31.7.08

LE MOT JUSTE



Depois de um dia intenso de trabalho a sensação é de esgotamento total. E junto com essa exaustão vem sempre uma sensação que é terrível para mim: quero escrever e não consigo porque estou muito cansado para criar e dar continuidade ao texto que está dentro do computador me esperando. Nessa hora me bate um sentimento de impotência terrível. Querer e não poder. Não tem a ver com a matéria diretamente, porque estou falando sobre uma produção intelectual, algo não palpável que é o exercício do pensar. Mas por outro lado tem a ver diretamente com o material, porque como acontece com quase a totalidade das pessoas que habitam esse universo, eu tenho que trabalhar muito para poder dar conta de todas as minhas obrigações. Não tem como ser diferente. Tenho que morar, comer, me vestir, me comunicar, me informar, e tudo isso tem um custo. Um custo que me é muito caro, porque me rouba um bem muito precioso que é o tempo. Para escrever é preciso ter tempo. Sem ele não há criação. Sentar, pensar, não escrever nada, voltar ao mesmo lugar e pensar, e então começar a escrever o que talvez eu tenha que apagar e novamente pensar, fazer um café e voltar para frente do computador e recomeçar tudo novamente. Talvez a diferença entre o tempo que me falta e o tempo que me sobra, aí no meio é o meu lugar. Mas é pouco. Muito pouco. Porque tenho tanto dentro de mim para trazer para fora, transformar em palavras.


Faço a primeira correção/revisão do meu terceiro livro que será um romance. Já revisei um terço dele. Gosto desse trabalho, acho até mais prazeroso que o próprio processo de criação. A história está feita, mas não pronta. Procura-se o melhor. A melhor palavra que expresse o que se quis dizer, a palavra mais justa como queria Flaubert. Ainda não tenho um título para ele. Tenho mas não estou certo, acho que terei certeza quando eu terminá-lo de verdade. Encontrarei o mais justo, o que melhor combinar com o corpo e rosto dele.

30.7.08

REALIDADES.

Hoje no final da tarde, mesmo cansado fui assistir ao “Era uma vez...” do diretor Breno Silveira. O filme é bem feito, os atores são bons e etc..., mas durante a sessão fiquei pensando quantos filmes nos últimos anos eu já assisti com essa mesma temática, Rio/morro x zona sul/drogas/tráfico. Será que tem que ser assim? Lógico que essa é uma das nossas várias realidades. E ela deve ser mostrada e discutida e tudo e tal, mas eu pelo menos já cansei de ver isso repetido em preto e branco e em cores. Falemos de outras realidades. Talvez até como forma para repensar um pouco o que já ficou banalizado.

Fui assistir ao filme no Shopping Higienópolis. Quando puder evitar, vou evitar. Público ruim. Não é a primeira vez que isso acontece lá. Gente que fala sem parar durante o filme, e nem mesmo quando reclamamos para que comentem o filme depois, conseguem ficar sem falar. Um casal de idosos que depois de ter sido chamado a atenção por um outro rapaz, passou a falar e a fazer comentários em francês. Pensaram que mudando o idioma teriam resolvido o problema. Pois que comentassem o filme em casa e respeitassem os outros pagantes foi o que eu disse também em francês. Bem. Eles se calaram. Mas quando as luzes acenderam saíram rapidamente de perto de mim. Graças a Deus! Aluguem um DVD e assistam em casa, lá vocês podem fazer o que quiserem durante o filme, comer pipoca, falar ao celular, adivinhar em voz alta o que acreditam vai acontecer, falar alto “que horror, que horror”, ou “ah ta, era só o que faltava.” Talvez, antes do filme começar, junto com os avisos de “desliguem seus pagers e celulares”, o locutor também deva avisar ao público para que ele evite falar ou fazer comentários durante a sessão. Pois é, o cinema é um local onde a gente não vai para assistir o filme sozinho, tem outras dezenas de pessoas na sala junto com a gente, e elas devem ser respeitadas.

27.7.08

GAROTA ESPERTA POR QUE NÃO TE CALAS?

