21.11.06

TRANSPARENTE.

Não sei se o que vou relatar acontece com todo mundo.
Estou novamente suspenso. É assim que me sinto.
Suspenso no tempo, a espera do que pode acontecer.
Hoje li algo parecido. Alguém disse que devemos descartar
a idéia de atraso ou o inverso dele, o tempo, dizia o texto,
não tem compromisso com nossos desejos.
Então o segredo, ainda segundo o texto, é continuar, insistir,
fazer e desfazer e tudo aquilo que todos nós ansiosos
já sabemos de cor e salteado.
Pense o que quiserem,
eu acho quase impossível seguir a vida assim, sem
expectativa qualquer, acreditando que as coisas acontecem
no tempo certo, e que em algum momento da vida elas
passem a acontecer apenas porque chegou a hora certa.
E se quando chegar não às quisermos mais?
E se quando chegar já às esquecemos de tanto tempo que o
tempo deixou passar?
E se o tempo esqueceu da gente?
Tempo e Deus é a mesma coisa?

16.11.06

AZENHA.



Voltar e rever.
Retornar e refazer.
Tentar desfazer e re-costurar.
Re-paginar.
Não.
Recriar.
Sim, sim, sim.
Inovar.
Sempre que não for possível.
Necessariamente quando se pensar impossível.

E eu que sonhei prazeroso
certo com o que viria,
um vagão de trem com acentos numerados,
uma janela de vidro quase limpa,
trigais, girassóis, o milharal.
Hoje construo pequenas pontes,
finjo atravessar seguro
continentes que não desejei conhecer.

Quero mais do que ainda não provei.
Da vida,
só quero ela mesma.

12.11.06

HANDEL, VINHO, E A VONTADE DE QUE TUDO SEJA MAIS DO QUE APENAS VONTADE.



Alcina canta:

“Ah! Mio Cor! Schernito sei
Stelle, Dei! Nume d1amore!
Traditore! T’amo tanto;
Puoi lasciarmi sola in pianto,
Oh Dei! Perché?

Ma, Che fa gemendo Alcina?
Son Regina, è tempo ancora:
Resti, o mora, peni sempre,
O torni a me.
Ah! Mio cor, scc.

Eu bebo, e o vinho empurra goela abaixo
lembranças que a voz triste de Alcina acordou
dentro de mim.
Não são tristes, minhas lembranças.
São amores e antigas paixões que racionalmente ficaram para trás,
mas que de alguma maneira estão para sempre tatuadas na memória.
Gente que cruzou o meu caminho e deixou sua marca, assim
como eu também devo ter deixado a minha.
No início quando ainda não passamos de meras vontades,
somos apenas vontades que encontram vontades.
O tempo, sempre ele, o produto da mistura delas, nos transforma.
Já não tenho certeza se não são tristes as minhas lembranças.
Ou será o efeito do vinho?
O palácio de Alcina será destruído, e junto com ele, ela e seu baú
repleto de poderes encantados.
O amor vencerá, a todo custo ele vencerá, e Alcina, mesmo cantando
o seu pranto comovente não sobreviverá. Sinto pena dela. Coitada.
Não teve tempo de reverter à situação. Alcina desde o início era
só vontade.

O coro canta:

“Dopo tante amare pene,
Giá proviam conforto all’alma;
Ogni mal si cangia in bene,
Ed al fin trionfa amor.
Fortunato è questo giorno,
Che ne reca bella calma,
Dell’inganno e insidie a scorno
Già festeggia il nostro cor."

Espero, de coração, que a alma de Alcina consiga encontrar a paz.

10.11.06

A FÉ EM ONDAS.

Oxalá todos os pedidos fossem aceitos!
Onde habitariam os sentimentos de angústia e ansiedade?
O universo trabalha fora dos padrões normais do tempo
que nós criamos e acreditamos.
Acredito que a fé emita ondas de energia que transitam
livremente até encontrarem suas praias-destinos.
Algumas estouram fazendo enorme barulho sobre as
pedras, outras deslizam calmamente sobre as areias aconchegantes
e outras exaustas e já sem força, morrem nas praias.

4.11.06

OS ANOS DE CHUMBO E AS FÉRIAS QUE NÃO TIVEMOS




Gostei do “O ano em que meus pais saíram de férias”.

