12.3.10

PANACHE

Ontem enquanto subia o Boulevard Raspail em direção a uma livraria uma manifestação de funcionários e babás de creches descia em sentido contrário. Acompanhados pela polícia, os manifestantes protestavam contra as novas medidas (aumento da carga horária de trabalho, aumento do número de crianças admitidos por creche, diminuição dos requisitos de qualificação exigidos para a aceitação dos profissionais e etc...) Milhares de mulheres (aparentemente há poucos homens no setor) segurando suas faixas e distribuindo panfletos ocupavam o Boulevard. A França é o país das greves. Todo dia encontro manifestantes pelo caminho. Sarkozi continua cozinhando políticos de direita e de esquerda na mesma casserole, fazendo com eles um grande picadinho, misturando ex idealistas com neo liberais, mas tenho a sensação de que ele não consegue engrossar o molho com muitos dos setores que ajudam a formar a opinião pública. Graças a Deus! Aparentemente nem todo mundo aceita orientar sua vida pelas regras de mercado ou pela estética neo-liberal. Digo aparentemente porque basta olhar para os últimos dez anos para ser prudente e não se arriscar a fazer afirmações de qualquer teor. Há ainda os que resistem a fazer parte do mundo dos sou-oco-mas-sou-chique. O futuro está nas mãos dessa gente.

Outro dia comecei uma conversa com uma senhora dentro de uma Brasserie. Uma mulher elegante, que me contou das agruras e do sofrimento que é obrigada a passar para educar sua filha mais nova de dezesseis anos. A filha não quer estudar e não quer trabalhar. Quer ser chique. Quer ser famosa. Quando a mãe pergunta o que ela quer fazer para conseguir ser chique e famosa, a filha não tem resposta. Afirma querer aparecer nas revistas, ser como essas modelos que são fotografadas usando roupas de grife. A mulher, que me contou um pouco do seu passado, está desesperada porque acredita que sua filha está se transformando em tudo aquilo que ela sempre abominou. A aflição dessa mulher é provocada pela visão pessimista que os “ideais” da filha suscitam. No final da década de 60 e início da de 70 ela foi para as ruas protestar com outros milhares de jovens da sua idade. Acreditou até agora que havia feito alguma coisa para mudar o mundo consumista e cheio de regras comportamentais rígidas e ultrapassadas. Mas com o confronto de realidades imposto pela filha, seu mundo está ameaçado, suas crenças sequer são discutidas. A filha acredita nas imagens produzidas pelos publicitários e isso é tudo. Não questiona. Não faz perguntas a si mesma. Quer ser o que vê, o que imagina bastar para viver. Aparecer para ser. Ser o que sua imagem será capaz de fazer os outros acreditarem. A mulher estava sóbria. Tomava seu café ao meu lado, mas o inconformismo e a indignação estavam estampados em seu rosto. Pude sentir o seu medo. É o mesmo que sinto quando repouso minha cabeça sobre o travesseiro e dispo meus pensamentos das roupas de grife com as quais sou obrigado a vesti-los para continuar acreditando em alguma coisa.

No último post falei da impressão que tenho sobre a escassez de novos tenores com boas vozes. Havia comentado com um amigo sobre isso no intervalo da ópera Don Carlo, e ontem ele me deu um cd/dvd do tenor/galã Rolando Villazon interpretando apenas árias de óperas de Handel. Sou avesso a esses cds do tipo best of, mesmo assim esse me agradou bastante. Acho que nunca falei aqui, mas Handel está entre meus compositores preferidos, e Villazon tem o tamanho de voz apropriada para cantá-lo. Quem quiser começar a curti-lo como compositor de óperas, pode começar por Ariodante, obra em que é possível perceber o início da transição da música barroca para a romântica da segunda metade do século 19, passando por Mozart antes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mas o meu amigo está em Paris? E não vem partilhar uma garrafa comigo? Um abraço, je bois.