova discussão. Foi quando me deparei com uma matéria sobre o Padre Marcelo no caderno Mercado. Estranhei, o que um padre estaria fazendo num caderno de conteúdo econômico? Ao mesmo tempo que lia a matéria chamada “Padre Marcelo S.A.”, um dos moradores de uma das casinhas da vila localizada atrás do meu prédio, começou a escutar música num volume que todo o bairro poderia escutar. Imagino que sua intenção era propiciar um imenso prazer aos ouvidos de seus vizinhos, mas ler a matéria sobre o tal padre acompanhado por refrões de “eu sou pobre pobre pobre de marré marré de si, mas sou rico rico rico e cheio de mulhé” foi o suficiente para me provocar ânsias de vômito. Para mim gosto se discute e, bem, dentro do espírito democrático que acredito ter assimilado no decorrer da minha vida, aceito que ele escute o que quiser, mas por favor não quero ser obrigado a escutar a mesma coisa. Tentei acreditar que logo ele abaixaria o som e continuei a ler as matérias do jornal. Fiquei então sabendo que o padre Marcelo está construindo uma imensa igreja, um templo para milhões de pessoas, com sei lá quantas mil vagas de estacionamento e uma cripta onde ele futuramente será enterrado. Enquanto isso meu vizinho de baixo continuava a nos presentear com canções de altíssimo padrão, recheando meus ouvidos com refrões que jamais esquecerei. E o padre Marcelo ainda deu uma pequena entrevista onde fala coisas interessantíssimas como, por exemplo, que ele produziu um “cd contemplativo”. Veja bem, quando li isso, imaginei que seus fãs devem comprar o “cd contemplativo” para colocar em algum lugar da estante e ficarem horas olhando para ele até alcançarem o nirvana. Mas não. Segundo o padre Marcelo “você o coloca para tocar e ele leva você ao ágape, que em grego antigo significa amor divino". Que beleza! Um cd contemplativo que emite som! Nessa matéria fiquei sabendo ainda que o padre Marcelo cultuava o corpo quando jovem, e que já caiu duas vezes da esteira onde costuma correr. Tudo bem, por que um padre não poderia se preocupar com a saúde do seu corpo? Mas ele chegou a pensar que seus tombos eram resultado da inveja alheia. Não falou em olho gordo, mas inveja, o que é diferente. E está na bíblia. Decididamente a data 11 de setembro deve ter algo que transcende outras datas. Porque desse trecho em diante meu vizinho de cima passou a gritar para o da vila para que o mesmo abaixasse o som. Sai no terraço para ver quem estava gritando e um ovo endereçado ao vizinho de baixo passou bem rente a minha cabeça. Voltei para terminar de ler a entrevista e descobri que o padre Marcelo usou medicamentos que misturam finasterida com menoxidil para conter a calvície, remédios esses que podem afetar a potência sexual, mas que ele não se preocupa com isso porque é celibatário. Por algum milagre, o vizinho desligou o som e eu pude continuar a ler o jornal tranquilamente. Foi quando descobri que o padre Marcelo também acredita em milagres e já viu alguns. E que ele ainda não crê que possa provocá-los. Mas contou que só de por a mão na barriga de uma de suas fiéis que desejava ter filhos e perguntar a ela se ela tinha fé, a moça engravidou, que aquilo é um dom, o dom de tocar. É verdade. Pense na história que acabei de contar, do ovo que tocou a cabeça do meu vizinho, no bem estar que esse milagre provocou a todos os moradores que moram na redondeza, aquilo foi um milagre, provocado pelo dom de tocar, vindo diretamente do céu.

8.9.11

APERITIVO

DISSONANTES
Sergio Keuchgerian

Dissonantes é o terceiro livro do escritor Sergio Keuchgerian e o segundo dele lançado pelo selo Mundo Editorial. O título, que nos leva a pensar em sons desarmônicos, reflete o universo dos personagens que compõem um romance moderno e sintonizado com o espírito do tempo em que estamos vivendo. Mas é quando a clareza de um título nos dá a impressão de que não é preciso nenhum subtexto para compreendê-lo, que inúmeras nuances e interpretações surgem para confundi-lo. É bem provável que Mário, o personagem principal de Dissonantes desconfie do tempo como medidor de conhecimento entre as relações humanas. Certo é que hoje ele desconfia tanto das histórias de amor que parecem fadadas ao final feliz como dos sons harmoniosos de qualquer música capaz de nos fazer chorar. Por outro lado ele foi obrigado a confiar em seus temores. Afinal foram eles que o obrigaram a seguir em frente desde o princípio e que serviram de alerta face às armadilhas que ele encontrou pelo caminho. Dissonantes é apenas um dos sinônimos que vem a sua cabeça quando ele escuta sons em desacordo.

Se Mário precisasse responder à pergunta “quanto tempo é preciso para se conhecer uma pessoa?”, ele provavelmente não conseguiria respondê-la. Seus pensamentos o levariam inevitavelmente a Viena, cidade onde viveu e conheceu Anna e Renato, Uli e Yumiko e tantas outras pessoas que fizeram parte da história de sua vida. O mundo, quando ele os conheceu, ainda tinha de um lado os países capitalistas e do outro os comunistas. O surpreendente triângulo amoroso vivido no período vienense, o retorno ao seu país de origem e as descobertas que fez sobre si mesmo e sobre o grande amor de sua vida fazem parte de um contexto que apenas aparentemente não tem conexão com os eventos que alteraram o mapa político e social de sua época. O amor, a arte e a morte são os temas desta história narrada de maneira simples e objetiva, nem por isso sem o rigor da reflexão intelectual, por vezes dolorosa, da realidade de um homem em busca do conhecimento de si mesmo.

Sobre O Autor

Sergio Keuchgerian nasceu em São Paulo, em 25 de janeiro de 1962, e é formado em Direito. Atualmente vivendo em Paris. De 1988 a 2000, morou na Áustria, onde trabalhou com moda e fotografia. De volta ao Brasil, se especializou em fotografar espetáculos teatrais e advogou. Diário da busca e Contos indiscretos são seus livros publicados.












Foto Ricardo K.

Serviço:

Dissonantes
Páginas: 168
Preço: R$ 35,00
Formato: 14cm x 21cm
ISBN: 9788599802144
Acabamento: Brochura

Contatos:

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Mundo Editorial
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5.9.11

PARA FACILITAR A DIGESTÃO

Ontem assisti um filme na tv chamado “Bom Apetite”, um filme espanhol que conta a história de três jovens cozinheiros (um espanhol, um italiano e uma alemã) que trabalham num restaurante conceituado em Zurique. Uma historinha bem contada, com bons atores, mas com desenrolar e final previsível. O que ficou do filme foi um pensamento que me acompanhou hoje o dia inteiro. A velha obsessão de tentar reconhecer o que é real e o que é ficção dentro de uma cabeça apaixonada. No filme, a alemã que trabalha no restaurante como sommelier, tem um relacionamento com o chefe. Ela acaba se abrindo com os dois amigos, mas não consegue se convencer dos seus argumentos sobre as verdadeiras intenções do chefe. Bom, ela está apaixonada por ele, e isso é o suficiente para cegá-la. Já estive em situações parecidas, e me lembro de ter tido consciência do que realmente estava acontecendo, mesmo que essa consciência não fosse de toda clara. Preferi deixar rolar, investi na história para ver o que aconteceria depois. Não teria adiantado em nada se algum amigo tivesse querido me preservar do futuro desastre que só ele conseguia ver naquele momento. Porque você está totalmente infectado com o vírus da paixão. Ele se mistura ao sangue e impede que qualquer argumento racional seja mais forte do que aquilo que está sentindo. Você se torna viciado em seus próprios sentimentos, você gosta de estar sentindo o que sente, a sensação é muito parecida com os efeitos de qualquer uma dessas drogas que proporciona bem estar. Na condição de apaixonado você é impelido a acreditar naquilo que quer e não na razão ou no que outros dizem. Vi o filme até o fim porque queria ter certeza de que o roteiro terminaria do jeito que imaginei. E ele terminou exatamente como pensei. Mas de volta a realidade e as minhas reflexões. Se eu tivesse esse poder de prever e interromper o andamento das situações antes que elas pudessem me machucar, acho que eu não ia ser mais feliz ou satisfeito. Distinguir a ficção da realidade não ajuda a gente a ser mais feliz ou sofrer menos. E a vida seria simplesmente horrível se não criássemos situações fictícias para suportá-la. Ou você vê algum sentido nela?

