30.8.11

OSCILAÇÕES

Talvez tenha sido o forte calor do dia, não estou muito certo, talvez a temperatura interferido no meu humor. Mas hoje a coisa virou, coalhou. Sei. Você vai me dizer para ter paciência, mas esse nunca foi meu forte. Eu tenho tentado ser paciente a vida inteira, algumas vezes consigo me conter, outras, sinto esse desconforto que senti hoje o dia inteiro. Vontade de ditar as regras para que as situações deixem de ser um problema e se transformem em soluções. Mas quem quer soluções não é mesmo? E eu sinceramente venho perdendo aquela vontade de dizer o que deve ser feito a quem quer que seja.

Nesses momentos gostaria de ter o talento de Richard Strauss que musicou um poema mediano de Heinrich Heine chamado “Schlechtes Wetter” (tempo ruim) de forma primorosa. A alquimia dos gênios. Mas esse tempo ruim impregna e me transforma nele próprio. Sinto na pele o dia quente e melado e perco meu tempo ao invés de criar, transformar, produzir. Não tenho espírito macunaímico, gosto enquanto personagem de literatura, mas no dia a dia prefiro não encontrar nenhum pela frente.

Por outro lado, porque graças a Deus sempre tem um outro lado que pode funcionar como um refresco, hoje no final da manhã meu irmão veio fazer algumas fotos que eu terei que escolher para orelha do “Dissonantes” e divulgação. E foi bom tê-lo próximo, ser observado através de suas lentes, reencontrá-lo. As fotos ficaram muito boas, não vou postá-las aí porque minha porção narcísica é bem tranqüila, mas vocês vão poder vê-las nas matérias de divulgação e no livro. Sim, o lançamento está confirmado, no dia 5 de outubro na livraria da vila do pátio Higienópolis. E dessa vez não serão enviados convites, a notícia terá que rodar via todas as vias possíveis.

26.8.11

REGISTROS

Na quarta fui com uma amiga assistir a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen, acompanhada por Christian Tetzlaff na Sala São Paulo. Duas das peças que eles executaram eu gosto bastante, “Verklärte Nacht” do Schönberg e o concerto para violino de Mendelsohn-Bartholdy, as outras duas, o concerto para violino e orquestra de Mozart e a sinfonia n°8 de Haydn ,eu teria preferido ouvir em outra ocasião. Porque destoaram do programa e perderam a força. Ao lado de Schönberg pareciam música ambiente, de fundo. Entendo que talvez eles tenham tentado mostrar um pouco do que podem e sabem tocar, mas eu teria escolhido um repertório mais adequado ao tamanho da orquestra, quero dizer, obras mais intimistas, que exigem mais técnica do que força.

O que mais tem me chamado a atenção desde que cheguei em São Paulo é a comunicação entre as pessoas, o tato na conversa e nos diálogos necessários nas atividades cotidianas. Nós gostamos de nos autodenominar simpáticos e cordiais, mas não é a percepção que tenho tido. Os diálogos são rudes, não há gentilezas formais e necessárias na construção das relações, a degradação e a negligência no uso da palavra. Preste atenção, na falta de delicadeza, estamos descendo a ladeira no quesito educação. Ai que bobagem, você vai dizer. Eu digo que não, que algumas formalidades são condição sine qua non para a troca de conhecimento e respeito entre as pessoas. Estamos perdendo. Observe. A falta de educação é a regra. As vezes penso que perdemos o senso crítico. Esse deboche generalizado me dá arrepios.

A data do lançamento do meu novo romance, o “Dissonantes”, está programada para o dia 5 de outubro, o lançamento será feito na Livraria da Vila do Pátio Higienópolis. Quando estiver certo, confirmo no blog. Aliás, a nova livraria ficou linda. Vá conferir.

21.8.11

RETOUR

Chegando. Mistura dos sentimentos felicidade, desconfiança, expectativa e impotência. Tempo. Brückner e suas sinfonias me acompanham, me ajudam a refletir. O que ficou para trás, o que está no meio, o que virá. O dom da previsão não me foi abençoado. Minha casa. Meu único lugar. A partir. A ficar. A retornar. Uma única convicção: a de que não tenho nenhuma.

