31.1.10

VIDA, VALORES, V...



Fui finalmente assistir o filme sobre a vida do Gainsbourg, ontem na primeira sessão da tarde. Assisti numa das salas de exibição do complexo no Les Halles. Preço do ingresso 9,50 euros (mais caro que no Brasil), mas a sala te oferece espaço e conforto e uma tela gigantesca com som de primeira qualidade. O filme é o primeiro do diretor Joan Sfaar que na verdade até agora só fazia quadrinhos. Se aventurou e na minha opinião se saiu bem. Fez um filme pop, um pouco no estilo (bem de longe, só como exemplo) do também filme pop sobre a vida da Maria Antonieta feito pela Sofia Coppola. Acho que ele conseguiu essa façanha porque soube contar a história do Gainsbourg sem fazer uma biografia tradicional. O filme é rápido, tem velocidade e ritmo como se tivesse sido feito para lançar o novo cd de alguma banda de rock. Inclui desenhos e bonecos de animação que representam seu ego e sempre aparecem para dialogar com o próprio. Começa com ele ainda menino, mostra a influência sofrida através da relação com pai e toda a tradição familiar judaica, e passa pela guerra antes dele se transformar no Serge Gainsbourg que conhecemos (seu verdadeiro nome era Lucien), comer todas as mulheres mais bonitas de sua época e fumar todos os cigarros do mundo. O leque vai de Brigitte Bardot (Laetitia Casta encarnou a Bardot como se fosse a mesma), Juliette Greco a Jane Birkin (luci Gordon, linda linda linda, mais bonita que a própria Jane Birkin foi). As imagens são bonitas, é muito bem fotografado, tem diálogos inteligentes e cheios de humor e consegue emocionar. O ator que faz o Gainsbourg (Eric Elmosnino) impressiona não apenas pela semelhança (incrivelmente parecido) mas porque fez muito bem o seu trabalho. Acho que vai ser um sucesso de bilheteria, porque além de bem feito, mexe com o sentimento de toda uma geração.




Falei do preço do ingresso de cinema lá em cima, se você achou caro é porque ainda não leu o que vou contar a seguir. Fui procurar um ingresso para assistir La Sonâmbula no Ópera Bastille. Nenhum ingresso para as próximas quatro apresentações (Natalie Dassey, soprano francesa que vi iniciar a carreira quando ainda morava na Áustria, está no elenco). Consegui comprar um dos dois últimos ingressos ainda restantes para o dia 23 de fevereiro. O preço: 150 euros, e não é o melhor lugar do teatro.

A vida encareceu muito por aqui. O preço dos alimentos no supermercado é altíssimo e o mínimo que você vai pagar se quiser comer em qualquer bistrozinho será por volta de 14 euros, sem somar a bebida e o cafezinho. Para uma taça de vinho, um mínimo de 6 euros. O número de engravatados e mocinhas de tailleur que a gente vê na hora do almoço comendo sanduíches ou garfando seus “tapawers” na rua não é por acaso. Faça as contas.