4.9.11

METRÔ

Fui recarregar meu cartão de embarque do metrô, o Cartão Fidelidade. Havia uma fila imensa e eu não tinha certeza de que eles aceitariam cartão de débito ou crédito. Fiquei na fila e quando fui atendido a atendente me disse que não aceitava cartões como forma de pagamento, só dinheiro. Reclamei. Ela me apontou as máquinas automáticas ao lado do guichê de venda de tickets que aceitavam cartões. Eu não estava sabendo da implantação dessas máquinas. Foram instaladas esta semana e são muito simples. Então recarreguei meu cartão ao lado de uma atendente que estava lá para explicar a novidade aos usuários. As máquinas aceitam apenas os cartões de débito. O que já é um avanço. Mas não entendo porque não é possível passar o cartão nos guichês de venda. Por que quando implantam um sistema não o fazem de maneira eficaz? De qualquer forma, as instalações dessas máquinas automáticas nas estações facilitam a vida do usuário e talvez representem a morte das plaquinhas com as inscrições "sem sistema" que estamos cansados de ler quando precisamos recarregar os cartões. Até que enfim!

À propos metrô, nesse meu último sejour em Paris conheci algumas pessoas que não utilizavam o metrô e preferiam pegar táxi para se locomover de um lugar ao outro. Todas elas eram brasileiras. Nunca ouvi de nenhum amigo de origem estrangeira qualquer coisa parecida, ao contrário, todos utilizam o metrô sem problemas, quando há críticas elas não têm cunho preconceituoso, mas a necessidade de trens mais novos ou ligações não existentes entre estações e etc. Quando eu perguntava a esses brasileiros por que não utilizavam o transporte público, as respostas eram burras e preconceitusas, ou era “o tipo de gente” ou “está sempre cheio”, ou eu sei lá qual bobagem usavam como argumento para não utilizá-lo. Quando eu dizia que táxis são muito mais caros ou que elas perderiam muito mais tempo nos congestionamentos, ou ainda que a estação do metrô ficava a 50 metros do hotel onde estavam hospedadas e que elas sairiam em frente ao destino desejado, elas olhavam para minha cara como se eu tivesse chutado a imagem da Nossa Senhora Aparecida. São as mesmas pessoas que não fazem uso do metrô no Brasil e que provavelmente só se locomovem pela cidade utilizando carros blindados. São as mesmas que se consideram diferentes das outras e por isso não querem se misturar com os outros. No começo ficava indignado com a ignorância e prepotência dessas pessoas, com o tempo a indignação deu lugar a um misto de pena e desprezo.

Sim, o metrô de Paris, assim como o de Viena ou o de Londres está sempre lotado como o daqui. E todo mundo tem umbigo. Alguns mais bonitinhos que os outros, mas a gente só consegue ver o umbigo dos outros quando olha para outras barrigas, se ficar olhando apenas para a própria, nunca vai descobrir diferenças. Mas do que é que eu estou falando? De autocrítica. E de meio de transporte. E de diferenças. E da educação que pode interferir na cultura de um povo e etc...

1.9.11

REFLEXÕES

Quando saía de casa hoje de manhã deparei com um sujeito gritando no meio da calçada com uma garrafa de plástico grudada no ouvido. Ele falava e gesticulava como se tivesse um interlocutor do outro lado da linha de seu suposto telefone celular. Lembrei imediatamente da crônica de hoje do Contardo Calligaris na Folha de São Paulo, em que ele comenta os recentes saques nas ruas de Londres e faz um pequeno paralelo com a Revolução Francesa. Calligares fala um pouco sobre a idéia que temos do que são produtos de primeira necessidade hoje e na época. Fala também da mutação dos códigos de valores da sociedade contemporânea, que hoje muito mais têm a ver com os objetos que possui do que com sua origem social. Uma reflexão clara e objetiva, apesar do pouco espaço em sua coluna. Não dá para discordar de seus argumentos, basta observar as pessoas nas ruas. Talvez sem seu “telefone celular” eu também não teria notado o sujeito que passou por mim na calçada.

Um quarteirão acima, a caminho do supermercado deparei com uma família inteira dormindo a céu aberto. Caixotes, restos de comida, cobertores, uma tv, dois cães, um casal e duas crianças ocupavam parte da calçada. Sempre que sou confrontado com uma situação dessas penso em como essas pessoas chegaram ali, a ponto de perderem tudo e ir parar no olho da rua. Penso de onde vieram e o que vai acontecer com elas, para onde vão e se um dia terão uma vida digna. Não vou entrar na discussão do papel do estado porque tenho muitas dúvidas a respeito da eficácia do braço estatal para resolver essas questões depois que ela chegam a esse ponto. Acredito que os investimentos deveriam ter sido feitos muito antes, preventivamente. Não consigo acreditar no crescimento de nenhum país que não invista na educação de seus cidadãos. Você pode me dizer o que quiser sobre o crescimento econômico do Brasil nos últimos dez anos e da suposta inclusão de sei lá quantos milhões de pessoas no mercado, mas eu não consigo ver nada disso na prática e no cotidiano. A pobreza impera. E não falo apenas da pobreza material, falo da pobreza intelectual, das péssimas condições de ensino do país e no atraso que isso representa num mundo cada vez mais competitivo e globalizado. Se você sair do seu meio de “gente diferenciada” e ir conversar com aqueles que imagina menos diferenciados, vai perceber que não tem muita diferença entre esses mundos, uns podem ter mais condições econômicas que os outros, mas no geral o bem estar para eles está diretamente ligado a sua força consumidora e posses. Acredito que o diferencial entre sociedades que são mais ou menos evoluídas (não venha me dizer que o conceito de sociedades evoluídas é relativo) esteja na força intelectual de seus integrantes. Pode-se aprender a pensar. O poder de reflexão do indivíduo é também sua força, é ele que vai proporcionar uma visão mais crítica sobre si mesmo e sobre seu entorno, e isso vai refletir coletivamente.

30.8.11

OSCILAÇÕES

Talvez tenha sido o forte calor do dia, não estou muito certo, talvez a temperatura interferido no meu humor. Mas hoje a coisa virou, coalhou. Sei. Você vai me dizer para ter paciência, mas esse nunca foi meu forte. Eu tenho tentado ser paciente a vida inteira, algumas vezes consigo me conter, outras, sinto esse desconforto que senti hoje o dia inteiro. Vontade de ditar as regras para que as situações deixem de ser um problema e se transformem em soluções. Mas quem quer soluções não é mesmo? E eu sinceramente venho perdendo aquela vontade de dizer o que deve ser feito a quem quer que seja.

Nesses momentos gostaria de ter o talento de Richard Strauss que musicou um poema mediano de Heinrich Heine chamado “Schlechtes Wetter” (tempo ruim) de forma primorosa. A alquimia dos gênios. Mas esse tempo ruim impregna e me transforma nele próprio. Sinto na pele o dia quente e melado e perco meu tempo ao invés de criar, transformar, produzir. Não tenho espírito macunaímico, gosto enquanto personagem de literatura, mas no dia a dia prefiro não encontrar nenhum pela frente.