Cine Sesc, Rua Augusta. Tomo um café expresso no balcão enquanto aguardo a sessão das 16:50 do filme “Uma garota dividida em dois” do Claude Chabrol. Três jovens; uma garota e dois rapazes. Ela fala como se tivesse engolido um rádio ligado. Pensa saber tudo e mais um pouco. Esperta, conhece nomes de atores e peças de teatro. Opina sobre qualquer coisa. Aquele é um lixo, aquela é ótima, deu no Estadão que, deu na Folha que, o crítico tal falou isso e aquilo. Fácil. Muito fácil. Modelo alternativa: tiara prendendo os cabelos curtos, óculos estilizados, jeans e camiseta justíssimos, sapatinhos ortopédicos. A pérola: “tenho uma amiga que estava fazendo uma peça no teatro Renaissance, uma comédia, falei para ela que ia juntar o dinheiro até o final do ano para poder assistir. Num pago. Era comédia, você acha? Num pode cobrar o mesmo preço do drama, comédia é outra coisa. Voce acha?” Fui obrigado a me afastar. Por medo de mim mesmo. Vontade de pedir para ela se calar. Não sabe o que fala. Mas fala por todos os orifícios do corpo. Pensei em Moliére, Tartufo, Pirandello, Dias Gomes, Bernard Shaw, Shakespeare, Grande Otelo, Mazaropi, Chico Anísio e poderia ter continuado a engordar minha lista, mas não continuei porque comecei a rir. Ó, ó, moça esperta. Não precisei nem começar a “juntar” dinheiro para ir ao teatro, ri de graça na sala de espera do cinema. Lembrei do Rei Juan Carlos e de sua indagação: “Por que não te calas?”

Ah! “Uma garota dividida em dois” é um bom filme, vale a pena assistir.

25.7.08

DIFERENÇAS

A diferença entre um artista e a grande maioria de pessoas está na coragem. Não estou falando sobre as várias formas de coragem que qualquer ser humano tem que ter porque senão não sobrevive as adversidades do cotidiano, mas a coragem de enfrentar seus próprios medos e/ou excesso de auto confiança, embarcar numa viagem que ele necessariamente tem que acreditar porque ninguém além dele acredita, e mais, encarar a solidão inevitável e imprescindível para a produção de sua obra. O filme “Nome Próprio” de Murilo Salles me fez pensar sobre isso. Baseado na obra de Clarah Averbuk, não é um filme de temática nova, mas é muito bem feito (com exceção da sonoplastia, em muitas passagens do filme muito ruim, me desculpem se o problema for do som do Espaço Unibanco), bem dirigido, e primorosamente interpretado pela Leandra Leal no papel da Camila. Digo que não oferece novidade, não para denegri-lo, ao contrário, gostei muito do filme, mas para esclarecer que a viagem feita pela Camila é muito parecida com o roteiro que quase todo artista tem que fazer para sobreviver. No caso da protagonista, há ainda os impulsos que a levam a extremos para satisfazer sua carência afetiva e amorosa. De alguma forma todos nós queremos ser amados, mas alguns fazem qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Outros, como é o caso da Camila, são um caldeirão de sentimentos intensos. Para eles tudo é urgente e fere; o amor, a dor, a palavra, o desejo, e a diferença é que eles não fogem de nenhum desses sentimentos por medo ou covardia, ou qualquer outra desculpa. Eles não perdem tempo se preocupando em tapar o caldeirão com uma tampa inviolável, eles vivem. Esses são os artistas.

23.7.08

IMPRESSÕES E CERTEZAS

Ontem no final da tarde voltei para casa caminhando. No caminho, para fuçar um pouco e ver as novidades, entrei em algumas livrarias ao longo do meu trajeto que começou na Brigadeiro Luiz Antonio, passou pela avenida Paulista e terminou em Higienópolis. Antes de escrever o que me impressionou negativamente, quero deixar claro que considero o livro não somente um objeto de arte, mas também um produto de consumo, e portanto entendo que ele seja tratado como tal nas livrarias. Mas o que me chamou a atenção, é que em alguns lugares além de ser mal exposto, ele também é relegado a uma posição secundária como produto. Falo dos empilhamentos em série que acabam confundindo quem está procurando por algum título ou novidade. Também é fácil notar como na ordem imaginada pelos gerentes das lojas que não vendem apenas livros, mas produtos eletrônicos, cds, dvds e afins, eles estão em último lugar em grau de importância. Normalmente estão no fundo de um corredor ou escondidos na última sala do labiríntico salão. Acho que os espaços poderiam ser um pouco mais convidativos ao freqüentador. A presença de poltronas confortáveis, luzes mais aprazíveis, e uma exposição organizada mais na vertical e menos na horizontal poderiam ajudar bastante.