13.8.11

BÍLIS NEGRA

O impacto do início do filme “Melancholia” de Lars von Trier me lembrou o inicio de 2001 do Kubrick. As imagens do início extraordinário tendo como fundo musical o prelúdio de “Tristão e Isolda” de Wagner são tão marcantes quanto o início de Kubrick ao som de Strauss. De alguma forma o início dos dois filmes dialoga, mas a construção do roteiro e a intenção dos diretores são diferentes. O filme do dinamarquês me tocou profundamente porque explicita o mal estar e a falta de esperança que também sinto neste exato momento. A situação de sackgasse em que a sociedade contemporânea se encontra e continua fazendo de conta de que nada está acontecendo está ali. O encontro dos dois planetas, Melancholia e Terra, serve como anúncio desse fim de mundo que no filme é sentido de maneira diferente por cada um dos protagonistas. O marido de Claire, materialista que insiste em ignorar o perigo reafirmando os cientistas e suas explicações racionais para tudo, a própria Claire que teme o choque entre os planetas e o fim do mundo, aliás de seu mundo perfeito e confortável, e Justine que sabe que a catástrofe está perto e sofre no próprio corpo os efeitos de sua intuição. O filme é dividido em duas partes o que me agrada muito, já que assim o diretor consegue construir a história e diferenciar ricamente os papeis dos protagonistas. Ao trio se juntam os pais das duas irmãs, duas pessoas de visão de mundo opostas, ele beirando a infantilidade e a debilidade, ela cínica e descrente, e ainda o futuro marido de Justine que vai se ver forçado a compreender que Justine não é a mulher que ele havia idealizado, e mais o patrão de Justine e seu sobrinho abobado. Nesse grupo reduzido no qual os males da sociedade contemporânea estão representados, o malaise transparece e angustia. Perfeito. A festa de casamento se degringola. Lentamente a decadência vem a superfície, a começar com a limusine branca com sei lá quantos metros de cumprimento que não consegue fazer a curva e empaca na lama. A percepção do fim dos tempos é sentida de diferentes maneiras por essas pessoas, com exceção do filho de Claire não há inocentes. O romantismo da música de Wagner e o simbolismo das imagens surreais dão o contrapeso ao racional e ao irracional, nada mais tem importância quando o fim do mundo está próximo, mas nem por isso somos poupados.

Na quarta viajo para o Brasil. Por quanto tempo? Não sei. Vou tratar do lançamento do meu terceiro livro que deve sair no final de setembro ou início de outubro, cuidar de outros assuntos e esperar o fim do mundo chegar, com choque de planetas ou não, 2012 está próximo, catástrofes estão no menu previsível dos videntes. Mas os verdadeiros videntes são os que admitem não conseguir predizer o futuro. Deixar-me surpreender pelo que vem pela frente.

7.8.11

ABRINDO GAVETAS

No livro que reúne a correspondência entre a escritora Colette e sua amiga e atriz Marguerite Moreno, há um trecho que me toca em especial que é o seguinte: “imagine você que eu chego aqui, almoço sozinha, abro a gaveta da minha escrivaninha... e uma carta cai, apenas uma carta: era uma carta da minha mãe, uma das últimas, escrita a lápis, com palavras inacabadas e que já anunciavam sua partida... o que é curioso, a gente resiste vitoriosamente as nossas lágrimas, a gente se segura muito bem nos minutos mais duros. E depois... a gente descobre florir, uma flor ainda ontem fechada, uma carta cai de uma gaveta, e tudo cai.” A descrição do momento em que a vida cotidiana é interrompida pelas lembranças provocadas pela carta que cai da gaveta e a remete a uma outra dimensão da vida me é familiar. Conheço essa mesma sensação de desvio involuntário do trajeto dos meus pensamentos. De estar seguindo uma direção quando um som, uma palavra ou até mesmo o cheiro de um perfume basta para interromper o percurso do dia e o sentido da vida e me remeter a outro que eu acreditava já ter percorrido. (tradução espontânea do trecho da carta)

Das composições feitas por Prokofiev para violino e piano gosto muito das “cinco melodias opus 35 bis”. Elas foram inicialmente escritas para voz e piano e o violino nesse caso assume o papel da voz. Delicadas e precisas, parecem muito mais simples do que realmente são. Ao reescutá-las o refinamento da composição vem a superfície. Como quase toda a obra dele.