Por outro lado, porque graças a Deus sempre tem um outro lado que pode funcionar como um refresco, hoje no final da manhã meu irmão veio fazer algumas fotos que eu terei que escolher para orelha do “Dissonantes” e divulgação. E foi bom tê-lo próximo, ser observado através de suas lentes, reencontrá-lo. As fotos ficaram muito boas, não vou postá-las aí porque minha porção narcísica é bem tranqüila, mas vocês vão poder vê-las nas matérias de divulgação e no livro. Sim, o lançamento está confirmado, no dia 5 de outubro na livraria da vila do pátio Higienópolis. E dessa vez não serão enviados convites, a notícia terá que rodar via todas as vias possíveis.

26.8.11

REGISTROS

Na quarta fui com uma amiga assistir a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen, acompanhada por Christian Tetzlaff na Sala São Paulo. Duas das peças que eles executaram eu gosto bastante, “Verklärte Nacht” do Schönberg e o concerto para violino de Mendelsohn-Bartholdy, as outras duas, o concerto para violino e orquestra de Mozart e a sinfonia n°8 de Haydn ,eu teria preferido ouvir em outra ocasião. Porque destoaram do programa e perderam a força. Ao lado de Schönberg pareciam música ambiente, de fundo. Entendo que talvez eles tenham tentado mostrar um pouco do que podem e sabem tocar, mas eu teria escolhido um repertório mais adequado ao tamanho da orquestra, quero dizer, obras mais intimistas, que exigem mais técnica do que força.

O que mais tem me chamado a atenção desde que cheguei em São Paulo é a comunicação entre as pessoas, o tato na conversa e nos diálogos necessários nas atividades cotidianas. Nós gostamos de nos autodenominar simpáticos e cordiais, mas não é a percepção que tenho tido. Os diálogos são rudes, não há gentilezas formais e necessárias na construção das relações, a degradação e a negligência no uso da palavra. Preste atenção, na falta de delicadeza, estamos descendo a ladeira no quesito educação. Ai que bobagem, você vai dizer. Eu digo que não, que algumas formalidades são condição sine qua non para a troca de conhecimento e respeito entre as pessoas. Estamos perdendo. Observe. A falta de educação é a regra. As vezes penso que perdemos o senso crítico. Esse deboche generalizado me dá arrepios.

A data do lançamento do meu novo romance, o “Dissonantes”, está programada para o dia 5 de outubro, o lançamento será feito na Livraria da Vila do Pátio Higienópolis. Quando estiver certo, confirmo no blog. Aliás, a nova livraria ficou linda. Vá conferir.

21.8.11

RETOUR

Chegando. Mistura dos sentimentos felicidade, desconfiança, expectativa e impotência. Tempo. Brückner e suas sinfonias me acompanham, me ajudam a refletir. O que ficou para trás, o que está no meio, o que virá. O dom da previsão não me foi abençoado. Minha casa. Meu único lugar. A partir. A ficar. A retornar. Uma única convicção: a de que não tenho nenhuma.

13.8.11

BÍLIS NEGRA

O impacto do início do filme “Melancholia” de Lars von Trier me lembrou o inicio de 2001 do Kubrick. As imagens do início extraordinário tendo como fundo musical o prelúdio de “Tristão e Isolda” de Wagner são tão marcantes quanto o início de Kubrick ao som de Strauss. De alguma forma o início dos dois filmes dialoga, mas a construção do roteiro e a intenção dos diretores são diferentes. O filme do dinamarquês me tocou profundamente porque explicita o mal estar e a falta de esperança que também sinto neste exato momento. A situação de sackgasse em que a sociedade contemporânea se encontra e continua fazendo de conta de que nada está acontecendo está ali. O encontro dos dois planetas, Melancholia e Terra, serve como anúncio desse fim de mundo que no filme é sentido de maneira diferente por cada um dos protagonistas. O marido de Claire, materialista que insiste em ignorar o perigo reafirmando os cientistas e suas explicações racionais para tudo, a própria Claire que teme o choque entre os planetas e o fim do mundo, aliás de seu mundo perfeito e confortável, e Justine que sabe que a catástrofe está perto e sofre no próprio corpo os efeitos de sua intuição. O filme é dividido em duas partes o que me agrada muito, já que assim o diretor consegue construir a história e diferenciar ricamente os papeis dos protagonistas. Ao trio se juntam os pais das duas irmãs, duas pessoas de visão de mundo opostas, ele beirando a infantilidade e a debilidade, ela cínica e descrente, e ainda o futuro marido de Justine que vai se ver forçado a compreender que Justine não é a mulher que ele havia idealizado, e mais o patrão de Justine e seu sobrinho abobado. Nesse grupo reduzido no qual os males da sociedade contemporânea estão representados, o malaise transparece e angustia. Perfeito. A festa de casamento se degringola. Lentamente a decadência vem a superfície, a começar com a limusine branca com sei lá quantos metros de cumprimento que não consegue fazer a curva e empaca na lama. A percepção do fim dos tempos é sentida de diferentes maneiras por essas pessoas, com exceção do filho de Claire não há inocentes. O romantismo da música de Wagner e o simbolismo das imagens surreais dão o contrapeso ao racional e ao irracional, nada mais tem importância quando o fim do mundo está próximo, mas nem por isso somos poupados.

Na quarta viajo para o Brasil. Por quanto tempo? Não sei. Vou tratar do lançamento do meu terceiro livro que deve sair no final de setembro ou início de outubro, cuidar de outros assuntos e esperar o fim do mundo chegar, com choque de planetas ou não, 2012 está próximo, catástrofes estão no menu previsível dos videntes. Mas os verdadeiros videntes são os que admitem não conseguir predizer o futuro. Deixar-me surpreender pelo que vem pela frente.

7.8.11

ABRINDO GAVETAS

No livro que reúne a correspondência entre a escritora Colette e sua amiga e atriz Marguerite Moreno, há um trecho que me toca em especial que é o seguinte: “imagine você que eu chego aqui, almoço sozinha, abro a gaveta da minha escrivaninha... e uma carta cai, apenas uma carta: era uma carta da minha mãe, uma das últimas, escrita a lápis, com palavras inacabadas e que já anunciavam sua partida... o que é curioso, a gente resiste vitoriosamente as nossas lágrimas, a gente se segura muito bem nos minutos mais duros. E depois... a gente descobre florir, uma flor ainda ontem fechada, uma carta cai de uma gaveta, e tudo cai.” A descrição do momento em que a vida cotidiana é interrompida pelas lembranças provocadas pela carta que cai da gaveta e a remete a uma outra dimensão da vida me é familiar. Conheço essa mesma sensação de desvio involuntário do trajeto dos meus pensamentos. De estar seguindo uma direção quando um som, uma palavra ou até mesmo o cheiro de um perfume basta para interromper o percurso do dia e o sentido da vida e me remeter a outro que eu acreditava já ter percorrido. (tradução espontânea do trecho da carta)

Das composições feitas por Prokofiev para violino e piano gosto muito das “cinco melodias opus 35 bis”. Elas foram inicialmente escritas para voz e piano e o violino nesse caso assume o papel da voz. Delicadas e precisas, parecem muito mais simples do que realmente são. Ao reescutá-las o refinamento da composição vem a superfície. Como quase toda a obra dele.

