25.7.11

TRAÇOS

Estou no meio da leitura de um livro que comecei a ler no final de semana. A autor é inglês e se chama David Nicholls e o romance saiu aqui na França com o título “Um jour”. Não sei se foi lançado no Brasil, mas se foi e a editora que o lançou foi fiel ao título, ele deve se chamar “Um dia”. Roteirista de televisão e cinema o autor soube construir a história com uma narrativa daquelas que vão te envolvendo lentamente. Ele situa o par na década de oitenta e a gente os acompanha, os encontros e desencontros, os pensamentos tipos da classe social a qual pertencem, como cada um deles desenvolve a própria vida, até chegar na década de 2000 e etc... O livro é bom, bem escrito, mas o que me chama a atenção durante a leitura é o fôlego narrativo do autor. De alguma forma acho que a gente consegue descobrir a nacionalidade do escritor através da dinâmica que ele impõe a sua escritura. Noto nos escritores ingleses essa calma necessária e quase nada ansiosa de nos contar o que querem nos contar em suas histórias por meio dos detalhes que escapam (intencionalmente) do perfil dos personagens. Você vai me dizer que todos os escritores fazem isso. Sim, é verdade, mas dependendo de suas origens e nacionalidades eles fazem isso de maneiras diferentes. Não há uma unidade, não poderia dizer que todos os autores ingleses escrevem de um só jeito, ou todos os brasileiros escrevem de uma única maneira, mas há uma tradição que, acredito, é aprendida através das leituras e outras influencias como o meio onde ele vive, origem, nível social e sei lá mais o que. Por mais contemporâneo, moderno e inovador que ele seja, ele não consegue se livrar de alguns traços de ligação com outros escritores da mesma nacionalidade. Poucos são os escritores que de tão geniais fogem a essa tradição inconsciente. Eu disse geniais, e gênios quando existem, não se enquadram a nenhuma regra.

Assisti a um documentário feito por Hugues Le Paige chamado “Le prince et son image” em que o jornalista acompanhou e filmou Miterrand de muito perto no seu dia a dia como presidente. O documentário expõe a construção da imagem em torno do ex-presidente francês. Miterrand incorporava a imagem do poder e soube fazer uso dela. Todo o entorno, o partido, seus ministros, secretários, amigos, amantes, jornalistas, ajudaram a construir o mito. O documentário não é nada isento da intenção, não idolatra o ex presidente, mas não é neutro. Serve para mostrar como a forte personalidade de Miterrand influiu nesse processo. Eu me impressiono com pessoas que como ele representam o perfeito casamento do ser e do estar. São pessoas que produzem uma imagem de si mesmas com inteligência e sabem como manipulá-la no cotidiano. Elas acreditam nelas antes de todo mundo começar acreditar que elas são como as pessoas às vêem. E esse jogo de espelhos se faz rapidamente. Miterrand se acreditava um homem forte. Foi assim que ele construiu sua imagem. Calculando, interferindo intelectualmente, escolhendo palavras, impressionando pela formalidade, talvez ele não tivesse conseguido se não tivesse esses traços de caráter dentro dele. Não consigo imaginá-lo descontraído, livre de pensamentos cartesianos, analisando a lógica em tudo. Dizem que era um sucesso com as mulheres. Talvez a aura do poder o ajudasse a conquistá-las, mas a intimidade, o diálogo interno, é isso que eu gostaria de saber, como será que esse homem pontiagudo dialogava com si mesmo. Quais eram seus temores, em quais situações duvidava de si, enfim, quando a imagem não era suficiente para encobrir os malaises.

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