16.1.12

AJUSTES INEVITÁVEIS

Depois de muitos anos revi na tv “Cenas de um casamento” de Ingmar Bergman. Eu tinha 12 anos quando o filme foi lançado (em 1974), mas só fui assistir anos depois, por volta dos 18 ou 20 anos e lembro que na época acompanhei o filme com atenção e curiosidade, mas não consegui me envolver com o drama do casal. Ainda não havia vivido experiências profundas em relacionamentos, era impossível sentir na pele o drama de Johan e Katarina. Trinta anos e algumas paixões/amores e dissabores depois já sei que a paixão é capaz de desequilibrar qualquer ser humano por mais budista que ele seja, e que o amor, mais do que qualquer outro sentimento, precisa da ação do tempo para se solidificar e permanecer. Ontem durante minha sessão particular de cinema, fui fisgado pela verborragia bergmaniana, acompanhei os diálogos quase que adivinhando o que um ou outro falaria e como reagiriam depois de uma ou outra cena. O tempo de vida me deu alguma malandragem, e a abordagem sobre o tema ficou previsível depois das minhas próprias experiências. Mas na vida real não existe know-how, mesmo porque não existe fórmula pronta, cada paixão se apresenta de uma forma e a loucura provocada por ela vem mascarada de outros argumentos que a justificam posteriormente. A gente dificilmente vai conseguir usar o que acha que aprendeu com a última paixão que nos deixou de quatro. Quando ela passa acreditamos que não agiremos mais como agimos antes, mas não adianta, faremos tudo novamente. O “objeto” da paixão muda, e imediatamente tratamos de pedir a ele que dê o nó na venda que colocamos sobre nossos olhos. Dessa vez acreditamos que tudo será diferente, dessa vez ele ou ela é a peça que faltava em nossas vidas, dessa vez eu estou sentindo o que nunca senti antes, dessa vez eu estou no comando, dessa vez... e por aí vai, a gente já está perdido. Talvez esse irreconhecível déjà vu seja mais saudável do que imaginamos, caso contrário não conseguiríamos nos apaixonar e sentir o que sentimos depois de simultâneas vivências. A vida ficaria sem graça e completamente previsível. Enquanto via o filme do Bergman, me lembrei de “Quem tem medo de Virginia Woolf, o filme de Mike Nichols feito em 1966.
Os dois filmes, guardadas as diferenças, têm muito em comum. No entanto, “Quem tem medo de Virginia Wollf” não deixa pedra sobre pedra, enquanto o sentimento de esperança preservado no final do filme do Bergman vira pó. Os rostos marcados pelas batalhas do casal (Liz Taylor e Burton) falam por si. Por sua vez Bergman finaliza seu filme depois de expor o inevitável desgaste das relações quase que literalmente nos dizendo que apesar de tudo é possível construir alguma coisa com o que sobrou. Gosto dos dois filmes, por causa da complexidade das personagens envolvidas, mas o de Nichols tem um impacto de furacão devastador comparado ao de Bergman. A cena que abre “Quem tem medo de Virginia Woolf”, com Elizabeth Taylor bêbada abocanhando uma coxa de frango que ela retira da geladeira nunca mais descolou da minha memória. Nem mesmo a exposição das amarguras do casal de amigos (Peter e Eva no filme de Bergman) carregadas de uma acidez constrangedora consegue me causar tanto mal estar quanto Liz Taylor naquela cena. E tem ainda uma preparação cronológica do que está por vir no filme do Bergman que não está presente no texto de Edward Albee. Nele, a decadência está escancarada desde as primeiras cenas e você sabe que aquilo não pode acabar bem. Mas o que realmente eu queria dizer, é que assim como acontece com a gente quando estamos apaixonados, alguns textos literários, filmes ou obras de arte também precisam da ação do tempo e do desgaste para fazer parte de nossas vidas e ancorarem definitivamente em nossos corações. A vida é feita de encontros, me disse um amigo na semana passada. Eu digo que de desencontros também. A sincronia é ajustada pelo tempo, sem que a gente perceba ele se instala e acerta os ponteiros.

Um comentário:

LICIA LI disse...

FOI PRO FACE CO LOUVOR!!!