Diálogo entre duas garotas entre as prateleiras de uma livraria onde estive hoje a tarde.
Segurando o livro “Diário de Anne Frank”, uma garota perguntou para a outra se deveria comprá-lo ou não.
- É super triste, a tal da Anne Frank fica trancada num sótão porque tem que se esconder dos nazistas, e como não tem o que fazer passa o dia escrevendo sobre tudo o que lhe vem a cabeça, o que come, os barulhos que escuta, como vive lá dentro e etc.
- Ai deve ser bem chato, acho que não vou levar.
- Se você quer se divertir é melhor desistir de ler qualquer coisa e ir logo dançar.
- Mas você disse que adora ler e que eu deveria fazer o mesmo para me distrair.
- É, mas eu não leio para me divertir.
- Então por que você lê?
- Para não ser obrigada a escutar as bobagens que os outros falam.

2.8.11

ENTORNO


Clarões de independência são nuvens que se abrem e deixam que a luz do sol ilumine teu caminho novamente. Nada religioso ou místico, apesar de ser possível ver imagens parecidas nas obras de grandes pintores que pintaram anunciações provenientes dos céus. Por que isso acontece, de repente (ou não tão de repente assim) depois de meses envolto em nuvens cinzas que bloqueavam a visão da esquina mais próxima? Não sei. Mas num dia comum, sem aviso prévio, elas se abrem e deixam a luz do sol passar. E você volta a respirar normalmente.

Parei para tomar um café numa Brasserie ontem na hora do almoço quando voltava do Hospital Cochin no 14ème. Nada mais curioso e interessante do que observar conterrâneos e escutá-los. Por acaso sentei-me ao lado de dois casais de brasileiros que faziam comentários sobre a diferença de preços sobre comida e bebida e que usavam duas cadeiras e mais o entorno das duas mesas que ocupavam com suas sacolas de compras. Falavam num volume de voz acima do normal, e provocaram o deslocamento de uma dama e seu cachorrinho para uma mesa pouco mais distante. Brasileiros sempre perturbam a ordem, quase nunca por algum tipo de idealismo ou contestação necessária, mas quase sempre por falta de educação e por se acharem donos do mundo ou a última coca cola do deserto. Minutos depois a mesma mesa da velha senhora tchekoviana foi ocupada por três mulheres, duas senhoras e uma mocinha, também brasileiras. Discutiam em tom de voz alterado. Não sei porque. Mas depois de alguns minutos, uma delas disse a mocinha em tom sussurrante: “pelo amor de deus fale mais baixo porque na mesa ao lado tem brasileiros e eu não quero me misturar a eles”.

Perdi uma amiga esta semana. Uma alemã que conheci quando morei na Austria e nos tornamos muito próximos. Ela faleceu com quase 80 anos. Veio me visitar em abril aqui em Paris onde visitamos juntos a exposição do pintor alemão Cranach no Luxemburgo, assistimos Julio César no Garnier e jantamos juntos todos os dias em que ela esteve na cidade. Teve uma vida dura. Ainda menina perdeu os pais na segunda guerra, casou-se e mudou-se de Munique para Wels onde a vida provinciana, o marido alcóolatra e o marasmo fizeram-na refugiar-se no mundo romântico das óperas. Eu aprendi muito com essa amiga. O convívio durante o tempo em que morei em Wels desenvolveu-se rapidamente e nos tornamos bons amigos. Falávamos sobre muitas coisas, mas música, literatura, comida (ela (como eu) adorava comer e beber e era elegantíssima) e a decadência do mundo eram nossos temas favoritos. Seus últimos anos de vida foram feitos de viagens. Viajava atrás das óperas que queria assistir e tinha os olhos bem abertos para o que estava acontecendo. Numa das últimas conversas que tivemos, ela me disse que havia aprendido a ver as pessoas como elas realmente são e não como gostaria que fossem. Já está fazendo falta. Ruh in frieden.

30.7.11

TIC TAC TIC TAC



Os últimos dias da semana foram de constatações. Saber esperar é algo que não se aprende voluntariamente, mas na marra. Os acontecimentos têm seu próprio tempo, que na maioria das vezes não é o que desejamos, mas que dita o nosso, então o melhor a fazer é seguir os conselhos da sexóloga/política Marta Suplicy quando ministra do turismo, não se estresse, se renda, relaxe e goze.

Esperar. Sentar num café e esperar. Ou ir a uma pequena exposição gratuita no Hotel de Ville chamada “Paris no tempo dos impressionistas” que relaciona os pintores que viveram em Paris na segunda metade do século 19 com a reconstrução da cidade feita por Haussmann. Enquanto se espera pode-se também amadurecer a visão, quero dizer, a percepção do real e do entorno. Devo ter passado pelo menos algumas dezenas de vezes diante da obra intitulada “Seule” de Toulouse Lautrec nas minhas inúmeras visitas ao Musée Dorsay, mas ela precisou sair de lá e vir para o Hotel de Ville para eu percebê-la. Uma pequena tela, óleo sobre papel, que por razões que eu não saberia explicar, dessa vez me fisgou.


O tempo esta semana também me fez sentir seu lado sádico. Esperei dias para dar continuidade a um conto que havia começado a escrever e não sabia mais o que fazer com ele. Esperei. Sentado. Dias. Noites. Até que ontem movido pela insônia resolvi retomá-lo e voilá ele ganhou vida. Bom. Quase terminado.


Esperar o tempo amadurecer reflexões e decisões pode ficar mais agradável se você fizer uso de instrumentos que tem a mão. Para quem gosta de musica clássica, uma boa alternativa é ouvir a Radio Classique Française pela internet. O site é o http://www.radioclassique.fr que trás um programação variada e rica, fugindo da transmissão pautada pela mesmice das outras rádios.

Idéias fixas, obsessões e compulsões de qualquer tipo não são antídotos contra esse lado sádico da personalidade do tempo. Isso só agrava a aflição e confere poder a ele. Não tem como escapar dessa equação, se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega.

28.7.11

GARANTIAS



Num certo momento do percurso de suas vidas eles tiveram que decidir entre continuar juntos caminhando sob a chuva e permitir que ela encharcasse seus ossos ou correr cada um protegido pelo seu próprio guarda chuva. A primeira alternativa apontava riscos, com o tempo e a quantidade de água absorvida, seus ossos terminariam apodrecendo. O sonho de terminarem eternizados como esqueletos numa escola de medicina não se realizaria. A segunda alternativa certamente era a mais segura, os riscos de doença estariam minimizados a porcentagens baixíssimas, estariam protegidos de resfriados e dores de ouvido. Sempre optaram por se prevenir ao invés de remediar, enfim e breve, por que contrariar regras? Alterar percursos, mudar receitas, melhor não. Optaram pela segunda. Morreram depois de muitos anos, seguros, protegidos e secos. No atestado de óbito a mesma causa mortis: osteoporose.

25.7.11

TRAÇOS

Estou no meio da leitura de um livro que comecei a ler no final de semana. A autor é inglês e se chama David Nicholls e o romance saiu aqui na França com o título “Um jour”. Não sei se foi lançado no Brasil, mas se foi e a editora que o lançou foi fiel ao título, ele deve se chamar “Um dia”. Roteirista de televisão e cinema o autor soube construir a história com uma narrativa daquelas que vão te envolvendo lentamente. Ele situa o par na década de oitenta e a gente os acompanha, os encontros e desencontros, os pensamentos tipos da classe social a qual pertencem, como cada um deles desenvolve a própria vida, até chegar na década de 2000 e etc... O livro é bom, bem escrito, mas o que me chama a atenção durante a leitura é o fôlego narrativo do autor. De alguma forma acho que a gente consegue descobrir a nacionalidade do escritor através da dinâmica que ele impõe a sua escritura. Noto nos escritores ingleses essa calma necessária e quase nada ansiosa de nos contar o que querem nos contar em suas histórias por meio dos detalhes que escapam (intencionalmente) do perfil dos personagens. Você vai me dizer que todos os escritores fazem isso. Sim, é verdade, mas dependendo de suas origens e nacionalidades eles fazem isso de maneiras diferentes. Não há uma unidade, não poderia dizer que todos os autores ingleses escrevem de um só jeito, ou todos os brasileiros escrevem de uma única maneira, mas há uma tradição que, acredito, é aprendida através das leituras e outras influencias como o meio onde ele vive, origem, nível social e sei lá mais o que. Por mais contemporâneo, moderno e inovador que ele seja, ele não consegue se livrar de alguns traços de ligação com outros escritores da mesma nacionalidade. Poucos são os escritores que de tão geniais fogem a essa tradição inconsciente. Eu disse geniais, e gênios quando existem, não se enquadram a nenhuma regra.