As novas calçadas da Avenida Paulista facilitam a caminhada, mas são muito feias. Cruas, cinza desbotadas, sem a presença de árvores e canteiros verdes e lixeiras, deixam muito a desejar no aspecto visual. Mesmo que a justificativa para o resultado esteticamente feio delas tenha a ver com os custos, a avenida cartão postal da cidade deveria ser mais bem cuidada e agradar aos olhos dos passantes. Lembrei-me da cena da Marta Suplicy em campanha pela prefeitura anos atrás, quando ela caminhou pelo centro reclamando das calçadas e dizendo que aquilo era um lixo. Prometeu reformas, o centro se transformaria numa jóia e etc... Anos depois de sua gestão as calçadas continuam uns lixos, as ruas continuam sujas e esburacadas, uma cidade que não convida o cidadão a passear. Nada foi feito efetivamente que provocasse mudanças. Nem no governo dela, nem nos que a sucederam. Esses governantes que viajam tanto, por tantas cidades onde freqüentam congressos e reuniões internacionais, pelo jeito também por outras bandas eles devem circular apenas de carro ou helicópteros, porque se caminhassem poderiam perceber a diferença de qualidade e “importar” algo de bom para cá. O planejamento das cidades tem a ver com qualidade de vida do seu morador, menos trânsito, e conseqüentemente menos estresse e poluição reduzida. Lembrete, estamos envelhecendo: o futuro para uma grande parcela dos brasileiros já chegou, cada vez mais teremos necessidade de sentirmos acolhidos pela cidade onde moramos.

21.7.08

O MELHOR É O CONFLITO

Até que ponto a gente pode mudar? Será que é só querer mesmo, ou é mais do que isso, tem alguma coisa dentro de nós que interfere, independente da nossa vontade e que desencadeia emoções? A razão e a emoção, às vezes me canso desse conflito. Na maioria das vezes busco a razão, mas quando a emoção interfere na razão, aí nem com choque elétrico para me controlar. Queria o não conflito. Fazer da emoção o fio condutor. Acordar e não ter que discipliná-la para poder conduzir o meu dia de maneira mais irresponsável. Não cumprir, não exercer, não estar.

“Acenos e afagos”, o novo livro do João Gilberto Noll me provoca as mais distintas emoções. Gosto de tudo nele. E de sua coragem. Não acredito que o escritor tenha o direito de não ser corajoso. Há apenas a necessidade de ver os sentimentos se transformarem em palavras e isso não é mito, mas fato, pelo menos no meu caso. Escrevo porque se não escrever vou morrer envenenado por elas. Então expurgo o que há dentro de mim, e nem sempre o que há dentro de mim é agradável.

Ontem assisti ao Hamlet cujo protagonista é o Wagner Moura. Gostei. Por que gostei? Gostei da tradução, mais compreensível e adaptada a linguagem contemporânea. E do Wagner Moura que está muito bem no papel e convence (mesmo quando exagera no gestual ou na voz um pouco patinho feito quando tenta confundir a rainha e o rei de que está louco). Porque tem um rei interpretado pelo Tonico Pereira que no começo me deixou confuso, já que ao contrário do que eu esperava, não se contrapôs ao Hamlet com a veemência dos assassinos, mas com cinismo. Gosto da inovação. Shakespeare mais acessível, mas nem por isso menos compreensível.

Percebi um público um pouco diferente do que costumo ver no teatro. Gente que foi para ver o Wagner Moura, apenas. Jovenzinhas e suas mamães às vezes mais jovenzinhas que suas filhinhas, mas tudo bem, não quero entrar na discussão do que é direito e o que não é direito porque isso me irrita de qualquer maneira. Mas que é constrangedor, ah isso é. Aplausos no final e gritos das jovenzinhas. Ou será que foi das mamãezinhas?

13.7.08

AS ALMAS IMORAIS E AS OUTRAS

Já faz algum tempo, eu gostava muito mais de estar entre pessoas e conhecer outras novas. Achava interessante a variedade de tipos e de suas diferentes personalidades. Pensava que ao conhecê-las, eu estaria enriquecendo meu espírito com novas idéias e emoções. Passou. Faz tempo que passou. Em boa parte por causa do desencanto natural que as experiências vividas me trouxeram, e em outra porque preciso de muito tempo para mim e para escrever. Há pouquíssimas pessoas corajosas e verdadeiramente interessadas em trocar conhecimento. A grande maioria quer falar, e falar de si mesmo ou do que acreditam ser. Não querem ouvir nem prestar atenção no outro ou no que acontece ao redor. Pena, mas acho que faz parte do zeitgeist em que vivemos. Tempo ruim. De gente muito preocupada em olhar apenas para si mesma, bloquear os ouvidos e não vivenciar o que é real. Estou discorrendo sobre esse tema, porque ontem fui assistir a peça “Alma Imoral” baseada no livro que tem o mesmo nome do Nilton Bonder e é encenada pela Clarice Niskier. Sai da peça totalmente envolvido com o tema e encantado com o trabalho da Clarice. Como ela bem diz no começo da peça, não há uma história com foco, começo/meio/fim como no teatro que estamos acostumados a assistir, mas sim uma sucessão de pensamentos e narrativas. Essas histórias são contadas com uma naturalidade e elegância cada vez mais raras de se encontrar entre os atores brasileiros. Clarice esbanja em elegância, e consegue nos fazer compreender a avalanche de pensamentos e palavras com uma facilidade invejável. De volta para o início desse post, o conteúdo da peça me re-conectou comigo mesmo. Com a certeza de que é preciso seguir a intuição, mesmo que ela te passe um sentimento de insegurança, porque de alguma maneira ela está te fazendo escolher o caminho inverso da maioria das pessoas. Transgredir pode ser muito bom, mas é preciso coragem porque na maior parte do tempo você se verá sozinho. Mas há outros transgressores anônimos, muitos outros que também escolheram outros caminhos. E é isso o que importa, que você não se junte ao grande corpo moral, mas que escute o que sua alma imoral está te dizendo para fazer. Prefira a traição, rejeite a hipocrisia.