Excelente roteiro, produção, figurino e fotografia.
Gosto de filmes onde a narrativa é feita através dos olhos
de uma criança. Nesse caso um período ruim da história do
Brasil é contada de forma romântica e leve, sem perder
em intensidade e conteúdo. Os atores mirins são ótimos.
Paulo Autran nos poucos minutos em que aparece, consegue
demonstrar todo o seu talento. Mas o ator que faz o vizinho
judeu que é obrigado a tomar conta do menino me fascinou.
Seu nome é Germano Haiut e eu nunca o vi atuando antes.
Gestos comedidos, olhar de melancolia e peso, consegue
expressar sentimentos sem emitir palavras. Comovente.
O filme pega carona nos bons filmes argentinos.
Nos faz lembrar com tristeza não apenas nos anos
de repressão política que fizeram parte da nossa história, mas
também numa época cheia de esperança.
Éramos pobres e malandros. Hoje somos miseráveis e criminosos.
Éramos esperançosos e acreditávamos num futuro que nada
se parecia com os dias atuais.


31.10.06

CRESCENDO.

Na semana passada fui a uma missa de sétimo dia.
Durante a missa o padre foi enfático aos fiéis e parentes
e amigos que estavam presentes: parem de pedir coisas
absurdas a Deus, se não estão satisfeitos ou felizes
com a vida então vocês devem mudá-la. Falou também
de pessoas que vão até ele se lamentar sobre os entes
queridos que perderam, mais uma vez foi enfático:
não chorem pelos mortos, rezem pelos vivos.
Gostei da praticidade do sujeito. Talvez uma corrente
nova de padres pragmáticos, ou, quem sabe,
saco cheio de tanto ouvir seus fiéis se lamentarem.


Acho que foi na madrugada de sábado para domingo,
um dos telecines levou o “Rapsódia em Agosto” (se me enganei
no título me perdoem) do Akira Kurosawa.
Que beleza de filme! Sensível sem ser piegas, fala da necessidade
de se perdoar para se libertar de sentimentos ruins,
da morte e dos valores transmitidos através das gerações.
Tive que refletir mais uma vez sobre o envelhecer e sobre a
morte, desta vez por meio das imagens.


Acabei de ler o livro de contos do João Gilberto Noll.
Gostei, entretanto, muitos dos contos me dão a sensação
de que poderiam ter realmente um fim. Não tenho o
direito de alterar nada, nem é essa minha intenção, mas
em alguns deles fica um saborzinho amargo no último
pedaço do doce que estávamos comendo e gostando.

21.10.06

CINEMA E LITERATURA




No dia em que se iniciou a 30ª mostra internacional
de cinema, eu assisti a um filme que está no circuito
comercial de filmes. Fiz uma deliciosa viagem com
“ A pequena miss sunshine”. O filme é muito bem
feito, e os atores muito bem escolhidos. Conta a história
de uma família cheia de problemas (como se o contrário
fosse possível) que viaja para satisfazer a vontade de
Olive, a caçulinha, que deseja a todo custo participar
de um concurso de miss. Na Kombi viaja toda a família,
o avô que depois de velho começou a cheirar cocaína,
o pai que é autor de um livro que ensina os nove passos
para se vencer na vida, o irmão que desde que começou a ler
Nietsche não quer mais falar, o tio homossexual e expert em
Proust e que tentou suicídio, e por fim a mãe, a menos
perturbada de todos. Uma comédia, aparentemente, porém
uma viagem para dentro deles mesmos. Um bom filme
para quem quer fugir das filas dos filmes da mostra.

Estou no meio do livro de contos do João Gilberto Noll,
“A máquina de ser”. Comecei a ler ontem e fui fisgado.
Gosto de como ele descreve não apenas os sentimentos e
emoções de seus personagens, mas também da escolha
de suas palavras enquanto observadores. Assim consigo
ver caminhos, velórios, suores, cicatrizes, amores e dores,
e acima de tudo, inúmeras e inesperadas maneiras de ser e
de sentir.

19.10.06

MUTANTE.