Assisti a um documentário feito por Hugues Le Paige chamado “Le prince et son image” em que o jornalista acompanhou e filmou Miterrand de muito perto no seu dia a dia como presidente. O documentário expõe a construção da imagem em torno do ex-presidente francês. Miterrand incorporava a imagem do poder e soube fazer uso dela. Todo o entorno, o partido, seus ministros, secretários, amigos, amantes, jornalistas, ajudaram a construir o mito. O documentário não é nada isento da intenção, não idolatra o ex presidente, mas não é neutro. Serve para mostrar como a forte personalidade de Miterrand influiu nesse processo. Eu me impressiono com pessoas que como ele representam o perfeito casamento do ser e do estar. São pessoas que produzem uma imagem de si mesmas com inteligência e sabem como manipulá-la no cotidiano. Elas acreditam nelas antes de todo mundo começar acreditar que elas são como as pessoas às vêem. E esse jogo de espelhos se faz rapidamente. Miterrand se acreditava um homem forte. Foi assim que ele construiu sua imagem. Calculando, interferindo intelectualmente, escolhendo palavras, impressionando pela formalidade, talvez ele não tivesse conseguido se não tivesse esses traços de caráter dentro dele. Não consigo imaginá-lo descontraído, livre de pensamentos cartesianos, analisando a lógica em tudo. Dizem que era um sucesso com as mulheres. Talvez a aura do poder o ajudasse a conquistá-las, mas a intimidade, o diálogo interno, é isso que eu gostaria de saber, como será que esse homem pontiagudo dialogava com si mesmo. Quais eram seus temores, em quais situações duvidava de si, enfim, quando a imagem não era suficiente para encobrir os malaises.

22.7.11

DIFERENÇAS INCURÁVEIS

Eles se conhecem há 43 anos. Dessas mais de quatro décadas viveram juntos 25 anos, uma história de amor dedicado e profundo mas repleta de pequenas traições e reatamentos até o dia em que chegaram a conclusão de que o melhor seria a separação. Há 18 anos estão separados. Depois da separação ficaram quase dois anos sem se ver e sem se falar, mas voltaram a se encontrar. Depois do reencontro mantiveram aquele tipo de distância que está longe de transformar duas pessoas que já foram muito íntimas em estranhas, mas que está ainda mais longe de ser capaz de resgatar antigos sentimentos. Um encontro por acaso aqui, outro acolá, telefonemas nos respectivos aniversários. Atualmente eles moram em cidades diferentes. Um em Paris, o outro em Nice. O de Paris, hoje com 80 anos é o que ficou sem par. O de Nice, três anos mais jovem, é o que vive há 18 anos com o companheiro que motivou o rompimento. Antes de ontem o de Paris enviou um cartão postal para o de Nice lembrando-o do aniversário do dia em que se conheceram. Escreveu a data em números romanos, lembrou dos apelidos e de como costumavam se chamar na intimidade e no final completou o texto reafirmando o amor eterno apesar do tempo e da separação. Não queria recuperar o antigo amor, mas resgatar sentimentos que um dia fizeram parte da vida dos dois. Esperou um telefonema de agradecimento até três dias depois da data do aniversário. Segundo sua experiência a entrega do cartão poderia ter sofrido um atraso. Esperou. Não obteve resposta. Ligou.
Você recebeu o cartão que eu te enviei?
Sim, o de Nice respondeu.
E?
E o que?
Você não vai dizer nada?
Dizer o que?
Se gostou, se ficou feliz, ou sei lá... qualquer coisa.
O que eu posso te dizer?
Sei lá, diga o que quiser, mas diga alguma coisa, você acha que foi fácil descobrir como se escreve as datas em números romanos?
Você não tinha a menor obrigação de fazer isso.
Não é uma questão de obrigação, mas... você sabe como é cansativo para um homem na minha idade fazer todo o percurso até o correio...
Fez isso porque quis...
Chovia sapos quando saí de casa...
Ai meu Deus, vai começar com as cobranças...
Queria te surpreender, dizer que ainda me lembro do dia em que...
Eu sei, eu sei, o maldito dia em que nos conhecemos.
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alôôô...
Preferia não ter te ligado, preferia ter acreditado que você não me ligou porque havia se emocionado com o meu gesto.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo sonhador romântico infantilizado.
Acho que vou desligar.
Está vendo, continua o mesmo.
Você também, quanta delicadeza!
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alô.
Preferia que você não tivesse me ligado, preferia ter acreditado que você enviou o cartão sem esperar nada em troca.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo calculista ingrato, frio e insensível.
Acho melhor a gente desligar.
Está vendo, eu não disse que você continua o mesmo.
Não. Fui eu quem disse isso antes.
Está bem, então faça de conta que eu não te enviei nenhum cartão e que também não te liguei.
É o que farei. Melhor assim.
É. Melhor assim.
Tchau, até a qualquer hora.
Tchau.

18.7.11

O QUE IMPORTA



O fim de semana foi de tempo ruim, chuva, frio, temperatura de outono. Um alívio. Odeio o calor do verão, ideal para mim é temperatura entre 15 e 20 graus, céu azul e sol. Paris com tempo fresco é sinônimo de menos gente nas ruas, menos manadas de turistas, mais espaço nas calçadas e Cafés com mesas livres. Aproveitei para terminar de ler o livro de Philippe Besson chamado “Se résoudre aux adieux” que poderíamos traduzir como “se resolve com despedidas”. Um livro feito de cartas escritas pela protagonista Louise que viaja para longe depois de ter optado pelo silêncio provocado pelo luto derivado pelo fim de seu relacionamento com Clément. Chato? Não. Triste? Também não. Realista e universal, do ponto de vista da identificação de sentimentos e reações que também já fizeram parte de nossas vivências. Tudo depende de como você encara a leitura de um livro e a própria literatura. Eu estou sempre procurando paralelos, seja na trajetória de vida do personagem ou no perfil psicológico. Se me identifico com algum personagem, vejo aí uma chance de descobrir alternativas e ampliar meu leque de reflexões. Os desconfortos emocionais são universais e incomodam tanto um chinês como um francês como um Senegalês. Amor é amor em qualquer lugar do mundo, guardadas as diferenças culturais que delineiam os costumes e regras de conduta social, as necessidades individuais no que concerne aos sentimentos humanos são basicamente as mesmas. Todo mundo quer encontrar o grande amor da sua vida, todo mundo sofre com a solidão da busca, todo mundo tem uma idéia preconcebida do que é ser feliz, morre-se e mata-se por amor nos quatro cantos do mundo. Como ele curou sua dor? Como ela resolveu suas angústias? As vezes a narrativa me ajuda a valorizar algumas reflexões, outras me faz pensar em coisas que não havia pensado quando experimentei as mesmas dores e alegrias. Um bom romance é capaz de iluminar espaços escuros no cérebro da gente.