29.1.10

PRETO NADA BÁSICO


Se alguém dissesse que foi ver uma exposição onde quase a maioria das obras expostas é composta de telas pintadas de preto, fossem elas óleo ou acrílico e na sua total extensão, isto é, o preto toma conta de toda a tela, certamente a gente não conseguiria imaginar o que esse sujeito conseguiu ver. Pois há uma exposição no centro Pompidou com uma coletânea do pintor Pierre Soulages, que nem se eu me esforçasse muito conseguiria expressar em palavras a intensidade de emoções que ela é capaz de provocar. Soulages está com 90 anos agora, e praticamente quase toda a sua vida usou a cor preta para cobrir suas telas. Logo na entrada, as telas ainda em papel, obras de sua primeira frase, já dão mostra do que você verá. Pinceladas grossas e carregadas de tinta preta cheias de movimentos e energia. Então, apenas mais alguns metros e uma variedade de telas enormes, às vezes expostas sozinhas, outras vezes unidas e formando grupos de três ou quatro telas gigantes numa mesma parede, em sua totalidade cobertas de tinta preta te engolem e você não quer mais sair de dentro das salas. O negro das telas te obriga a interiorização, não existe obviedade, há alguns reflexos que dependendo do ângulo escolhido para observar a obra, você lentamente vai descobrindo novos movimentos. São as diferentes texturas que dão forma às telas, e em todas elas você sente a energia do artista. Há ainda uma sala em forma de U toda pintada de preto, nela estão expostas uma série de três telas enormes também pintadas em tinta acrílico preta, são obras mais recentes da década de 90, nas quais finas linhas paralelas, acredito que feitas com um vassourão ou outro objeto parecido, produzem um efeito de baixo relevo provocando a sensação de que elas estão iluminadas. Gostei demais dessa exposição. Quando saí procurei o catálogo e quando o folheei percebi que não teria sentido algum comprá-lo. As fotos não conseguem transmitir nem 10 por cento da qualidade do trabalho e da beleza das telas. Obras que devem ser vistas in natura, fotos e relatos como o que fiz agora só servem para dar uma idéia remota do que elas realmente são.

Aproveitei o dia chuvoso e visitei o acervo permanente do Pompidou. Vi algumas telas do Matisse que não conhecia. Seu auto-retrato diferentemente de suas telas, é carregado e passa a imagem de um homem denso e pesado. Muitas vezes nos vemos ou sentimos diferente da imagem que refletimos, outras são os outros que nos vêem de um jeito que não somos. Entre uma exposição e outra, almocei no restaurante do Pompidou, “Chez George”, uh lá lá, não sabia que era tão caro, mas valeu a pena, comida boa e panorama da cidade inteira a nossa disposição. Lotado, não de turistas, mas de franceses. Quando cheguei em casa meu amigo me disse ser quase impossível conseguir uma mesa à noite no “Chez George”.

Há um pequeno restaurante aqui no Marais que se chama “Le Gai Moulin”. É pequenininho e razoavelmente barato, a comida não é uma maravilha, mas melhor que em muitos outros restaurantes do mesmo nível. Nas terças feira têm um cabaré no subsolo que é muito divertido. Um sujeito se senta ao piano e outro canta canções antigas francesas imitando cantores(as). Eles têm a voz deliciosa e sabem como prender atenção de todo mundo, um deles se “monta” em público e faz outras gracinhas. Na última terça ele resolveu fazer um show do tipo Silvio Santos, no qual tínhamos que descobrir o nome das canções que ele apenas cantava a primeira frase. Quem acertasse levava um cd da dupla. Sebastian e seu amigo italiano que estavam jantando comigo sabiam o nome de todas. Ganharam um cd cada um. Logo que o show terminou um senhor certamente com mais de oitenta anos pediu para cantar algumas canções. O restaurante inteiro acompanhou. Emocionante ver aquela gente ainda muito jovem acompanhá-lo nas canções francesas. O corôa cantava bem e chegou a arriscar passos de dança, mais tarde, o proprietário do restaurante nos contou que ele fez parte de um grupo de muito sucesso há alguns anos, uma espécie de dzi croquetes daqui. Todos os outros já morreram.

