31.10.06

CRESCENDO.

Na semana passada fui a uma missa de sétimo dia.
Durante a missa o padre foi enfático aos fiéis e parentes
e amigos que estavam presentes: parem de pedir coisas
absurdas a Deus, se não estão satisfeitos ou felizes
com a vida então vocês devem mudá-la. Falou também
de pessoas que vão até ele se lamentar sobre os entes
queridos que perderam, mais uma vez foi enfático:
não chorem pelos mortos, rezem pelos vivos.
Gostei da praticidade do sujeito. Talvez uma corrente
nova de padres pragmáticos, ou, quem sabe,
saco cheio de tanto ouvir seus fiéis se lamentarem.


Acho que foi na madrugada de sábado para domingo,
um dos telecines levou o “Rapsódia em Agosto” (se me enganei
no título me perdoem) do Akira Kurosawa.
Que beleza de filme! Sensível sem ser piegas, fala da necessidade
de se perdoar para se libertar de sentimentos ruins,
da morte e dos valores transmitidos através das gerações.
Tive que refletir mais uma vez sobre o envelhecer e sobre a
morte, desta vez por meio das imagens.


Acabei de ler o livro de contos do João Gilberto Noll.
Gostei, entretanto, muitos dos contos me dão a sensação
de que poderiam ter realmente um fim. Não tenho o
direito de alterar nada, nem é essa minha intenção, mas
em alguns deles fica um saborzinho amargo no último
pedaço do doce que estávamos comendo e gostando.

21.10.06

CINEMA E LITERATURA




No dia em que se iniciou a 30ª mostra internacional
de cinema, eu assisti a um filme que está no circuito
comercial de filmes. Fiz uma deliciosa viagem com
“ A pequena miss sunshine”. O filme é muito bem
feito, e os atores muito bem escolhidos. Conta a história
de uma família cheia de problemas (como se o contrário
fosse possível) que viaja para satisfazer a vontade de
Olive, a caçulinha, que deseja a todo custo participar
de um concurso de miss. Na Kombi viaja toda a família,
o avô que depois de velho começou a cheirar cocaína,
o pai que é autor de um livro que ensina os nove passos
para se vencer na vida, o irmão que desde que começou a ler
Nietsche não quer mais falar, o tio homossexual e expert em
Proust e que tentou suicídio, e por fim a mãe, a menos
perturbada de todos. Uma comédia, aparentemente, porém
uma viagem para dentro deles mesmos. Um bom filme
para quem quer fugir das filas dos filmes da mostra.

Estou no meio do livro de contos do João Gilberto Noll,
“A máquina de ser”. Comecei a ler ontem e fui fisgado.
Gosto de como ele descreve não apenas os sentimentos e
emoções de seus personagens, mas também da escolha
de suas palavras enquanto observadores. Assim consigo
ver caminhos, velórios, suores, cicatrizes, amores e dores,
e acima de tudo, inúmeras e inesperadas maneiras de ser e
de sentir.

19.10.06

MUTANTE.

Durante toda a minha vida me senti um outsider
quando me comparei com amigos e conhecidos
que discutiam calorosamente sobre política,
futebol, religião ou qualquer outro assunto.
Sempre me senti um estranho.
Não porque não tenho opinião a respeito ou não
tenho idéias sobre esses assuntos, mas porque
nunca consegui acreditar cegamente nos argumentos
e modelos que me são apresentados como ideais.
Muitas vezes me senti pequeno diante dessas pessoas
engajadas e crentes. Me criticava por não conseguir
adorar alguém e defender essa pessoa ou ideologia,
com unhas e dentes como se esse alguém estivesse acima
de qualquer outra e não fosse passível de críticas.
Não suporto qualquer tipo de endeusamento.
Gosto de muita gente. Sejam elas artistas, escritores,
músicos, professores, políticos, mas nunca a ponto de
perder a razão. Mudei. Não me acho mais pequeno.
Na verdade acho que aqueles que cegam diante de
um ideal, ou artista, ou ainda de uma ideologia
é que são pequenos.
São pequenos porque vêem apenas o ideal, o artista,
ou a ideologia, e esquecem que por trás de tudo está
o ser humano e seus interesses pessoais, a mesquinhez,
a vergonha e a teimosia em admitir erros, e a capacidade
de levar milhões de pessoas ao extremo de fazer um guerra
e conseqüentemente a morte.
São tão pequenos que necessitam de crenças definitivas e inflexíveis.
O universo é mutante, e eu sou parte dele.

11.10.06

CINEMA, INSÔNIA.




Hoje a tarde fui ao cinema. Queria ver o “Dália Negra” do
Brian di Palma e acabei assistindo ao “Muito gelo e dois dedos
de água”, (porque o horário indicado no jornal não batia com
o do cinema. O que posso dizer. O filme é só bem feitinho, do tipo
sessão da tarde, mais nada. As atrizes (Mariana Ximenes e
Paloma Duarte) estão bem, as praias de Alagoas são lindas mas o
filme não oferece nada além da boa idéia.
Ocupei duas horas do meu dia e sai da
sala do cinema sem ter acrescentado alguma emoção ou raciocínio
na minha cabecinha. Só isso, mais nada. O último do Daniel Filho,
não me lembro mais do nome (roteiro baseado num texto de
Maria Adelaide Amaral) foi bem melhor.


À propros cinema. Antes de ontem tive o desprazer
de assistir (na tv) ao “Irreversível”.
Que filme irritante.
Deveria se chamar Irreversivelmente Irritante.
Violência gratuita, cenas nojentas, e péssimo roteiro.
Não entendo por que alguém faz um filme como este.
Qual o propósito e como se consegue
financiamento para a produção de tamanha porcaria.
Um estupro já é suficientemente violento,
acrescente a ele um troglodita esmagando um extintor
de incêndio na cabeça de um cidadão enquanto
meia dúzia de pervertidos se masturbam vendo a cena.
Isso não é cinema, é lixo.

8.10.06

VIA ÚNICA



Entre o fazer e não fazer, estou mais para o não fazer.
O botão pause foi acionado automaticamente.
No momento apenas observo e absorvo.
Não sei aonde esse estado de espírito vai me levar.
Nem mesmo curioso estou.
Entressafra diriam uns, preguiça diriam outros.
Pouquíssimo me importa.
Não é tristeza ou coisa parecida.
É uma viagem longe de mim mesmo.
Certamente entrarei em órbita.
Reconhecerei outros corpos e mentes
e um novo impulso me incluirá
de volta a trajetória fechada em torno
de outros astros.