Com a temperatura mais baixa caminhei bastante e vi dois filmes. Um dos anos 70 chamado “Deep end” do diretor Jerzy Skolimowsky, que também fala de amor. Um adolescente em fase de descoberta da sexualidade que se apaixona por uma moça que como ele cuida dos vestiários de uma piscina pública. O filme é primoroso, visto sob a ótica do triângulo roteiro, direção e fotografia. A trilha sonora é do Cat Stevens. Se tiver aí em dvd, vale pegar para ver como esse adolescente dá seus primeiros passos.

O outro filme que vi é argentino, e mais uma vez, não deixou a desejar apesar de não ter a profundidade anunciada logo no início dele. “Medianeras” de Gustavo Taretto começa muito bem, tenta traçar alguns paralelos entre arquitetura e o planejamento das cidades (aqui em especial Buenos Aires) e seus habitantes, mas com o passar do tempo, mesmo que com muita sensibilidade e humor ele acaba adocicando demais os alfajones. Claro que dá para falar da solidão sem ser amargo, mas o excesso de lugares comuns e clichês do solitário urbano para descrever o perfil dos dois personagens solitários acaba tirando a força dramática do filme. Mas o filme tem mais qualidades que defeitos, por isso quando sair aí no Brasil você não deve deixar de ver. E como são bons os atores argentinos!

Termino este post falando de amor, mas de um tipo que já não existe mais (ou será que ainda existe?), do amor profundo, capaz de fazer uma cortesã mudar de vida para dedicar-se exclusivamente ao seu amante, e em seguida abdicar desse amor por acreditar que estará fazendo o melhor por ele. Falo de Violetta e Alfredo, personagens de La Traviata, transmitida diretamente do festival de Aix em Provence. Nem vem me dizer que sou cafona, se há uma coisa que me emociona é personagem de ópera morrendo de/ou por amor. Natalie Dessay e Charles Castronovo fizeram o par. O papel do pai (Germont) foi belissimamente interpretado e cantado por Ludovic Tézier, esse barítono francês que está cada vez melhor. Gosto de Natalie Dessay, mas normalmente tenho um pé atrás (inesquecível como Rainha da Noite da Flauta Mágica de Mozart e Olympia nos contos de Hoffman, mas irregular em o Rapto do serralho). Dessa vez ela me convenceu (com alguns deslizes, logo no início não conseguiu a coloratura exigida) mas depois foi perfeita, bem como sua atuação, como atriz, demonstrando um controle físico impressionante. Em alguns momentos a coreografia me lembrou o balé da Pina Bausche. Castronovo é americano, escreva aí, se ele se entregar mais ao interpretar os papéis, pode ser um grande tenor, porque voz ele tem de sobra. O Le Monde fez uma crítica extremamente negativa da produção. O crítico (não me lembro o nome) disse que o papel era muito pesado para Natalie Dessay, que o cenário foi pobre, e que Alfredo parecia o filho da Violetta. Bobagens, nenhum fundamento, nenhum argumento plausível acompanhou sua crítica.

Você sabia que Violetta realmente existiu? Se chamava Marie Duplessis, morreu de tuberculose aos 23 anos e teve como último amante Franz Liszt? Dumas (filho ilegítimo do Alexandre) também foi amante dela e inspirou-se em sua história para escrever “A dama das camélias”.

15.7.11

PARTES DE UM TODO


Vamos começar por partes. Não. Não sei dividir em partes o que é um todo. Na minha cabeça um evento cotidiano aparentemente insignificante pode gerar tsunamis assassinos e botar abaixo anos de trabalhos dedicados a construção de uma mente saudável. A loucura. Ela está sempre presente. Mesmo que apenas como antônimo de sanidade. Instante. Ilusão. O que é real?

Vi duas exposições. As duas me atraíram pelo lado emocional. A primeira entrou por acaso no meu percurso de volta para casa. Descobri o Centro Cultural Gulbenkian aqui em Paris. Ele fica na casa em que a família morou antes de se mudar definitivamente para Portugal. Vê-se sua trajetória, o que fez, com quem casou, onde morou e pouquíssima coisa de sua coleção particular (hoje em Portugal). Mas logo na entrada, um Francesco Guardi que eu não conhecia já valeu a visita. Ninguém visitava o local no momento em que eu estava lá. Sentei, vi o documentário entrevista com o neto do Gulbenkian, descansei da longa caminhada e fui embora. Os armênios são bons anfitriões. Sempre. Faltou o café e alguma prima ou tia para ler a borra, mas a casa me acolheu. Ainda no caminho de volta entrei na galeria de arte Gagosian. Queria ver os retratos de escritores do fotógrafo Richard Avedon. Bons. Muito bons. Mas poucos. Queria ver mais. Sai de lá com a sensação de que não me mostraram tudo. Galerias de arte tem essa coisa compromissada com conceitos estéticos. Eu estou começando a ficar alérgico a esses conceitos. As fotos dos retratos não são acompanhadas com os respectivos nomes. A maioria dos escritores expostos é conhecida, outros não, não teria sido mais inteligente identificá-los. A assinatura Avedon é mais importante do que o reconhecimento da personalidade registrada?

Encontrei-me com uma amiga ontem a tarde para tomar um café. Escolhemos o Café Beaubourg ao lado do centro com o mesmo nome pela praticidade, já que no meio do caminho de nossas casas. Já falei dos garçons bonitinhos mas ordinários que trabalham lá. O Café não tem mais nada de chique, e agora no mês de Julho está tomado por turistas que são enxotados de lá quando querem comer seus sandwiches comprados em outra esquina e pedem um expresso para acompanhar. Não pode. Pas ici gentalha. Vai comer seu sandwiche barato em outras paradas, não aqui. Pois ontem dois dos garçons/modelos/boys/bundinhas arrebitadas trabalhavam no mesmo horário. Um deles, o da bundinha ainda mais arrebitada que o outro estava para lá de dispersivo. Equivocou-se por duas vezes ao trazer nossos pedidos. Minha amiga não perdeu tempo, disse, olho no olho: se errar na próxima, vou passar a mão na sua bunda. Os cafés vierem logo em seguida. Corretamente.

11.7.11

BAZAR

Até pouco tempo tinha como vizinho um jovem estudante marroquino. Sami o nome dele, como o personagem do meu primeiro livro. O rapaz é simpático, mas as vezes era barulhento, trazia amigos e festejava quase todo final de semana até altas horas da madrugada. Tive que reclamar algumas vezes com ele, tantas que com o tempo era só ele ouvir o barulho da minha porta se abrir que ele já abaixava o som e pedia para os amigos falarem mais baixo. Notei a sua ausência por causa do silêncio que se faz presente alguns dias. Perguntei por ele à zeladora do prédio (uma Argentina chamada Dolores, louca mas boa pessoa). Ela me disse que ele partiu para Casablanca de férias, mas que em setembro ele estará de volta. Ontem quase a meia noite, estava emperrado numa frase de um novo conto quando bateram na minha porta. Pensei que algum vizinho iria reclamar do Chopin que eu ouvia enquanto trabalhava. Abri e dei de cara com um sujeito que me perguntava num francês com sotaque árabe se eu poderia ajudá-lo a instalar os canais de sua televisão. Perguntei onde ele morava, ele me disse que era meu vizinho (o apartamento onde Sami morou até duas semanas). Quando entrei no apartamento dele me senti de volta aos anos 70 na casa do caseiro da chácara dos meus avós. Tudo lá é antigo e velho, sofás são grandes demais, tapete com uma mesa de centro de madeira escura de tampão de azulejos e pés em forma de patas de leão, quadros de feltro com inscrições em árabe douradas pendurados nas paredes, cortina de crochê e a televisão tão antiga que quando eu a vi pensei que seria impossível ajudá-lo. Ajunte agora a essas imagens um cheiro adocicado de cuscuz marroquino. Acrescente ainda dois sujeitos deitados em dois sofás posicionados um de frente para o outro comendo seus cuscuzes em tigelas coloridas sobre suas barrigas. No chão havia pratos recém esvaziados. O cuscuz marroquino tem um cheiro adocicado que eu não consigo suportar por mais de alguns segundos. Meu pensamento era um só: sair o mais rápido possível de lá. Parei de respirar. Consegui fazer os canais entrarem e se ajustarem automaticamente e tratei de me mandar de lá. Voltei rapidamente para o meu studio. Respirei varias vezes profundamente e depois resolvi tomar um banho porque achei que o cheiro do cuscuz estava impregnado nas minhas roupas e no meu corpo. Quando sai do banho bateram na minha porta novamente. Era o marroquino me trazendo um prato de cuscuz como forma de agradecimento. Não podia recusar. Peguei o prato, agradeci, entrei, fechei a porta e naquele exato momento pensei que só poderia estar fazendo parte de um pesadelo. O que fazer? Me senti um lixo, um sujeito mal educado e grosseiro, mas eu não comeria aquele cuscuz nem que todas as vacas do mundo começassem a tossir juntas. Enfiei tudo num saco plástico, depois em outro saco plástico e mais em outro e desci até a lixeira central do prédio e o depositei no cesto. Voltei, lavei a tigela colorida e hoje de manhã eu a devolvi. Por favor, tudo menos isto. Até do Sami e dos seus amigos barulhentos eu senti saudades.

