17.9.11

GÁSES

Muito cedo prestei atenção no significado das palavras. Sempre procurei coerência na literalidade delas, quero dizer, se no momento em que elas estão sendo pronunciadas elas querem dizer exatamente o que quem as falou ou escreveu queria dizer. Porque pode haver descompasso. Despojada da emoção, listada numa folha de dicionário de sinônimos e antônimos, ela significa muito menos do que quando carregada da emoção de quem a escolheu para dizer isso ou aquilo. A escolha, a forma, a carga emocional e a tonalidade podem alterar seu significado. O outro, o ouvinte, o receptor, ao ouvi-la também a sujeita e a condiciona aos limites de sua compreensão. O inferno, Sartre já disse de outra forma, só passa a arder quando nos vemos confrontados com os outros. Enquanto elas estão dentro do universo particular de cada um de nós, elas significam uma coisa, a partir do momento que penetram os ouvidos do outro ganham significados diferentes e vida própria.

Algumas noites acordo no meio da madrugada como se tivesse dormido além da conta e não consigo mais pegar no sono. Então me levanto e observo as luzes dos apartamentos dos prédios ao redor do meu. Não tenho pensamentos profundos. Observo e penso em múltiplas coisas, como por exemplo, o que aquele sujeito do prédio da frente está assistindo na televisão de sua sala ou o que amigos que moram em outros continentes poderiam estar fazendo naquele exato momento, ou ainda se devo ou não comer um pedaço do bolo de laranja que está dormindo quietinho na cozinha. As vezes ligo para algum amigo do outro lado do mundo e como um pedaço do bolo, só não consigo acessar o vizinho insone. Será que ele me vê e tem pensamentos parecidos? Outra noite, vi quando ele levantou do sofá e foi até a janela. De lá, ele olhou em minha direção. Constrangido eu preferi sair do terraço e voltar para dentro do apartamento. Gosto de observar, mas não de ser observado.

Ontem tive que atravessar a cidade. Fui até o bairro do Morumbi pela avenida nove de julho e voltei pela 23 de maio. São Paulo é decididamente uma cidade feia, sem atrativos no quesito paisagem urbana. Está bem, nenhuma novidade no que acabo de afirmar. O agravante é o cheiro que está impregnando a cidade. O gás carbônico das ruas e avenidas só perde para o fedor de urina e fezes humanas que penetra nossas narinas quando caminhamos pelas ruas do centro. Você já tentou chegar a Sala São Paulo a pé? Ouvi de um amigo outro dia, ah mas isso é covardia, quem mandou você ir a pé para lá, a cracolândia é conhecidamente um lixo. Como assim, quem mandou ir a pé? O que é então uma cidade para você? Um espaço urbano recortado por ruas e avenidas por onde passam automóveis, e o pedestre que se dane? Ver beleza na cidade onde nasci está cada vez ficando mais difícil.

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