Durante toda a minha vida me senti um outsider
quando me comparei com amigos e conhecidos
que discutiam calorosamente sobre política,
futebol, religião ou qualquer outro assunto.
Sempre me senti um estranho.
Não porque não tenho opinião a respeito ou não
tenho idéias sobre esses assuntos, mas porque
nunca consegui acreditar cegamente nos argumentos
e modelos que me são apresentados como ideais.
Muitas vezes me senti pequeno diante dessas pessoas
engajadas e crentes. Me criticava por não conseguir
adorar alguém e defender essa pessoa ou ideologia,
com unhas e dentes como se esse alguém estivesse acima
de qualquer outra e não fosse passível de críticas.
Não suporto qualquer tipo de endeusamento.
Gosto de muita gente. Sejam elas artistas, escritores,
músicos, professores, políticos, mas nunca a ponto de
perder a razão. Mudei. Não me acho mais pequeno.
Na verdade acho que aqueles que cegam diante de
um ideal, ou artista, ou ainda de uma ideologia
é que são pequenos.
São pequenos porque vêem apenas o ideal, o artista,
ou a ideologia, e esquecem que por trás de tudo está
o ser humano e seus interesses pessoais, a mesquinhez,
a vergonha e a teimosia em admitir erros, e a capacidade
de levar milhões de pessoas ao extremo de fazer um guerra
e conseqüentemente a morte.
São tão pequenos que necessitam de crenças definitivas e inflexíveis.
O universo é mutante, e eu sou parte dele.

11.10.06

CINEMA, INSÔNIA.




Hoje a tarde fui ao cinema. Queria ver o “Dália Negra” do
Brian di Palma e acabei assistindo ao “Muito gelo e dois dedos
de água”, (porque o horário indicado no jornal não batia com
o do cinema. O que posso dizer. O filme é só bem feitinho, do tipo
sessão da tarde, mais nada. As atrizes (Mariana Ximenes e
Paloma Duarte) estão bem, as praias de Alagoas são lindas mas o
filme não oferece nada além da boa idéia.
Ocupei duas horas do meu dia e sai da
sala do cinema sem ter acrescentado alguma emoção ou raciocínio
na minha cabecinha. Só isso, mais nada. O último do Daniel Filho,
não me lembro mais do nome (roteiro baseado num texto de
Maria Adelaide Amaral) foi bem melhor.


À propros cinema. Antes de ontem tive o desprazer
de assistir (na tv) ao “Irreversível”.
Que filme irritante.
Deveria se chamar Irreversivelmente Irritante.
Violência gratuita, cenas nojentas, e péssimo roteiro.
Não entendo por que alguém faz um filme como este.
Qual o propósito e como se consegue
financiamento para a produção de tamanha porcaria.
Um estupro já é suficientemente violento,
acrescente a ele um troglodita esmagando um extintor
de incêndio na cabeça de um cidadão enquanto
meia dúzia de pervertidos se masturbam vendo a cena.
Isso não é cinema, é lixo.

8.10.06

VIA ÚNICA



Entre o fazer e não fazer, estou mais para o não fazer.
O botão pause foi acionado automaticamente.
No momento apenas observo e absorvo.
Não sei aonde esse estado de espírito vai me levar.
Nem mesmo curioso estou.
Entressafra diriam uns, preguiça diriam outros.
Pouquíssimo me importa.
Não é tristeza ou coisa parecida.
É uma viagem longe de mim mesmo.
Certamente entrarei em órbita.
Reconhecerei outros corpos e mentes
e um novo impulso me incluirá
de volta a trajetória fechada em torno
de outros astros.

26.9.06

NAMENLOS

Era uma vez um menino
cuja cabeça vivia cheia de imaginação
e sonhos.

E um botão de rosa.

Um menino que por razões alheias a sua vontade
não pode ter seus desejos realizados.

E um botão de rosa que não viveu o bastante para desabrochar.

Um menino e seus olhos de contornos amendoados
e tristes.

E um botão de rosa que apesar de murcho continuou a ser
chamado de botão de rosa.

Um menino que o tempo se encarregou de perdê-lo,
para que ninguém mais o chamasse de menino.

24.9.06

INSISTÊNCIA


Insisti, mesmo inconsciente do que fazia,
em selecionar recordações.
Hoje insisto em recuperar as que ficaram
para trás.

Trazer de volta o que rejeitei,
agora,
penso,
consciente do que faço,
é uma insistente tentativa,
vontade permanente
de selecionar o que virá.


21.9.06

ESPELHO MEU


Ontem, depois de sair de um aniversário
onde encontrei pessoas que há muito tempo fazem
parte da minha vida, um pensamento não me sai
mais da cabeça: será que um dia voltaremos a
nos ver e sentir como nos víamos antes dessa
enorme geleira nos separar?

Porque nos amamos. Mesmo que aparentemente
essa afirmação não pareça verdadeira.
O constrangimento incolor que paira no recinto
também é percebido pelos outros.