À propros Chopin: profundo e frívolo. Tudo passa muito rápido de um estado ao outro.

Estou numa sintonia estranha com a dinâmica da vida. Não é a palavra que mais ouço nos últimos dias. E a que mais tenho falado também. Não venha me dizer para dizer sim que outros sins virão automaticamente. Isso é filosofia barata de botequim. E a vida é cara. Muito cara. Procurar respostas fáceis para questões complexas é coisa de gente preguiçosa. Tenho a impressão de que será preciso esgotar os nãos.

Em Brahms não há fraquezas. Não. Tudo é força e intensidade. Razão e emoção. Todos os sentimentos humanos se condensam em sua música.

6.7.11

PRAZERES

No final do dia fui ver a exposição do Manet no museu d’Orsay. Quando cheguei não havia mais a multidão que me disseram que eu encontraria. Foi tranqüilo. Pude me aproximar das telas e apreciá-las demoradamente. São uma beleza. “Olympia”, “Almoço na relva”, “A execução de Maximiliano” e outras menos conhecidas mas nem por isso menos belas. Estava com uma amiga austríaca de passagem por aqui. Saímos de lá e o sol ainda estava a pino, resolvemos então tomar uma cerveja num desses cafés próximos do museu. Descubro então no cardápio uma lista com cervejas belgas, as minhas favoritas. A cerveja belga tem um sabor diferenciado de todas as outras que conheço, são mais encorpadas que as outras e você pode sentir o gosto da cevada e do malte, algumas têm até 9,5 graus de álcool, mas para mim são imbatíveis, não há nenhuma que se possa comparar a elas. As que mais gosto são, Duvel, Trapistes (produzidas pelos monges trapistas), Chimay e uma particularmente diferente chamada Morte Subite que é feita com o suco de cereja (não faça caras e bocas antes de experimentar, é simplesmente deliciosa). São facilmente encontradas por essas bandas e normalmente mais caras que as alemãs, holandesas ou francesas, mas têm sabor incomparável. Se você tomar uma um dia, vai perceber que o que bebe no Brasil é qualquer outra coisa, menos cerveja. Porém, porque tem sempre que ter um porém, fica quase impossível bebê-las em restaurantes e cafés por causa do alto preço. Hoje no Café onde nos sentamos eles pediam 10 euros por uma Duvel. No supermercado você a encontra por 1,70 euros. Mas como o garçom fez questão de me dizer, “estamos em Paris”. Bom. Para mim isso se chama roubo. Saímos de lá e viemos bebê-las em casa, sem culpa, sem a sensação de que estavam batendo a minha carteira. Voilá, um amigo francês me disse que costuma encontrar algumas marcas de cerveja belga no Brasil. Procure por aí, se encontrar compre, deixe gelar e experimente, vai ser difícil tomar qualquer outra depois. Manet e cervejas, comecei falando de um e acabei falando de outra coisa, mas para mim os prazeres se misturam, tanto um como outro embebedam meus sentidos.

4.7.11

AMIGO TEMPO

Nesse trecho, a única voz que escutamos é a nossa. O som dos nossos passos serve como marcador de ritmo e presença, a noção de direção fica prejudicada. Caminhamos. Na companhia do tempo. Corredores do labirinto. Procuramos saídas. O gps está nas mãos dele. Os dias são longos. As noites curtas. Não há senha de acesso.

A loucura é um estado de intensa absorção em si mesmo. Não há contornos, não há sombras, não há diferenças entre o interior e o exterior. É preciso todo o esforço do mundo para se reconhecer e saber onde se está. A cura, quando possível, se dá quando permitimos que uma parcela do mundo exterior, pessoas ou objetos, ultrapasse e nos transporte de um lado para o outro.

Eu senti uma distensão dentro da minha cabeça,
Como se meu cérebro tivesse rompido
Eu tentei repará-lo – uma borda à outra
Mas não consegui mais juntá-las
Emily Dickinson

Pode essa cisão. Não ser a loucura, mas a cura. Novos territórios, nova cartografia. Nova organização física, ajustamento da mente. Limites. O que não coube numa borda pode estar contida na outra. No tempo.

30.6.11

JA VIROU PASSADO

Ficou para trás o ano letivo. Validei o Máster 1 na terça feira e isto foi o bastante para eu dizer a mim mesmo que não quero mais do que isso. Não vou fazer o segundo ano. Não me interessa me transformar em técnico de literatura, quero escrever e estava enlouquecendo por estar quase um ano engessado pela falta de tempo e obrigação de estudar. Foi bom? Oui, foi muito bom. Aprendi muito com alguns dos professores da Sorbonne, com outros me decepcionei, mas novamente aprendi muito mais sobre mim mesmo e meus limites do que qualquer outra coisa. Bastou acabar o curso para voltar a meus textos. Voltei a trabalhar num novo livro de contos que está pela metade e no romance que comecei a escrever aqui em Paris. É isso o que quero, o resto estava invadindo tudo. Ler e escrever. Contar minhas histórias e não analisar a literatura do ponto de vista disso ou daquilo, mas, capítulo encerrado. Estudar depois de ter saído da universidade há mais de vinte e cinco anos, freqüentar aulas ministradas em outra língua, escrever a monografia em outro idioma, sobre um tema difícil (novas tecnologias e o papel do escritor), imagine o quanto isso me estressou. Chega. Deu para voltar mais inteligente na próxima encadernação.

Ontem comprei o último livro da Siri Hustvedt que saiu por aqui. O título traduzido do francês para o português seria “Um verão sem homens” Como gosto do jeito que essa mulher escreve! Eu mergulho rapidinho nas suas histórias, Hustvedt é sempre delicada nas descrições e de uma sensibilidade que me toca profundamente. Dessa vez ela conta a história de Mia, uma poeta que cai em depressão e enlouquece quando o marido diz que eles precisam de uma pausa no casamento. Ele, um cientista que está tendo um romance com uma colega de trabalho vinte anos mais jovem. Ela faz a gente visitar a memória de seus personagens, compreender seus universos particulares, memórias de amores, de infâncias, o passado e o presente se misturam numa narrativa rica e emocionante. Um belíssimo livro novamente, mesmo que menos denso que “O que eu amava”, para mim seu melhor romance. Bom, fica aí uma dica de leitura para as férias de inverno (no Brasil, porque aqui quase torrei com o calor nos últimos três dias).

