Clarões de independência são nuvens que se abrem e deixam que a luz do sol ilumine teu caminho novamente. Nada religioso ou místico, apesar de ser possível ver imagens parecidas nas obras de grandes pintores que pintaram anunciações provenientes dos céus. Por que isso acontece, de repente (ou não tão de repente assim) depois de meses envolto em nuvens cinzas que bloqueavam a visão da esquina mais próxima? Não sei. Mas num dia comum, sem aviso prévio, elas se abrem e deixam a luz do sol passar. E você volta a respirar normalmente.
Parei para tomar um café numa Brasserie ontem na hora do almoço quando voltava do Hospital Cochin no 14ème. Nada mais curioso e interessante do que observar conterrâneos e escutá-los. Por acaso sentei-me ao lado de dois casais de brasileiros que faziam comentários sobre a diferença de preços sobre comida e bebida e que usavam duas cadeiras e mais o entorno das duas mesas que ocupavam com suas sacolas de compras. Falavam num volume de voz acima do normal, e provocaram o deslocamento de uma dama e seu cachorrinho para uma mesa pouco mais distante. Brasileiros sempre perturbam a ordem, quase nunca por algum tipo de idealismo ou contestação necessária, mas quase sempre por falta de educação e por se acharem donos do mundo ou a última coca cola do deserto. Minutos depois a mesma mesa da velha senhora tchekoviana foi ocupada por três mulheres, duas senhoras e uma mocinha, também brasileiras. Discutiam em tom de voz alterado. Não sei porque. Mas depois de alguns minutos, uma delas disse a mocinha em tom sussurrante: “pelo amor de deus fale mais baixo porque na mesa ao lado tem brasileiros e eu não quero me misturar a eles”.
Perdi uma amiga esta semana. Uma alemã que conheci quando morei na Austria e nos tornamos muito próximos. Ela faleceu com quase 80 anos. Veio me visitar em abril aqui em Paris onde visitamos juntos a exposição do pintor alemão Cranach no Luxemburgo, assistimos Julio César no Garnier e jantamos juntos todos os dias em que ela esteve na cidade. Teve uma vida dura. Ainda menina perdeu os pais na segunda guerra, casou-se e mudou-se de Munique para Wels onde a vida provinciana, o marido alcóolatra e o marasmo fizeram-na refugiar-se no mundo romântico das óperas. Eu aprendi muito com essa amiga. O convívio durante o tempo em que morei em Wels desenvolveu-se rapidamente e nos tornamos bons amigos. Falávamos sobre muitas coisas, mas música, literatura, comida (ela (como eu) adorava comer e beber e era elegantíssima) e a decadência do mundo eram nossos temas favoritos. Seus últimos anos de vida foram feitos de viagens. Viajava atrás das óperas que queria assistir e tinha os olhos bem abertos para o que estava acontecendo. Numa das últimas conversas que tivemos, ela me disse que havia aprendido a ver as pessoas como elas realmente são e não como gostaria que fossem. Já está fazendo falta. Ruh in frieden.
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