Os outros são muitos.

Lembrei-me da história da torre de babel.
Há tempos falamos novas línguas,
qualquer uma, contanto que confunda ou provoque
o constrangimento entre nós.

Não fui eu,
Nem você,
Fomos nós outros,
Antes desconhecidos
Agora Estrangeiros.

Eu gostaria muito de não me reconhecer em você.

10.9.06

SEM CICATRIZ

Ainda não consigo definir o que significam os
pensamentos que tenho tido nos últimos dias,
nem tão pouco consigo afirmar se realmente fincaram
raízes dentro de mim. No entanto, consigo perceber
algumas alterações na maneira de interpretar a vida,
e também de conduzi-la. A consciência deve estar mais
apurada, ou mecanismos que eu desconheço me levam a
redefinir o grau de importância naquilo que faço ou deixo
de fazer. Também os universos lá fora de repente perderam
complexidade e pose.
Faço o que posso, quando posso e como posso.
Não compartilho as vontades de todo mundo,
nem me solidarizo com as vaidades dos que pensam
ou querem ser diferentes.
Começo a me despir, e ao contrário do que sempre imaginei,
o frio é suportável.


5.9.06

QUESTÃO DE MERECIMENTO

Descobri, (pelo menos até o exato momento
ainda estou convicto)
a diferença entre ter o controle sobre uma situação
e dominá-la.
Não tenho a pretensão de esclarecer nada,
porque é importante que
qualquer um descubra sozinho.
De qualquer forma adianto,
aperte antes o botão do descontrole,
e perca totalmente o domínio sobre si,
auto-estima é um sentimento importante no processo

2.9.06

RECICLAR O QUE?

Conviver com o lixo está sendo o grande problema
para a minha geração e para as mais jovens.
Pelo menos aqui no Brasil. É assim que eu vejo.
Há lixo por todos os lados.
Não falo somente sobre o lixo nas ruas, falo também
do lixo cultural e político que temos que aceitar como
sendo normal. Será difícil transformar esse lixo em
alguma outra coisa. Reserve o tempo para assistir
ao programa político e veja a apresentação dos candidatos.
Sejam eles, candidatos a deputado, senador ou a presidência.
Um lixo. Um amontoado de oportunistas sem proposta
alguma, caricatos e ignorantes. Quem ainda acredita que essa
gente fará qualquer coisa pela sociedade e pelo país?
Quem ainda acredita em ideais de esquerda ou direita?
Lula e Alckmin? Heloísa Helena? Por favor, eu não saberia
dizer quem é o menos pior. Farinha do mesmo saco.
Caminhe pelas ruas, no centro, na periferia ou nos bairros
considerados chiques da cidade e você verá, a ignorância e o
modus vivendis egocentrista só muda de endereço.
O básico não foi cultivado. Conviver com limites e verdades
não é o forte do brasileiro, e hoje não mais importa as razões
possíveis para explicar o porque chegamos onde estamos e
como estamos, e o que é preciso fazer para mudar alguma coisa.
Educação. Alias, você sabe o nome do ministro da educação?
Precisamos de espelhos em lugar de out-doors. Por todos os
lados, muitos espelhos para mostrar os umbigos horrorosos
dos milhões de idiotas deformados e desdentados que se vestem
com camisetas curtas e expõem suas pelancudas barrigas.
Misses universos sem espelhos do planeta.
A máquina que já era entupida pela sujeira da corrupção, com
a chegada de esfomeados pelo poder no governo acabou de quebrar.
O país se dividiu entre os corruptos que estão no poder, os
que fazem de tudo para tomá-lo de volta, e os outros milhões
de coniventes que adoram sonhar com a vida da nova namorada
do próximo analfabeto milionário que jogará pela seleção
brasileira. Reciclar o lixo será quase impossível.
O lixo transformado nada mais é do que algo feito de lixo.
Quando a única matéria prima para se construir uma obra
é o lixo, o que se constrói é alguma coisa feita de lixo, e o
resultado final nada mais é do que lixo.

24.8.06

ARQUITETURA




Pense nas pontes,

que nos ajudam a chegar ao outro lado da margem do rio,
que servem de abrigo e proteção aos miseráveis,
que ligam pequenas ilhas ao continente,
que embelezam as cidades.