27.1.10

PASSO A PASSO

Quem me conhece sabe o quanto gosto de caminhar. Costumo fazer quase tudo a pé em São Paulo, uso muito o metrô e tiro o carro da garagem somente quando é inevitável. Aqui em Paris, as caminhadas duplicaram ou triplicaram em distância e o metrô nos leva para qualquer parte. É quando caminho que exercito o diálogo comigo mesmo. Os pensamentos surgem e desaparecem sem aviso prévio, ou são interrompidos por alguma situação ou pessoa que vejo e me chama atenção. Imagens e pensamentos às vezes convivem sem conflito, na maioria das vezes as imagens vencem os pensamentos e eles vão para algum lugar onde eu não mais os encontro. Logo em seguida outras idéias ou reflexões se iniciam e eu nem mesmo tento me lembrar sobre o que havia pensando minutos atrás. Paris nos convida a caminhar, a pensar e também a esquecer. Por tudo que ela nos oferece como cidade, além de ser praticamente plana e fácil para ir de um lugar a outro. Aos pensamentos e reflexões que trouxe comigo, juntam-se muitas novas imagens. Sejam elas concretas e evidentes, impossíveis de serem ignoradas pelos olhos, ou abstratas, isto é, criadas por meus pensamentos desejosos e rebeldes e também por isso mesmo impossíveis de serem ignoradas. Preciso de muito tempo para chegar ao fim de uma reflexão, e o mesmo longo tempo para dizer o que quero dizer. Talvez necessito dessas ouvertures um pouco longas para me convencer de que o que quero dizer realmente tem importância, seja para mim ou para aqueles acho que vale a pena dizer. Hoje li a conhecida frase do Che Guevara “É preciso ser duro, sem perder a ternura jamais” escrita num muro enquanto eu caminhava. Li quase que sem registrá-la, mas horas depois ela ecoou dentro da minha cabeça. Acho que depois de décadas eu a compreendi. Do meu jeito. Compreendi que muitas vezes acaba sendo inevitável endurecer, e que a ternura é o ponto mais frágil dessa história, tem a ver com nossa disposição interior, com o desejo de não perdê-la depois de já ter endurecido.

25.1.10

VARIEDADES III

Eu já havia me esquecido como era sair de casa e voltar as duas e meia da manhã caminhando despreocupadamente, sem sentir medo de ser assaltado ou seqüestrado. Sábado à noite bares e restaurantes do Marais estavam todos lotados, difícil achar algum lugar para comer sem fila de espera ou mesinhas para se sentar e beber alguma coisa. Fui com amigos a um pequeno restaurante onde todo o staff era chinês, da recepcionista ao garçon, com exceção do cozinheiro e dono do local que era francês. Comida muito boa, tradicional francesa, mas a primeira impressão que temos ao entrar no restaurante é a de que nos servirão rolinhos de primavera. O Marais fascina pela mistura de tipos e liberdade de expressão. Dos cachinhos típicos usados pelos judeus que circulam pelo bairro aos cabelos rasta ou coloridos dos alternativos, sem esquecer das meninas ou meninos que passeiam de mãos dadas e se beijam livremente nas esquinas demonstrando todo amor que sentem por suas novas conquistas, é possível ver de um tudo. Aliás, como se vê casais discutindo nas ruas. Não sei se é mera coincidência, mas já cruzei com muitos. Eles adoram expor suas mazelas. Tudo bem, o problema é deles e de mais ninguém. Mas é constrangedor ouvi-los trocando insultos dentro do metrô, só para dar um exemplo.

Tem um festival de filmes acontecendo na cidade que começou na quarta feira da semana passada e termina depois de amanhã. Você compra uma revista e o ingresso está incluído no preço, e ganha o direito de ver quantos filmes quiser em qualquer hora e dia e em qualquer sala de cinema que quiser durante toda a semana. O preço? 3 (três) euros, não chega a nove reais. Os filmes são todos do ano 2009, há tanto nacionais como estrangeiros. Uma chance de ver o que se perdeu, e outra maior ainda de atrair o público para os cinemas.

Tem um site bem legal, http://www.allocine.fr que atualiza a gente toda semana com os filmes que entraram em cartaz, e tudo o que acontecendo. Agora a grande sensação é o filme sobre a vida do Gainsbourg, um documentário musical. Vou tentar assistir esta semana e se possível faço comentários. Dizem que é bom. Vi uma entrevista com o ator e fiquei impressionado com a semelhança.