Diálogo entre duas garotas entre as prateleiras de uma livraria onde estive hoje a tarde.
Segurando o livro “Diário de Anne Frank”, uma garota perguntou para a outra se deveria comprá-lo ou não.
- É super triste, a tal da Anne Frank fica trancada num sótão porque tem que se esconder dos nazistas, e como não tem o que fazer passa o dia escrevendo sobre tudo o que lhe vem a cabeça, o que come, os barulhos que escuta, como vive lá dentro e etc.
- Ai deve ser bem chato, acho que não vou levar.
- Se você quer se divertir é melhor desistir de ler qualquer coisa e ir logo dançar.
- Mas você disse que adora ler e que eu deveria fazer o mesmo para me distrair.
- É, mas eu não leio para me divertir.
- Então por que você lê?
- Para não ser obrigada a escutar as bobagens que os outros falam.

2.8.11

ENTORNO


Clarões de independência são nuvens que se abrem e deixam que a luz do sol ilumine teu caminho novamente. Nada religioso ou místico, apesar de ser possível ver imagens parecidas nas obras de grandes pintores que pintaram anunciações provenientes dos céus. Por que isso acontece, de repente (ou não tão de repente assim) depois de meses envolto em nuvens cinzas que bloqueavam a visão da esquina mais próxima? Não sei. Mas num dia comum, sem aviso prévio, elas se abrem e deixam a luz do sol passar. E você volta a respirar normalmente.

Parei para tomar um café numa Brasserie ontem na hora do almoço quando voltava do Hospital Cochin no 14ème. Nada mais curioso e interessante do que observar conterrâneos e escutá-los. Por acaso sentei-me ao lado de dois casais de brasileiros que faziam comentários sobre a diferença de preços sobre comida e bebida e que usavam duas cadeiras e mais o entorno das duas mesas que ocupavam com suas sacolas de compras. Falavam num volume de voz acima do normal, e provocaram o deslocamento de uma dama e seu cachorrinho para uma mesa pouco mais distante. Brasileiros sempre perturbam a ordem, quase nunca por algum tipo de idealismo ou contestação necessária, mas quase sempre por falta de educação e por se acharem donos do mundo ou a última coca cola do deserto. Minutos depois a mesma mesa da velha senhora tchekoviana foi ocupada por três mulheres, duas senhoras e uma mocinha, também brasileiras. Discutiam em tom de voz alterado. Não sei porque. Mas depois de alguns minutos, uma delas disse a mocinha em tom sussurrante: “pelo amor de deus fale mais baixo porque na mesa ao lado tem brasileiros e eu não quero me misturar a eles”.

Perdi uma amiga esta semana. Uma alemã que conheci quando morei na Austria e nos tornamos muito próximos. Ela faleceu com quase 80 anos. Veio me visitar em abril aqui em Paris onde visitamos juntos a exposição do pintor alemão Cranach no Luxemburgo, assistimos Julio César no Garnier e jantamos juntos todos os dias em que ela esteve na cidade. Teve uma vida dura. Ainda menina perdeu os pais na segunda guerra, casou-se e mudou-se de Munique para Wels onde a vida provinciana, o marido alcóolatra e o marasmo fizeram-na refugiar-se no mundo romântico das óperas. Eu aprendi muito com essa amiga. O convívio durante o tempo em que morei em Wels desenvolveu-se rapidamente e nos tornamos bons amigos. Falávamos sobre muitas coisas, mas música, literatura, comida (ela (como eu) adorava comer e beber e era elegantíssima) e a decadência do mundo eram nossos temas favoritos. Seus últimos anos de vida foram feitos de viagens. Viajava atrás das óperas que queria assistir e tinha os olhos bem abertos para o que estava acontecendo. Numa das últimas conversas que tivemos, ela me disse que havia aprendido a ver as pessoas como elas realmente são e não como gostaria que fossem. Já está fazendo falta. Ruh in frieden.