26.6.11

NÃO COSTUMA FALHAR

Ontem uma amiga me ligou tarde da noite. Me preparava para dormir e assistia a um documentário sobre Romeu e Julieta e Shakespeare quando o telefone tocou. Quis saber de mim, como estava e etc. percebi em sua voz que algo não estava bem. Falamos sobre isso e aquilo e quando a conversa foi ficando escassa ela me perguntou assim de sopetão se eu via algum sentido na vida. Não. Sinceramente quando paro para refletir não vejo o menor sentido na vida. Principalmente quando leio histórias trágicas ou reflito sobre o destino de algumas pessoas que já nascem condenadas de alguma forma. O sentido é a gente que dá, de diversas maneiras, despistando a ausência de respostas de alguma forma, mentindo para si mesmo, acreditando que vai deixar um legado para a posteridade, criando filhos e acreditando que está fazendo algo por eles, outros, como eu, escrevem livros e contam histórias para não enlouquecer, sei lá, mas sentido na vida eu não vejo. E o pior e mais difícil: a gente é quem tem que fazer alguma coisa, criar uma pele grossa para não deixar o quotidiano te ferir o tempo inteiro, senão a coisa te atravessa e você passa o dia sentado no banco da praça apodrecendo. Tem que fazer alguma coisa. Foi o que disse a ela, você tem que fazer alguma coisa, peloamordedeus, para de pensar e faça alguma coisa, não importa o que, atropele seus pensamentos fazendo limpeza, cozinhando, correndo, pintando, qualquer coisa, mas pare de tentar encontrar o sentido da vida. Devo ter sido tão enérgico que ela logo quis desligar. A pergunta me incomoda e me amedronta, por isso devo ter desembestado a falar. Eu mesmo tenho que cuidar das camadas de peles que fui adquirindo com o tempo para me proteger da ausência de respostas. Poderia ainda ter dito a ela que o pior é quando você compreende que ninguém consegue exercer esse papel de tutor da gente exceto nós mesmos, se você acreditar que alguém vai te pegar pela mão e te levar para o parque de diversões, vai se dar mal, pode até encontrar alguém que te leve, mas a graça nas coisas é você que vai ter que encontrar dentro de você mesmo. Depois que desliguei ainda consegui terminar de ver o documentário sobre Shakespeare e Romeu e Julieta. Temos que subverter a realidade, senão não suportaríamos viver, disse um dos diretores de teatro que falava sobre a peça. Do meu ponto de vista só a arte tem esse poder, o de te levar para um outro lugar, um lugar onde você é tocado e induzido a acreditar que algo faz sentido mesmo sabendo que a realidade é bem diferente. Shakespeare consegue nos tocar porque “Romeu e Julieta” mexe com essas ambigüidades, mesmo sabendo que tudo acaba, tudo é finito, tudo tem um tempo, ele fala do desejo da paixão eterna, do amor sem reservas que está acima do mal e do bem, da entrega sem limites, tudo que nós mortais queremos acreditar para fugir da ausência de sentido e da morte. Romeu era um playboyzinho quando conheceu Julieta, namorava outras garotas e sofria pela rejeição de Rosaline que não estava nem aí para ele. Aliás ele só conheceu Julieta porque foi a festa dos Capuleto achando que ia encontrar Rosaline. Bom aí o destino pregou uma de suas peças e provocou o encontro dos dois que se apaixonaram e deu no que deu. Hoje pouco antes da hora do almoço essa amiga me ligou novamente. Disse que estava um pouco melhor. Bom. Eu disse a ela para acreditar mais na providência divina. Ela riu. Você está louco? Não. Não estou. Melhor do que tentar encontrar um sentido para a vida é acreditar que a qualquer momento os ventos podem mudar de direção, é mais natural, menos racional, menos matemático, você só tem que acreditar, nada mais. Lógico que mesmo acreditando podem ocorrer algumas falhas no meio do caminho, basta lembrar do plano da Julieta e ver que o mesmo destino que os uniu também os separou. Bonne chance.

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