Outra coisa que é muito boa e tentadora são os muitos sebos que a gente vai encontrando pelo caminho. Tentador porque você encontra livros em ótimo estado à apenas um euro. Tenho que me controlar. Não apenas os tradicionais da Rive Gauche, mas também na Rive Droite eles abundam. Hoje troquei de calçada com medo de entrar num deles e não conseguir sair sem comprar nada. Observo o que as pessoas lêem no metrô, os vampiros e o todo o resto também possuíram os mais jovens aqui. Mas o número de pessoas que lê dentro dos vagões do metrô é imensurável se comparada ao do Brasil.

22.1.10

DISTANTES E PRÓXIMOS

Hoje saí de casa por volta do meio dia. Precisei de umas duas horas para fazer as lições de casa, o curso está cada vez mais avançado e difícil. Um solzinho bem tímido iluminava o dia, mas o frio continua cortante. Fui ao museu Rodin. Além das esculturas dele, há uma exposição excepcional com esculturas e desenhos de Matisse no prédio vizinho onde residem suas obras permanentes. Difícil não se emocionar com tanta beleza. E o bom é que não tem muito turista nessa época e a gente pode ver e rever as peças quantas vezes quiser sem ser perturbado. Eu não conhecia as esculturas do Matisse, já havia visto uma coletânea de suas pinturas, mas nunca havia visto seus bronzes. Se há uma coisa que os franceses sabem fazer muito bem é organizar uma exposição e mostrá-la de forma coerente. Imagine os desenhos e peças de bronze de Rodin expostas lado a lado das de Matisse. Numa sala só um pouco mais larga que um corredor, de um lado estão expostos os desenhos de um, e vis a vis os do outro. A intenção não é a de fazer comparações, mesmo porque não imagino que alguém tenha a infeliz idéia de tentar, mas a de mostrar as diferenças e as similaridades que os une. Algumas peças são tão similares nas formas e texturas que se não fossem indicadas com os nomes dos artistas seria difícil saber quem fez o que. Matisse conheceu Rodin quando Rodin já era um artista reconhecido e famoso. Levou um de seus desenhos para ele e esperou ansioso uma avaliação. Matisse conta que Rodin disse que ele tinha a mão muito “fácil”e que recomendou que ele fizesse alguns desenhos “pignochés” (termo para desenhar de um modo mais cuidadoso, menos livre). Matisse não retornou mais a casa de Rodin. Consigo entendê-lo. Lembro-me bem quando escrevi meu primeiro livro e levei para um editor muito conhecido em São Paulo esperando um parecer e depois de uns dois meses recebi um convite para ir ao seu escritório. Fui para lá esperançoso, mas ao chegar lá tive que ouvir durante mais de uma hora ele falar das obras que tinha lido, dos autores que ele achava importante e conhecia, uma exposição ridícula de seus relacionamentos e das dificuldades de edição e nada de falar do meu texto. Saí de lá frustrado e jurei nunca mais perguntar nada a ninguém. Matisse continuou admirando Rodin, e sua obra ganhou personalidade própria, mas ele seguiu sua intuição e método de construção. Também os desenhos de Rodin (que se mete a desenhar na virada do século, portanto no início de sua velhice) se parecem demais com os de Matisse. Traços leves e soltos, nus com uma carga erótica muito próxima da encontrada nos desenhos de Matisse. Dois artistas que emocionam porque entre outras qualidades expressam autenticidade em suas obras.

Voltei caminhando, sentindo o frio congelar meu rosto e já quase em casa parei num desses bares do Marais. Um sujeito imenso pesando uns 120 kilos, descendente da família do Asterix se sentou ao meu lado e começou a puxar papo. Oui, non, oui, e quando percebi já tinha bebido uma garrafa de vinho. Foi bom. Serviu para aquecer meus ossos. O Asterixo era bem simpático, queria me levar para conhecer um outro bar, mas eu disse que hoje não seria possível, merci. Vou para cama com Rodin e Matisse, e todas aquelas figurinhas de bronze perfeitas de tão imperfeitas, cheias de movimento e sensualidade.