Numa cidade como Paris, onde o espaço público é usufruído na sua totalidade pelo cidadão o uso do celular pode se revelar uma das coisas mais invasivas e irritantes. É quase insuportável (digo quase porque ainda não peguei e joguei no chão o celular de ninguém, ainda, porque vontade não me falta). Você é incomodado com a conversa alheia no metrô, na rua, nas lojas, nos restaurantes, nos cinemas e também quando está caminhando. O que está acontecendo com as pessoas? Por que elas estão falando tão alto e contando suas vidas particulares publicamente? Agora com os foninhos de ouvido, a coisa piorou, as pessoas gesticulam, gritam e gargalham enquanto caminham parecendo um bando de gente louca. Você vai me perguntar, o que você tem a ver com isso, ignore. Não dá para ignorar quando você está almoçando e na mesa ao lado o casal, cada um com o seu celular, está falando ao mesmo tempo num tom de voz nada particular e contando suas histórias intimas entre um sushi e um sashimi. Pois é. Já contei de uma cena que presenciei no metrô, onde um dos passageiros começou a aplaudir o débil mental que falava ao celular e pediu para que todos aplaudissem. Hoje no restaurante japonês onde eu almoçava, um senhor levantou de sua mesa e reclamou com o casal de mesa ao lado. E não é que o casal se sentiu ofendido. Estupefatos eles olharam para mim como se dissessem “você viu que ele pediu para a gente desligar os nossos celulares?”, eu não titubeei, apoiei o senhor que reclamou, disse simplesmente que ele tinha razão. Pensei que eles fossem me matar, mas funcionou. Eles desligaram os celulares e o restaurante deixou de ser uma feira e voltou a ser um restaurante. Foi tão bom, uma sensação de paz inenarrável, depois da bronca só dava para ouvir os hashis se tocando. O casal exibicionista comeu e saiu olhando feio para todo mundo. Ora, não sou nem a Glorinha Kalil nem a Danuza Leão para ficar dizendo o que é chique e o que não é, mas tenha a santa paciência, falar alto já é de quinta, no celular então é o quinto dos infernos!

26.6.11

NÃO COSTUMA FALHAR

Ontem uma amiga me ligou tarde da noite. Me preparava para dormir e assistia a um documentário sobre Romeu e Julieta e Shakespeare quando o telefone tocou. Quis saber de mim, como estava e etc. percebi em sua voz que algo não estava bem. Falamos sobre isso e aquilo e quando a conversa foi ficando escassa ela me perguntou assim de sopetão se eu via algum sentido na vida. Não. Sinceramente quando paro para refletir não vejo o menor sentido na vida. Principalmente quando leio histórias trágicas ou reflito sobre o destino de algumas pessoas que já nascem condenadas de alguma forma. O sentido é a gente que dá, de diversas maneiras, despistando a ausência de respostas de alguma forma, mentindo para si mesmo, acreditando que vai deixar um legado para a posteridade, criando filhos e acreditando que está fazendo algo por eles, outros, como eu, escrevem livros e contam histórias para não enlouquecer, sei lá, mas sentido na vida eu não vejo. E o pior e mais difícil: a gente é quem tem que fazer alguma coisa, criar uma pele grossa para não deixar o quotidiano te ferir o tempo inteiro, senão a coisa te atravessa e você passa o dia sentado no banco da praça apodrecendo. Tem que fazer alguma coisa. Foi o que disse a ela, você tem que fazer alguma coisa, peloamordedeus, para de pensar e faça alguma coisa, não importa o que, atropele seus pensamentos fazendo limpeza, cozinhando, correndo, pintando, qualquer coisa, mas pare de tentar encontrar o sentido da vida. Devo ter sido tão enérgico que ela logo quis desligar. A pergunta me incomoda e me amedronta, por isso devo ter desembestado a falar. Eu mesmo tenho que cuidar das camadas de peles que fui adquirindo com o tempo para me proteger da ausência de respostas. Poderia ainda ter dito a ela que o pior é quando você compreende que ninguém consegue exercer esse papel de tutor da gente exceto nós mesmos, se você acreditar que alguém vai te pegar pela mão e te levar para o parque de diversões, vai se dar mal, pode até encontrar alguém que te leve, mas a graça nas coisas é você que vai ter que encontrar dentro de você mesmo. Depois que desliguei ainda consegui terminar de ver o documentário sobre Shakespeare e Romeu e Julieta. Temos que subverter a realidade, senão não suportaríamos viver, disse um dos diretores de teatro que falava sobre a peça. Do meu ponto de vista só a arte tem esse poder, o de te levar para um outro lugar, um lugar onde você é tocado e induzido a acreditar que algo faz sentido mesmo sabendo que a realidade é bem diferente. Shakespeare consegue nos tocar porque “Romeu e Julieta” mexe com essas ambigüidades, mesmo sabendo que tudo acaba, tudo é finito, tudo tem um tempo, ele fala do desejo da paixão eterna, do amor sem reservas que está acima do mal e do bem, da entrega sem limites, tudo que nós mortais queremos acreditar para fugir da ausência de sentido e da morte. Romeu era um playboyzinho quando conheceu Julieta, namorava outras garotas e sofria pela rejeição de Rosaline que não estava nem aí para ele. Aliás ele só conheceu Julieta porque foi a festa dos Capuleto achando que ia encontrar Rosaline. Bom aí o destino pregou uma de suas peças e provocou o encontro dos dois que se apaixonaram e deu no que deu. Hoje pouco antes da hora do almoço essa amiga me ligou novamente. Disse que estava um pouco melhor. Bom. Eu disse a ela para acreditar mais na providência divina. Ela riu. Você está louco? Não. Não estou. Melhor do que tentar encontrar um sentido para a vida é acreditar que a qualquer momento os ventos podem mudar de direção, é mais natural, menos racional, menos matemático, você só tem que acreditar, nada mais. Lógico que mesmo acreditando podem ocorrer algumas falhas no meio do caminho, basta lembrar do plano da Julieta e ver que o mesmo destino que os uniu também os separou. Bonne chance.

23.6.11

CAFÉ COMETA



No Café da esquina. Sentei-me onde costumávamos sentar. Como de costume Momo atendia as mesas do lado de fora. Não me reconheceu. Ou fez de conta que não me conhecia. Disse bonjour. Assim. Bonjouour! Alongado e exclamativo. Como só vocês parisienses sabem dizer. Eu respondi meu bonjour de sempre, o bonjour neutro, transparente, sem pontuação. Momo passou por mim algumas vezes. Acho que tentava adivinhar se você viria. Como de costume. Como costumávamos fazer. Quando sentávamos a espera um do outro no café da esquina. Momo me olhou de relance. Várias vezes ele me olhou. Procurava pelo outro. De relance. Eu também olhei para ele. De relance. Momo procurava por você. No olhar dele. Eu vi você. Nos olhos interrogativos de Momo. Você passou. Rapidamente. Como um cometa. Nem tive tempo de fazer meu pedido. Un café expresso s’il vous plait. Quando comecei a dizer a frase Momo desapareceu. Você desapareceu. Por algum tempo ainda. Continuei. Sentado. Esperando. Momo voltar. Com você. Na bandeja. Com um petit chocolat amer acompanhando as duas pedras de açúcar ao lado do pires. C’est pour moi? Eu teria perguntado fazendo de conta que havia sido surpreendido. Como costumava fazer. Quando você me dava o chocolate amargo do seu café. Tiens c’est pour toi. Para mim? Oui, para você.

Esperei. Sentado. Momo voltar. Para fazer o meu pedido. Um café. Expresso. No Café da esquina. Onde costumávamos sentar. Como um cometa. Momo desapareceu levando você. No olhar. Na bandeja. Com uma porção de pequenos chocolates amargos e pedrinhas de açúcar.