Pontes,
que sempre serão pontes,

porque não foram feitas para ficarmos parados sobre elas,
mas para que atravessemos de um lado ao outro,
em busca de inúmeras outras formas de vida,
ou quem sabe outras pequenas ilhas
que interligam outros continentes.

Pense nas pontes,
não como moradas,
mas como caminhos e travessias.


21.8.06

SENTIMENTOS VAGABUNDOS




Lá atrás, há tempos, mas não tantos assim
eu tive um gato. Lindo, gordo, peludo e vagabundo.
Lembrei-me dele hoje, porque me surpreendi com
a imagem que eu mesmo fiz de mim. Estou me lambendo
o dia inteiro, tentando curar feridas. Abri um saco
enorme onde guardo lembranças. Não tenho certeza
a respeito da veracidade delas. Talvez apenas desejos.
De certa maneira notei que de vez em quando
isso acontece comigo. Lembranças, não saudosismo.
Queria tê-lo de volta perto de mim, ouvir o seu ronco
de felicidade e satisfação somente por estar deitado
no meu colo. Queria poder deitar-me no chão e
novamente lhe contar histórias.

Estranho mundo de pessoas estranhas.
Ou será apenas eu que os estranho?

Meia hora de silêncio,
e o mundo não seria mais o mesmo.

20.8.06

EU NÃO ACHO NORMAL




Não adianta se lamentar porque agora você já está
na minha mão e acabou. Mais ou menos isso
foi o que eu ouvi, enquanto pensava que tinha entrado
sem querer no meio de um desses filmes pseudo realistas
que vieram de carona na literatura de Rubem Fonseca.
Pois é, é isso mesmo, finalmente eu também entrei
para o rol dos seqüestrados. Na última sexta feira,
quando cheio de esperança fui entregar uma cópia
do original dos meus contos para um amigo.
Passei mais de uma hora refém de dois caras dentro
do meu próprio carro que, além de levarem meu dinheiro,
ainda tentaram justificar o que faziam com um discurso
absurdamente babaca sobre as razões que os levaram ao
crime e etc... Interessante. Blá, blá, blá... Fácil para eles
que me apontavam uma arma enquanto falavam.
Saiu barato para mim, eu sei, mas não quero pensar assim.
Não quero começar a pensar “dos males o menor”.
Justificativas e compreensão do porque o meu país
está se transformando num enorme avenida cheia de
pistoleiros eu também tenho, mas não quero me acostumar
a ter que conviver com isso. Não queria narrar este episódio
aqui. Algo mudou dentro de mim. Medo, raiva, sentimento de
impotência e violência fazem parte dos meus pensamentos
desde a última sexta feira. Estou tentando reagir, como me
dizem, devo passar por cima do que aconteceu. Pois é,
não sei bem como fazer, de uma hora para outra
apertar um botão e desgravar imagens e palavras.
Estou me esforçando para me comportar como mais
um dos milhões de brasileiros que como eu já passaram
por inúmeras situações como a que sofri, mas que fazem
de conta que não foi nada, que tudo isso é normal
num país miserável como o nosso.
Eu não acho normal. Nem o que aconteceu comigo,
nem a passividade dos meus conterrâneos diante do
abandono do Estado. Não falo apenas da violência,
mas do ausência de políticas de educação pública e social.
Eu não acho normal. Eu não acho normal. Eu não acho normal.

8.8.06

BAIXA UMIDADE






Eu não sei se é real, ou apenas fruto da minha imaginação,
mas há uma secura no ar que não necessariamente é
resultado somente da atual condição climática.
Pode ser impressão minha,
ou apenas o reflexo
do meu estado de espírito.
Isto seria o mesmo que não conseguir ver no outro
um pouco mais do que consigo perceber em mim,
entretanto sei que posso ir além.
E é dentro dos outros que tenho encontrado desertos.
Uns mais extensos, outros mais parecidos com pequenas
línguas de areia, porém todos desertos.

5.8.06

DE CARNE E OSSO.





Fui assistir “Elsa e Fred” o filme hispano-argentino
em cartaz na cidade. Passei quase os mais de
cem minutos de duração emocionado.
Podem me chamar de piegas ou do que quiserem,
não me importo. É bom ver (mesmo que em ficção)
dois seres humanos com cara e sentimentos humanos.
Levinho, gostoso, engraçado e triste ao mesmo tempo,
pouco espetacular, sem efeitos visuais, tampouco uma
história virtual, enfim, cinema feito com gente com cara
e sentimento de gente.