20.1.10

VARIEDADES II

Vento gelado, temperatura de –4 graus de manhã. Hoje não tive aula, saí de casa por volta das 11 horas e me enfiei no Louvre. Vi dois pavilhões e quando saí de lá já passava das 15 horas. Deu para ficar a vontade diante das obras para admirá-las, mas saí de lá um caco e precisando de um bom café. Enquanto eu comia alguma coisa e tomava meu café observei um pequeno camundongo (souris) do lado de fora do restaurante querendo entrar para se proteger do frio. Havia alguns casais sentados do lado de fora. O camundonguinho ia de um lado para o outro sem ser percebido. Eu o via porque o nível do piso do interior do café era mais baixo que o da rua e separado por paredes de vidro. O bichinho queria entrar, mas não havia brechas, então ele optou pelo mais fácil, agarrou-se na manga do casaco de um dos clientes que estava pendurado na cadeira e se escondeu no bolso. Por um milésimo de segundo pensei que poderia avisar o casal, mas depois desisti. Uma senhora que estava sentada do meu lado também viu o “souris” se hospedando sorrateiramente no hotel de luxo ambulante. Não dissemos nada, ela, eu não sei porque, eu, porque sempre me simpatizei com o Jerry e na hora só conseguia me lembrar dele.



Segunda a noite fui novamente assistir uma Ópera. Dessa vez no Théâtre du Châtelet, teatro que eu ainda não conhecia. Uma casa que é anterior ao Ópera Garnier, bem menor, mas muito bem preservada. Fui como convidado de André Larquier, que é diretor da casa e meu amigo há mais de vinte e cinco anos. Assisti “Norma” de Bellini. Montagem que ao final foi vaiada pelo público e que mereceu as vaias. O espetáculo teve como ponto alto a soprano Paulina Pfeiffer interpretando a Adalgisa, uma sueca ainda muito jovem com uma voz absurdamente linda e potente que conseguiu colocar Norma em segundo plano, interpretada pela americana Lina Tetriani. Mas as vaias não foram provocadas pelos cantores, mas sim pela “mis em scène” absurdamente mal feita. Duas bolas gigantes eram empurradas o tempo todo pelos integrantes do coro ou pelos cantores. Constrangedor ver Norma tendo que empurrar uma bola três vezes maior que ela e cantar ao mesmo tempo, muitas vezes de costas para o público ou sentada no chão, sua performance como cantora restou prejudicada. No dueto famoso da ópera, um dos mais bonitos entre Norma e Adalgisa, as duas rolavam (não estou mentindo) pelo palco inclinado a cada frase. Os alemães, Peter Mussbach e Daniela Juckel, responsáveis pela direção e cenário mereceram os buuuuuuuus. Adorei as vaias. Fazia tempo que não ouvia bus tão sonoros. Ah, um brasileiro fez parte da montagem, Luciano Botelho, papel pequeno (Flávio), mas muito bem executado, pena não ter tido a chance de soltar a voz num papel de mais destaque.

Amanhã tenho minha primeira prova. Vamos ver o que vai dar. Mais dois alunos se juntaram a torre de babel, um cubano e uma italiana. O grupo é bom, somos dois homens e sete mulheres. Com exceção da chinesa fashion todo mundo entende todo mundo. Ela é linda, alta, magrinha, e muuuuito tímida, quando fala, fala muito baixo e tudo interrompido, como numa conversa mal conectada do Skype. A gente tem que ficar juntando as palavras para entendê-la, não sei por que, mas acho que o cubano vai dar um jeito nela.