10.7.08

MÉDIO

Se eu seguisse meus impulsos todas as vezes que fosse confrontado com - não somente meus desejos, mas também minha total ausência de vontade – eu poderia neste exato momento estar preso por assédio de qualquer natureza ou internado em um hospício.
Os impulsos, sempre eles, e logo em seguida a repressão. E nos utilizamos desse mecanismo mesmo sem nos dar conta. Não. Nem tudo é natural, assim como nem tudo é anormal. Mas, para ficar no meio termo – a gente tem sempre que achar um meio, para não ficar a margem – o custo pode ser muito alto. Tão alto que há o perigo de não conseguirmos mais nem mesmo enxergar o meio.

7.7.08

UNIVERSOS PARTICULARES

No último fim de semana estive no Rio. Além de re-visitar os amigos e caminhar muito pela cidade, vi a exposição do Taunay no Museu Nacional que se encerrou ontem. Não sou conhecedor nem especialista, portanto não fiquei analisando técnicas ou comparando com outros pintores da época. O que mais pensei durante o tempo em que observava as telas, foi sobre como devem ter sido suas primeiras impressões ao chegar ao Brasil. Retrocedi no tempo: o Rio de Janeiro em 1816 data de sua chegada, a corte, o povo, a natureza exuberante, a pobreza, os escravos, o cheiro nas ruas, como tudo isso interferiu no humor e estado de espírito do pintor de telas classicistas francesas e paisagens romanas. Lógico que tenho consciência de que também a França que ele havia abandonado não era o que hoje imaginamos, a revolução, a quantidade de cabeças que rolaram, o fedor nas ruas, Napoleão, nada disso é tão cheio de grandeza como imaginamos quando aprendemos na escola. Percebi que apesar de todas as diferenças de cores, odores, nobreza e etc... seus traços retrataram as novas paisagens segundo a extensão dos seus limites. Acho que isso é o que chamamos de assinatura do artista. O que já há dentro dele, mais o que se acumula com as experiências vividas. O país, a gente, a língua, os cheiros, o meio em que ele viveu, não há dúvida de que tudo isso teve um impacto sobre ele, entretanto ele viu e sentiu através do que já estava apreendido em seu interior. Penso que explicações sobre a obra de qualquer artista nem sempre atingem o objetivo desejado, o que não é o caso dessa exposição, os esclarecimentos tem lugar. Mas o que realmente eu quero dizer desde o começo, é que toda obra de arte – seja ela oriunda do cinema, teatro, literatura ou artes plásticas - , interfere de maneira diferente nos sentimentos de cada um dos que se deixam envolver por elas, e talvez seja esse verdadeiramente seu único e grande mérito. Há um universo infinito de visitantes com seus universos particulares.

2.7.08

ESCONDE ESCONDE

Interessante observar as pessoas. Gosto muito mais de observá-las do que conversar. Hoje dentro de um vagão do metrô, vi um velho japonês com barbas brancas exageradamente longas. Ele vestia uma calça de veludo cinza escuro e uma camisa xadrez. Sobre a cabeça uma boina. Acho que ele devia ter mais de oitenta anos, era de baixa estatura e tinha a pela muito branca. Sentei de frente para ele e logo notei que ele percebeu que eu o observava. Normalmente não me sinto intimidado, porém seus olhos pequeninos e interrogativos me fizeram recuar. Por alguns segundos me esforcei para não olhar para ele, depois não consegui mais me controlar. Cedi a tentação e voltei a procurá-lo, porém, ele não estava mais lá. Corri os olhos por todo o vagão e não o encontrei. Próxima estação Paraíso. Tenho que fazer a baldeação. Saio do trem e vou para a outra plataforma. Estou perplexo. Aonde ele foi parar? Depois de alguns minutos entro no trem que me levará para a estação Consolação. Ouço a campainha, as portas se fecham, e quando acabo de me sentar eu o vejo do lado de fora do trem. Percebo que ele também me localizou. Nos olhamos rapidamente, e pouco antes do trem partir ele acenou para mim. Como se fossemos amigos e tivéssemos acabado de nos despedir, eu retribui o aceno. Não sei o que ele pensou, mas acho que ele se divertiu um bocado brincando comigo.