3.8.06

VALORES, PRAZERES, DESEJOS




Prazeres de valor inestimável:
caminhar pelas ruas,
observar as pessoas,
falar com desconhecidos apenas por
alguns segundos ou minutos e
depois talvez nunca mais vê-los,
beber um expresso bem tirado,
ler trechos de livros em pé
nas livrarias e sebos da cidade,
ouvir as variações de Goldberg
tocadas pelo também inestimável Glenn Gould,
assistir televisão sem poder me mexer
porque meu amor dormiu com a cabeça
encostada no meu ombro,
rezar sob a ducha logo de manhã
e ao término da oração repetir alguns mantras
criados por mim mesmo,
escrever a tarde toda e depois de reler

o que escrevi, acreditar que alguém um
dia vai ler e gostar.

1.8.06

A ÚLTIMA QUE MORRE




Sinto falta daquela vontade quase incontrolável
que eu um dia tive de mudar o mundo.
Não sei em que ilha deserta deste planeta povoado
por humanos ela se escondeu.
Se hoje ela ainda estivesse dentro de mim,
eu poderia dissertar criticamente sobre
a invasão de Israel no Líbano, ou sobre a violência em
nosso país, ou até mesmo esculhambar o Bush e sua
turminha de patetas. Entretanto, o máximo que consigo
fazer, é refletir e dialogar comigo mesmo a respeito do
Homem e de seu poder quase compulsivo de destruição.
O mundo mudou, eu mudei, e os acontecimentos,
cada vez mais rápido, me atropelam e inibem
toda e qualquer iniciativa ou vontade,
mesmo que apenas imaginária,
de construir um planeta no mínimo mais saudável.
Carrego em meu consciente os registros históricos
da evolução política da civilização ocidental,
e as estatísticas sobre a deterioração do meio ambiente
por meio da interferência maléfica do homem.
Sou informado diariamente sobre o número de mortos
de fome, guerra e homicídios e da corrupção que
corrói os políticos daqui e de outros continentes.
Sei também que ainda existem, mesmo que em
número muito reduzido, Homens de boa
vontade, solitários como pequenas ilhas quase
invisíveis no imenso oceano de injustiças.
Desconfio que aquela vontade que um dia eu tive
de mudar o mundo, era de uma dignidade hoje quase
inexistente. Preferiu se afastar.
Cansou de ver suas esperanças explodindo no céu
qual foguetório de São João.
Não quis ser apenas mais uma, no meio de
muitas outras que morreram de tanto esperar.

29.7.06

O COTIDIANO.




Tenho reparado que o número de pessoas
que lêem livros dentro dos vagões do metrô aumentou.
Procuro pelos títulos e descubro uma variedade
interessante. Entre os de auto ajuda e religião, que
são maioria, grandes clássicos da literatura como Dostoiévski,
Machado de Assis e até peças de teatro.

Tenho reparado que as salas de cinema estão mais vazias.
À-propros cinema, ontem assisti a um bom filme:
“Verdades Nuas”, bom roteiro, excelente produção,
bons atores, e o surpreendente; é americano.

Todos os dias recebo e-mails com matérias jornalísticas,
denúncias, ou opiniões pessoais sobre os novos (?)
candidatos a presidência do país. Fico indignado.
Não com os textos, mas com a ainda suposta indignação
ou parcialidade daqueles que me enviam os mails.
Principalmente daqueles que poderíamos chamar
de produtores culturais do país.
Não acredito na hipótese deles serem idealistas.
Estão mais para sonhadores.
Ou qualquer outra classificação que não se encaixa
nem a esquerda nem a direita do que isso que nos governa.
Acredito que o intelectual tem o dever de exercer a
crítica, ser imparcial, emocional sem perder a razão,
e se possível (em nosso país inevitável) apartidário.

27.7.06

O QUE OS OLHOS NÃO VÊEM




Hoje por volta das 16 horas alguém se jogou
do Viaduto do Chá. Pensei que pelo menos
de lá ninguém mais se suicidava.
Não é tão alto assim, e o número de passantes
é tão grande que poderia servir como agente inibidor.
Alguém me disse que é exatamente isso que pode
incentivar o suicida. Platéia garantida.
Acompanhei a multidão e me encostei no parapeito
da ponte para ver o infeliz. Não vou descrever o que
vi. É possível imaginar a cena. Não sei qual a razão,
ou os motivos que levaram o moço a tomar aquela
decisão, porém, reconheço sua coragem.
É o mínimo que posso sentir diante daquele ato,
e rezar, para que sua alma encontre a paz não
encontrada em vida.