Encontrei um livro do Haruki Murakami que é meio que um diário, onde ele escreve sobre si, e sobre seu processo criativo, corridas (corre de 10 a 15 quilômetros todos os dias, ou corria, o livro foi escrito há algum tempo). Uma espécie de diário, muito bacana. Eu não conhecia, não sei se já foi traduzido no Brasil. O que todo escritor sabe, e no livro fica ainda mais evidente , para se escrever é preciso ter muita disciplina, força de vontade, abdicar de muitas coisas. Haruki vendeu sua casa de Jazz para ter dinheiro e somente escrever, sem ter que fazer outra coisa para sobreviver. Enfim. Muita gente deve ter dito que ele era um sonhador. Pois é. Parece romântico, mas é tudo verdade, ele não se vendeu, nem saiu nu nas páginas de alguma revista. Concentrou-se no que achava interessante: escrever.


18.1.10

VARIEDADES


O curso começou hoje. Saí muito cedo de casa, sete e meia e ainda estava muito escuro, a noite não se dispunha a deixar o dia amanhecer. A temperatura baixa, 3 graus abaixo de zero, e o vento gelado obrigou todo mundo a andar ainda mais rápido. Tenho a impressão que os franceses tem rodinha nos pés. Resolvi ir a pé. Daqui do Marais até quase o final do Boulevard Montparnasse preciso de quase uma hora. Mas vale a pena. Encurto o caminho pelo Jardim de Luxemburgo para observar as arvores nuas e homenagear Hemingway que costumava descansar num dos bancos do parque e observar as pessoas em sua temporada em Paris antes de ir encher a cara em algum café do Boulevard Saint-Germain ou ir à alguma corrida de cavalos.








Hoje no final da aula o professor passou um filminho em quadrinhos. Ele mostrou quatro ou cinco quadrinhos e a gente tinha que adivinhar o restante e também o final da história. O brasileirinho aqui matou a charada de primeira. Estou afiado, melhor não desafiar nenhum escritor.

Ainda bem que trouxe meu notebook. O teclado dos computadores franceses tem uma ordem diferente da nossa. No lugar do Q W E eles começam com A Z e... Tinha pensado em comprar um desses pequenininhos de 10 polegadas, mas já não sei se vale a pena.

Encontrei uma pernambucana simpática na escola. Moça bacana. Voltamos juntos de metrô. A classe é um mix de nacionalidades, tem gente da Índia, Siri Lanka (moça linda), chinesa (também um bijouzinho, trabalha com moda e não se entende nada do que ela fala, ela é meio que uma macabéia chinesa e eu espero sinceramente que ela ao menos desenhe bem), Itália e Holanda (louquinha, chama-se Valentina e só por isso já gostei dela). Um exemplo que daria para fazer um cartaz da Benneton.

Fui a Ópera. Assisti Werther do Massenet. Primeiro ato pensei que fosse adormecer, mas o segundo foi muito bom, belas melodias e canções, no terceiro não via a hora da mocinha morrer. Como demorava para morrer antigamente!

Almocei na casa de um amigo que é pintor. Fui conhecer seu ateliê que fica bem próximo a Bastilha. Yves é um sujeito pacato e tímido, acaba de lançar um livro com sua biografia e algumas fotos de suas obras. Éramos cinco convidados, e esvaziamos 6 garrafas de vinho. Lógico que eu fui a cobaia, tive que experimentar vinhos de tudo quanto é região e o fiz sem cerimônia. Saí de lá cruzando as pernas, mas o vento gelado não permitiu que eu parasse para descansar. Fui para a cama e dormi até hoje cedo pouco antes de ir para a escola.







15.1.10

A CASA DO MESTRE


Re-visitei a casa de Victor Hugo depois de muito tempo. A casa dele é bem pertinho de onde estou morando aqui no Marais, num dos cantos da Place des Voges. No momento, além do apartamento onde ele morou, o visitante pode ver uma exposição de fotos feitas pelos seus filhos. Eu não sabia que o museu tinha um acervo tão grande de fotos dele. Imagine que são mais de 5.000 e só nessa exposição estão expostas quase 200. Devido ao grande número de fotos , eles às expõem de tempos em tempos, fazendo um rodízio para que o público possa apreciá-las. São um verdadeiro tesouro.Fotos de 1852 e outras tiradas apenas alguns meses antes dele morrer. Há várias que nos prendem a atenção, entre elas, ele no seu leito de morte com o rosto fotografado tanto do lado direito como do esquerdo.


