Eles se conhecem há 43 anos. Dessas mais de quatro décadas viveram juntos 25 anos, uma história de amor dedicado e profundo mas repleta de pequenas traições e reatamentos até o dia em que chegaram a conclusão de que o melhor seria a separação. Há 18 anos estão separados. Depois da separação ficaram quase dois anos sem se ver e sem se falar, mas voltaram a se encontrar. Depois do reencontro mantiveram aquele tipo de distância que está longe de transformar duas pessoas que já foram muito íntimas em estranhas, mas que está ainda mais longe de ser capaz de resgatar antigos sentimentos. Um encontro por acaso aqui, outro acolá, telefonemas nos respectivos aniversários. Atualmente eles moram em cidades diferentes. Um em Paris, o outro em Nice. O de Paris, hoje com 80 anos é o que ficou sem par. O de Nice, três anos mais jovem, é o que vive há 18 anos com o companheiro que motivou o rompimento. Antes de ontem o de Paris enviou um cartão postal para o de Nice lembrando-o do aniversário do dia em que se conheceram. Escreveu a data em números romanos, lembrou dos apelidos e de como costumavam se chamar na intimidade e no final completou o texto reafirmando o amor eterno apesar do tempo e da separação. Não queria recuperar o antigo amor, mas resgatar sentimentos que um dia fizeram parte da vida dos dois. Esperou um telefonema de agradecimento até três dias depois da data do aniversário. Segundo sua experiência a entrega do cartão poderia ter sofrido um atraso. Esperou. Não obteve resposta. Ligou.
Você recebeu o cartão que eu te enviei?
Sim, o de Nice respondeu.
E?
E o que?
Você não vai dizer nada?
Dizer o que?
Se gostou, se ficou feliz, ou sei lá... qualquer coisa.
O que eu posso te dizer?
Sei lá, diga o que quiser, mas diga alguma coisa, você acha que foi fácil descobrir como se escreve as datas em números romanos?
Você não tinha a menor obrigação de fazer isso.
Não é uma questão de obrigação, mas... você sabe como é cansativo para um homem na minha idade fazer todo o percurso até o correio...
Fez isso porque quis...
Chovia sapos quando saí de casa...
Ai meu Deus, vai começar com as cobranças...
Queria te surpreender, dizer que ainda me lembro do dia em que...
Eu sei, eu sei, o maldito dia em que nos conhecemos.
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alôôô...
Preferia não ter te ligado, preferia ter acreditado que você não me ligou porque havia se emocionado com o meu gesto.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo sonhador romântico infantilizado.
Acho que vou desligar.
Está vendo, continua o mesmo.
Você também, quanta delicadeza!
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alô.
Preferia que você não tivesse me ligado, preferia ter acreditado que você enviou o cartão sem esperar nada em troca.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo calculista ingrato, frio e insensível.
Acho melhor a gente desligar.
Está vendo, eu não disse que você continua o mesmo.
Não. Fui eu quem disse isso antes.
Está bem, então faça de conta que eu não te enviei nenhum cartão e que também não te liguei.
É o que farei. Melhor assim.
É. Melhor assim.
Tchau, até a qualquer hora.
Tchau.
Você recebeu o cartão que eu te enviei?
Sim, o de Nice respondeu.
E?
E o que?
Você não vai dizer nada?
Dizer o que?
Se gostou, se ficou feliz, ou sei lá... qualquer coisa.
O que eu posso te dizer?
Sei lá, diga o que quiser, mas diga alguma coisa, você acha que foi fácil descobrir como se escreve as datas em números romanos?
Você não tinha a menor obrigação de fazer isso.
Não é uma questão de obrigação, mas... você sabe como é cansativo para um homem na minha idade fazer todo o percurso até o correio...
Fez isso porque quis...
Chovia sapos quando saí de casa...
Ai meu Deus, vai começar com as cobranças...
Queria te surpreender, dizer que ainda me lembro do dia em que...
Eu sei, eu sei, o maldito dia em que nos conhecemos.
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alôôô...
Preferia não ter te ligado, preferia ter acreditado que você não me ligou porque havia se emocionado com o meu gesto.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo sonhador romântico infantilizado.
Acho que vou desligar.
Está vendo, continua o mesmo.
Você também, quanta delicadeza!
...
Você está me ouvindo?
...
Alô...alô, alô.
Preferia que você não tivesse me ligado, preferia ter acreditado que você enviou o cartão sem esperar nada em troca.
Você continua o mesmo.
Como assim?, "o mesmo".
O mesmo calculista ingrato, frio e insensível.
Acho melhor a gente desligar.
Está vendo, eu não disse que você continua o mesmo.
Não. Fui eu quem disse isso antes.
Está bem, então faça de conta que eu não te enviei nenhum cartão e que também não te liguei.
É o que farei. Melhor assim.
É. Melhor assim.
Tchau, até a qualquer hora.
Tchau.
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