Depois de alguns minutos, quase já
na Praça Patriarca um casal que caminhava logo a minha
frente, jogou no chão os envelopes de papel que embalavam
os seus picolés. Como se a calçada fosse uma lata
de lixo. Eu os interpelei e os repreendi.
A moça sorriu e disse que eu tinha razão,
o rapaz me olhou com cara de quem não
gostou de ser repreendido. Eu insisti.
Delicadamente eu disse que havia uma lixeira logo adiante,
e que eles deveriam pegar as embalagens e
jogá-las no devido lugar. Eles voltaram,
pegaram as embalagens e as jogaram no lixo.

Uma amiga me disse que a energia estava ruim
e pesada durante o dia porque estamos nos
primeiros dias da lua nova.
Eu não entendo nada sobre os movimentos lunares
e seus efeitos, mas acreditei no que ela me disse.
No caminho de volta Ogum me veio a cabeça.
Hoje é quinta feira, dia dele.
Comprei três rosas vermelhas,
entrei no apartamento e as ajeitei sobre a mesa do
meu escritório. Acendi um incenso de sete ervas.
Depois da lua nova vem à crescente,
e eu acredito na renovação.

24.7.06

HIPOGLICÊMICO




Quanto tempo a gente precisa para digerir uma palavra?
O tempo é um só, mas a percepção dele é diferente
para cada um de nós.
Então, dependendo do peso, ou até do teor de gordura
da palavra, e de quem a expressou ou a ingeriu, ela pode
levar um bom tempo para ser digerida.
A maioria delas cai no estomago como uma bomba e pode
levar dias para ser expelida de dentro da gente.
Outras não precisam de tempo algum,
derretem na língua muito antes de serem engolidas.
Essas são mais raras, estão em fase de extinção.
Fios de ovos, massa folhada, mel...
Há também as não ditas (por ignorância),
e as que queremos ouvir e ninguém nos diz (por ausência de sensibilidade),
e as que nos dizem e não ouvimos (por ignorância e ausência de sensibilidade).


22.7.06

PARA QUE A JUSTIÇA SEJA FEITA




Num “santinho” com a imagem de São Miguel Arcanjo
encontrei no verso, depois da oração, a seguinte frase:
“Para que os pedidos sejam atendidos é necessário que
sejam justos”

19.7.06

TRECHO DE ROMANCE INÉDITO - AINDA SEM TÍTULO





"...relembro passagens de nossas vidas, que indubitavelmente
não teriam acontecido sem o forte impulso dos nossos desejos.
Mesmo que esses desejos não tenham sido explicitamente
manifestos, havia a vontade de nos transformarmos.
Existia a certeza de um futuro que estava apenas começando,
e estávamos dispostos a vivê-lo.
Porém, os acontecimentos se encarregaram de construí-lo
as suas maneiras. Definiram nossas vidas antes que pudéssemos
realmente optar por qualquer outra alternativa.
Deve ser assim que a vida se realiza com a maioria das pessoas.
Os acontecimentos, com freqüência antecedem as escolhas e
se encarregam de indicar os caminho. A máquina silenciosa do
cotidiano trabalha incansável tecendo a trama de nossas vidas,
e quando ela começa a apresentar os primeiros sinais de cansaço,
já é tarde para deixarmos de ser o resultado do que ela mesma teceu..."

16.7.06

DETRITOS.





Entre o lixo que bóia na beira do mar
e o navio cargueiro que cruza
a linha do horizonte,
uma rosa vermelha
carrega solitária
a responsabilidade de levar
pedidos à deusa.

Pobre rosa solitária.
Pobre deusa.
Pobre navio cargueiro.
Pobre mar de sonhos de pobres homens desejosos.

13.7.06

TROCA DE RUMO

Ontem troquei meu destino.
De hoje em diante os caminhos serão os certos.
Não tenho novos endereços,
nem mapas de novas cidades,
e muito menos uma nova bússula.
Tenho junto de mim
a velha e incansável amiga esperança.
Apenas.
Insistiremos,
mais uma vez,
e mais uma vez,
e quantas vezes se fizer necessário.
Nesse novo destino
descobriremos juntos
novas maneiras de não mais nos perdermos.
Apenas.

5.2.06

ANÔNIMOS.