As fotos impressionam não apenas pela qualidade, mas principalmente porque registram momentos da vida íntima do escritor. Há muitas feitas durante seu exílio na Bélgica, outras em que ele já está bem velho abraçado aos netos. Fiquei por ali quase duas horas. Tive que rever muitas vezes as fotos. O homem tem um olhar tão forte, que ao parar para vê-lo, ele nos fisga e parece até que é ele quem está nos observando.


12.1.10

AU REVOIR!

Daqui a pouquinho viajo. Pego o avião para Paris, vou fazer um curso e me hospedo na casa de um amigo. Tentarei postar com regularidade. Levo meu notebook e a máquina fotográfica e se puder postarei algumas fotos também. Além da ansiedade natural que precede a viagem e o curso, sinto um grande alívio só de pensar que vou escapar do calor insuportável e do carnaval (ainda mais insuportável). Volto quando o país voltar a querer tentar ficar sério. Até mais.

11.1.10

IRRITANDO SERGIO K.


Depois de observar alguns casais com crianças num restaurante da cidade, conclui que mesmo sendo solteiro e não admirador de criancinhas eu seria melhor educador que todos eles juntos. Mais limites e menos tentativa de diálogos seria meu método. Se adultos tem dificuldade em viver em regimes democráticos, imagine crianças! Sim, antes que alguém me encha o saco com o direito dos pais de levar seus monstrinhos aos lugares, sim, eles tem esse direito, mas eu também tenho o direito de comer em paz e não achar graça na falta de educação deles. Que levem as crianças em horários matutinos! E se são do tipo “eu não vou deixar de me divertir só porque tenho bebês em casa”, terão que saber que outros freqüentadores não pensam igual. Ter filhos é uma opção (na maioria dos casos) e traz conseqüências para a vida de quem às concebe, exige uma boa dose de dedicação e altruísmo, e por isso mesmo deve-se pensar muito antes de tê-las. Criança não vem com manual de funcionamento, o manual são os pais, e se eles ainda têm idade mental pouco avançada, a coisa complica, melhor esperar até atingirem idade adulta e conseguirem diferenciar uma boneca Barbi de um bebê.

Ah! Sem querer comparar, mas já comparando, com cachorro a história se repete. Ninguém é obrigado a compartilhar as escolhas dos outros. Conviver sim, o que é completamente diverso de ser obrigado. Acho inacreditável que donos (ou mães e pais deles, eles mesmo gostam de serem chamados assim) de cachorros não se toquem que outros podem não querer a proximidade de seus filhos de quatro pernas. Já cansei de ouvir eles dizerem “ele/ela não faz nada, é mansinho”. Isso não me interessa. É mansinho com quem eles conhecem, mas continuam sendo animais e portanto irracionais e imprevisíveis. E mesmo que forem mansinhos, e daí? Isso não lhes dá o direito de enfiar o fuço onde não são convidados. Outro dia observei uma garota dando beijo de língua na sua filha ou filho e logo depois cumprimentando o namorado com um selinho. Para você que vai me dizer que isso é problema deles, eu discordo. É meu também, e de todo mundo que é obrigado a conviver com o número cada vez mais crescente de idiotas e seus filhos de duas ou quatro patas.

8.1.10

INSÔNIA


Despertei durante a madrugada sem nenhuma razão aparente. Um pensamento preencheu o lugar do sono até o dia amanhecer: transformar a vida em algo mais simples. Aquela mania de fazer limpeza quando um ano acaba e outro recomeça baixou em mim com atraso, e de madrugada. Selecionar os desejos, jogar definitivamente fora o que já não serve ou que perdeu a importância por não ter resistido às provas do tempo. Simplificar a vida vai ser o meu mantra nesse ano. Vou selecionar tudo antes, para não ter que me desfazer depois.

