27.1.10

PASSO A PASSO

Quem me conhece sabe o quanto gosto de caminhar. Costumo fazer quase tudo a pé em São Paulo, uso muito o metrô e tiro o carro da garagem somente quando é inevitável. Aqui em Paris, as caminhadas duplicaram ou triplicaram em distância e o metrô nos leva para qualquer parte. É quando caminho que exercito o diálogo comigo mesmo. Os pensamentos surgem e desaparecem sem aviso prévio, ou são interrompidos por alguma situação ou pessoa que vejo e me chama atenção. Imagens e pensamentos às vezes convivem sem conflito, na maioria das vezes as imagens vencem os pensamentos e eles vão para algum lugar onde eu não mais os encontro. Logo em seguida outras idéias ou reflexões se iniciam e eu nem mesmo tento me lembrar sobre o que havia pensando minutos atrás. Paris nos convida a caminhar, a pensar e também a esquecer. Por tudo que ela nos oferece como cidade, além de ser praticamente plana e fácil para ir de um lugar a outro. Aos pensamentos e reflexões que trouxe comigo, juntam-se muitas novas imagens. Sejam elas concretas e evidentes, impossíveis de serem ignoradas pelos olhos, ou abstratas, isto é, criadas por meus pensamentos desejosos e rebeldes e também por isso mesmo impossíveis de serem ignoradas. Preciso de muito tempo para chegar ao fim de uma reflexão, e o mesmo longo tempo para dizer o que quero dizer. Talvez necessito dessas ouvertures um pouco longas para me convencer de que o que quero dizer realmente tem importância, seja para mim ou para aqueles acho que vale a pena dizer. Hoje li a conhecida frase do Che Guevara “É preciso ser duro, sem perder a ternura jamais” escrita num muro enquanto eu caminhava. Li quase que sem registrá-la, mas horas depois ela ecoou dentro da minha cabeça. Acho que depois de décadas eu a compreendi. Do meu jeito. Compreendi que muitas vezes acaba sendo inevitável endurecer, e que a ternura é o ponto mais frágil dessa história, tem a ver com nossa disposição interior, com o desejo de não perdê-la depois de já ter endurecido.

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