Se evoluímos, como pensamos que evoluímos,
foi graças a rebeldia de cada um de nós.
Não tivessem existido os desgarrados,
os céticos
os rejeitados
os renegados
os mal falados,
os descrentes,
os inconformados,
o que seria do que chamamos civilização?

UM PRESENTE.

Dois amigos me deram um lindo CD.
"May the music never end" da Shirley Horn.
Ouvi agora de manhã e fiquei encantado com
as versões que ela deu a duas músicas internacionalmente
conhecidas e por demais já mal arranjadas.
São elas: If you go away (nome dado para "ne me quittes pas)
e Yesterday. Simplesmente lindas. Cantadas
com sensibilidade capaz de incitár-nos a mexer no
velho baú de boas memórias.

30.1.06

O SUÉTER.

Então fez-se o impasse:

Eu me esforçando incansavelmente para
entender como você teceu os fios
e refez a trama do velho suéter que herdou
do seu pai,
e você tentando me convencer que nada mais
fez que entrelaçá-los no sentido transversal.

Segredo não há
você me disse com toda a calma que Deus te deu,
basta entrelaçá-los assim,
e me mostrou.

Ai criatura, assim como?
Assim ó, me mostrou pela centésima vez.

Não entendi eu continuei repetindo até
você parar de tecer e me entregar o suéter:
toma, é melhor você vesti-lo, desse jeito
vai acabar se resfriando.

29.1.06

DIABRURAS DO FREI

Por pura curiosidade comprei o livro de
contos do Frei Betto "Treze contos Diabólicos
e um angélico". Fácil. Contos curtos. Muitas vezes
cheios de lugar comum no que se refere a imagem
do Diabo. Mas gostosos de ler. E mais. Frases que nos
fazem voltar e repensá-las. Por exemplo no conto
intitulado "Males que vem para o bem", a certa altura
o Conselho dos Diabos está reunido para debater a expulsão
de um de seus membros e satã diz: "Nós somos a dor de Deus.
Deus vive a tortura de amar sem ser correspondido".
Outro exemplo num outro conto quando ele afirma:
"...a solidão é um estado de insegurança, refúgio de si em
face dos olhos do outro." É isso. Nada de extraordinário,
porém muito prazeroso.

DIÁRIO DAS VONTADES IMEDIATAS

Viena.
Por três meses.
Ouvir a velha língua entrar em meus ouvidos.
Sentir meu coração bater.
Sentar na velha poltrona do Musik Verein.
Ouvir Brahms. As quatro sinfonias.
Entrar e sair dos cafés.
Ler os jornais.
Encarar as pessoas nas ruas.
Sorrir para a delicadeza estudada.
Ver novamente as telas do Klimt no Belvedere.
Caminhar.
Ouvir o sinos tocarem.
O som das carruagens.
Passear pelo Burggarten e observar os jardineiros
descobrindo as roseiras.
Sentir o sabor do vinho tinto envolver meu espírito.
Voltar.

28.1.06

PRESENTE.

Escolho um entre muitos e
já na primeira mordida
sei que o escolhido fui eu.

Dentro da boca
a ponta de minha língua
cutuca o espaço vazio dos
meus dentes.

Tento resgatar o sabor
que engoli com tanta avidez.

Agora sei.
Passou.
Muito rápido
goela abaixo.

Ele está dentro de mim.

26.1.06

ACABEM COMIGO.

Fui assistir ao "Marcha dos Pinguins". Ai meu Deus.
Ao contrário da maioria unânime, não gostei.
Acho chato. Lento. Apelativo. Um saco.
Não trocaria nenhum Cousteau por essa estória de pinguins
cheios de sentimentos e pior ainda falantes.
O único pinguim falante adorável que já conheci foi
o malvado do seriado do Batman.
Saí do cinema perguntando por que todo mundo que
conheço gostou tanto do filme. Até agora não sei.
Talvez o sacrifício para preservar a raça,
a fome, a própria marcha, a música (mais parecida com
fundo musical de karaokê),tudo isso tenha comovido os
corações humanos. Não. Definitivamente.
Antes, me emociono com qualquer desenho animado
do Tom e Gerry. Por favor, parem com isso!

24.1.06

DE VOLTA.







Voltarei a postar.
Acabei o romance que estava escrevendo e acho que
agora terei novamente tempo para me dedicar ao empalavrado.
Talvez não consiga postar diariamente, mas vou tentar.