A vida é um eterno semear. Semear, semear e semear. Não pode alegar cansaço (mesmo porque reclamar é uma espécie de praga aniquiladora), tem que continuar semeando. Se vai ter colheita é outra história. Não há garantias, algumas vezes ela pode ser farta, na maioria das vezes dá para o gasto e não raro nem mostra a cara. Mas é preciso insistir, continuar semeando.

5.1.10

CLOSE


Assisti a um documentário na TV francesa sobre transexuais no Irã. Juro que nunca tinha passado pela minha cabeça que no Irã alguém teria sequer chance de pensar sobre o assunto. Pois não só pensam como vivem como tal. O governo/regime iraniano não apenas permite como financia as operações de mudança de sexo. Por outro lado condena e mata os homossexuais. Homossexuais recebem o enforcamento como punição, já o transexual passa por alguns testes físicos e psicológicos e pode ser operado. Devem seguir as mesmas regras das mulheres e só podem sair para a rua vestindo a burca ou xador. Um universo muito diferente e distante do que conhecemos. Um dos transexuais já operados, uma espécie de assistente social que ampara os outros, disse odiar os gays, diz considerá-los pecadores e etc... Fiquei boquiaberto com a história. E muito triste quando compreendi que alguns homossexuais “optam” pela operação para não morrerem enforcados. O documentário mostrou também um transexual e seu namorado. A mãe do transexual chamava o rapaz/namorado para a responsabilidade, pressionava o casamento dos dois para depois da operação, segundo ela seu filho/trans casado receberia um upgrade e poderia circular normalmente na sociedade.

Para a gente que mora num país onde apesar do machismo e do preconceito, a liberdade de expressão, e também a sexual, é cada vez mais praticada, é complicado entender o raciocínio de quem criou essas regras. Eu nem imaginava que esse tipo de discussão fosse possível no país dos aiatolás. Sinal de que a vida íntima das pessoas não desaparece com a repressão de um regime, graças a Deus! ou a Alá!, de acordo com o gosto do freguês. As pessoas continuam tendo seus desejos, muitas pagam com a própria vida por serem o que são.

4.1.10

MENOS É MAIS

Não sei se por estar envelhecendo ou por força das inúmeras correções que faço em meus textos, tentando enxugá-los e deixá-los o mais objetivo possível, de uns tempos para cá minha paciência com pessoas que se alongam muito quando querem me contar uma história está se exaurindo. Tenho um amigo que antes de me dizer que encontrou fulano ou sicrano me pergunta: advinha quem eu encontrei? Ou quando quer me narrar um acontecimento se alonga tanto nos detalhes que no meio da história já nem sabe mais o que queria me contar. Tenho que me controlar. Confesso que às vezes não consigo esperar e o interrompo e peço para ele ir direto ao assunto. Não sei o que fazer. Até acho que florear um pouco nos detalhes pode enriquecer a conversa, mas enfiar um jardim inteiro dentro delas passa a ser desrespeito.

“À-propros” exageros e desrespeito, vou entrar num assunto delicado. Estava jantando quando ouvi as chamadas no jornal televisivo, de uma entrevista que seria feita com os pais da menina que morreu soterrada em Angra dos Reis. Não vi. Recusei-me a assistir tal entrevista e mudei de canal. Não tenho dúvidas sobre a imensa dor desses pais, e por isso mesmo não compreendo a necessidade de se falar em público sobre essa dor. Aliás não consigo entender a relação sofrimento exposição. Não vejo também a menor necessidade de um jornal televisivo fazer uma entrevista com o fato ainda tão recente. Não bastam as imagens da tragédia? Se a sociedade perdeu o filtro e precisa filmar ou fotografar a dor e logo em seguida expô-la para assim torná-la real, cabe ao editor do jornal chamar a atenção para a total ausência de necessidade e do quão ridículo é transformar a tragédia em espetáculo.