22.1.10

DISTANTES E PRÓXIMOS

Hoje saí de casa por volta do meio dia. Precisei de umas duas horas para fazer as lições de casa, o curso está cada vez mais avançado e difícil. Um solzinho bem tímido iluminava o dia, mas o frio continua cortante. Fui ao museu Rodin. Além das esculturas dele, há uma exposição excepcional com esculturas e desenhos de Matisse no prédio vizinho onde residem suas obras permanentes. Difícil não se emocionar com tanta beleza. E o bom é que não tem muito turista nessa época e a gente pode ver e rever as peças quantas vezes quiser sem ser perturbado. Eu não conhecia as esculturas do Matisse, já havia visto uma coletânea de suas pinturas, mas nunca havia visto seus bronzes. Se há uma coisa que os franceses sabem fazer muito bem é organizar uma exposição e mostrá-la de forma coerente. Imagine os desenhos e peças de bronze de Rodin expostas lado a lado das de Matisse. Numa sala só um pouco mais larga que um corredor, de um lado estão expostos os desenhos de um, e vis a vis os do outro. A intenção não é a de fazer comparações, mesmo porque não imagino que alguém tenha a infeliz idéia de tentar, mas a de mostrar as diferenças e as similaridades que os une. Algumas peças são tão similares nas formas e texturas que se não fossem indicadas com os nomes dos artistas seria difícil saber quem fez o que. Matisse conheceu Rodin quando Rodin já era um artista reconhecido e famoso. Levou um de seus desenhos para ele e esperou ansioso uma avaliação. Matisse conta que Rodin disse que ele tinha a mão muito “fácil”e que recomendou que ele fizesse alguns desenhos “pignochés” (termo para desenhar de um modo mais cuidadoso, menos livre). Matisse não retornou mais a casa de Rodin. Consigo entendê-lo. Lembro-me bem quando escrevi meu primeiro livro e levei para um editor muito conhecido em São Paulo esperando um parecer e depois de uns dois meses recebi um convite para ir ao seu escritório. Fui para lá esperançoso, mas ao chegar lá tive que ouvir durante mais de uma hora ele falar das obras que tinha lido, dos autores que ele achava importante e conhecia, uma exposição ridícula de seus relacionamentos e das dificuldades de edição e nada de falar do meu texto. Saí de lá frustrado e jurei nunca mais perguntar nada a ninguém. Matisse continuou admirando Rodin, e sua obra ganhou personalidade própria, mas ele seguiu sua intuição e método de construção. Também os desenhos de Rodin (que se mete a desenhar na virada do século, portanto no início de sua velhice) se parecem demais com os de Matisse. Traços leves e soltos, nus com uma carga erótica muito próxima da encontrada nos desenhos de Matisse. Dois artistas que emocionam porque entre outras qualidades expressam autenticidade em suas obras.

Voltei caminhando, sentindo o frio congelar meu rosto e já quase em casa parei num desses bares do Marais. Um sujeito imenso pesando uns 120 kilos, descendente da família do Asterix se sentou ao meu lado e começou a puxar papo. Oui, non, oui, e quando percebi já tinha bebido uma garrafa de vinho. Foi bom. Serviu para aquecer meus ossos. O Asterixo era bem simpático, queria me levar para conhecer um outro bar, mas eu disse que hoje não seria possível, merci. Vou para cama com Rodin e Matisse, e todas aquelas figurinhas de bronze perfeitas de tão imperfeitas, cheias de movimento e sensualidade.

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