21.11.06

TRANSPARENTE.

Não sei se o que vou relatar acontece com todo mundo.
Estou novamente suspenso. É assim que me sinto.
Suspenso no tempo, a espera do que pode acontecer.
Hoje li algo parecido. Alguém disse que devemos descartar
a idéia de atraso ou o inverso dele, o tempo, dizia o texto,
não tem compromisso com nossos desejos.
Então o segredo, ainda segundo o texto, é continuar, insistir,
fazer e desfazer e tudo aquilo que todos nós ansiosos
já sabemos de cor e salteado.
Pense o que quiserem,
eu acho quase impossível seguir a vida assim, sem
expectativa qualquer, acreditando que as coisas acontecem
no tempo certo, e que em algum momento da vida elas
passem a acontecer apenas porque chegou a hora certa.
E se quando chegar não às quisermos mais?
E se quando chegar já às esquecemos de tanto tempo que o
tempo deixou passar?
E se o tempo esqueceu da gente?
Tempo e Deus é a mesma coisa?

16.11.06

AZENHA.



Voltar e rever.
Retornar e refazer.
Tentar desfazer e re-costurar.
Re-paginar.
Não.
Recriar.
Sim, sim, sim.
Inovar.
Sempre que não for possível.
Necessariamente quando se pensar impossível.

E eu que sonhei prazeroso
certo com o que viria,
um vagão de trem com acentos numerados,
uma janela de vidro quase limpa,
trigais, girassóis, o milharal.
Hoje construo pequenas pontes,
finjo atravessar seguro
continentes que não desejei conhecer.

Quero mais do que ainda não provei.
Da vida,
só quero ela mesma.

12.11.06

HANDEL, VINHO, E A VONTADE DE QUE TUDO SEJA MAIS DO QUE APENAS VONTADE.



Alcina canta:

“Ah! Mio Cor! Schernito sei
Stelle, Dei! Nume d1amore!
Traditore! T’amo tanto;
Puoi lasciarmi sola in pianto,
Oh Dei! Perché?

Ma, Che fa gemendo Alcina?
Son Regina, è tempo ancora:
Resti, o mora, peni sempre,
O torni a me.
Ah! Mio cor, scc.

Eu bebo, e o vinho empurra goela abaixo
lembranças que a voz triste de Alcina acordou
dentro de mim.
Não são tristes, minhas lembranças.
São amores e antigas paixões que racionalmente ficaram para trás,
mas que de alguma maneira estão para sempre tatuadas na memória.
Gente que cruzou o meu caminho e deixou sua marca, assim
como eu também devo ter deixado a minha.
No início quando ainda não passamos de meras vontades,
somos apenas vontades que encontram vontades.
O tempo, sempre ele, o produto da mistura delas, nos transforma.
Já não tenho certeza se não são tristes as minhas lembranças.
Ou será o efeito do vinho?
O palácio de Alcina será destruído, e junto com ele, ela e seu baú
repleto de poderes encantados.
O amor vencerá, a todo custo ele vencerá, e Alcina, mesmo cantando
o seu pranto comovente não sobreviverá. Sinto pena dela. Coitada.
Não teve tempo de reverter à situação. Alcina desde o início era
só vontade.

O coro canta:

“Dopo tante amare pene,
Giá proviam conforto all’alma;
Ogni mal si cangia in bene,
Ed al fin trionfa amor.
Fortunato è questo giorno,
Che ne reca bella calma,
Dell’inganno e insidie a scorno
Già festeggia il nostro cor."

Espero, de coração, que a alma de Alcina consiga encontrar a paz.

10.11.06

A FÉ EM ONDAS.

Oxalá todos os pedidos fossem aceitos!
Onde habitariam os sentimentos de angústia e ansiedade?
O universo trabalha fora dos padrões normais do tempo
que nós criamos e acreditamos.
Acredito que a fé emita ondas de energia que transitam
livremente até encontrarem suas praias-destinos.
Algumas estouram fazendo enorme barulho sobre as
pedras, outras deslizam calmamente sobre as areias aconchegantes
e outras exaustas e já sem força, morrem nas praias.

4.11.06

OS ANOS DE CHUMBO E AS FÉRIAS QUE NÃO TIVEMOS




Gostei do “O ano em que meus pais saíram de férias”.

Excelente roteiro, produção, figurino e fotografia.
Gosto de filmes onde a narrativa é feita através dos olhos
de uma criança. Nesse caso um período ruim da história do
Brasil é contada de forma romântica e leve, sem perder
em intensidade e conteúdo. Os atores mirins são ótimos.
Paulo Autran nos poucos minutos em que aparece, consegue
demonstrar todo o seu talento. Mas o ator que faz o vizinho
judeu que é obrigado a tomar conta do menino me fascinou.
Seu nome é Germano Haiut e eu nunca o vi atuando antes.
Gestos comedidos, olhar de melancolia e peso, consegue
expressar sentimentos sem emitir palavras. Comovente.
O filme pega carona nos bons filmes argentinos.
Nos faz lembrar com tristeza não apenas nos anos
de repressão política que fizeram parte da nossa história, mas
também numa época cheia de esperança.
Éramos pobres e malandros. Hoje somos miseráveis e criminosos.
Éramos esperançosos e acreditávamos num futuro que nada
se parecia com os dias atuais.