4.3.05

O CAMALEÃO FALANTE.









Encontrei-o na beira de uma fonte.
Numa praça perto de casa.
Esticado sob o sol quente do meio dia.
Olhei para ele desconfiado. Era de verdade ou
um brinquedo, esquecido por alguma daquelas
crianças que costumam ir passear acompanhadas de
suas babás? Cutuquei-o com o pé e ele soltou um grito.
“Aaai, num ta vendo eu aqui? Que saco, num se pode nem
tomar sol sossegado nessa praça!”
Me assustei. Nunca vira (e muito menos ouvira) um camaleão
falar.
Pedi desculpas e quando já começava a fugir ele me chamou.
“Ei, ei, você aí. Promete que num vai contar pra ninguém que
eu to aqui?”

Eu respondi rapidamente que sim.
Queria sair logo de perto dele.
Achei que estivesse enlouquecendo.
Mas quando me distanciei do camaleão falante, fui acometido
por uma curiosidade incontrolável. Por que será que ele não
queria que soubessem de sua presença naquele parque?
Voltei. Ele ainda estava no mesmo lugar e continuava verde.
Perguntei a ele sobre a razão de seu desejo.
Sua resposta foi curta e grossa.
“Cansei. Não quero mais ficar mudando de cor.
Quero ser verde pra sempre. Quem sabe não sou confundido
com um lagarto e consigo viver em paz.”
Olhei para ele e comecei a rir.
“Ta rindo de que?”
De nada, eu respondi.
“Eu sei, eu sei, você deve estar pensando que sou louco,
mas se fosse uma criatura como eu, e passasse a vida toda
tendo que mudar de cor, um dia você também pensaria assim.”
Tudo bem, eu lhe disse tentando acalmá-lo, tudo bem. Não
vou sair por aí dizendo pra todo mundo que encontrei um
camaleão falante. Não se preocupe. Fique tranqüilo.
Olhei para ele e percebi que ele começava a enrubescer.
Antes que eu pudesse avisá-lo, ele percebeu que o tom verde
de sua pele, começava a dar lugar a outras cores.
Enquanto seu olho esquerdo inspecionava o próprio corpo,
o direito me encarou melancólico e desanimado.
“É nisso que dá querer ir contra a natureza. Uma vez camaleão,
para sempre camaleão.”
Argumentei que isso era maravilhoso. Que beleza, eu disse. Ter a
benção de Deus para colorir a pele de várias cores, poder se camuflar.
E depois, argumentei ainda, você é o único camaleão falante que
eu conheço.

Penalizado, quis aproximar-me dele para acariciá-lo,
mas assim que dei um passo em sua direção, ele deslizou

rapidamente para cima de uma árvore.
Corri atrás dele e demorei um pouco para avistá-lo.
Quando o avistei, sua pele já havia se transformado nos tons verdes
das cores das folhas.
Tentei comunicar-me mais algumas vezes, mas ele não respondeu
aos meus apelos. Fiquei sob a árvore por mais algumas horas. Fiz
apelos e juras. Tudo em vão. Seus olhos giraram várias
vezes em minha direção. Fixaram-me até, mas falar que é bom,
ele não mais falou.
Voltei a encontrá-lo outras vezes, e a mesma estória se repetiu.
Assim que eu me aproximava para persuadi-lo a conversar comigo,
ele subia numa das árvores e se escondia entre o colorido das folhas.
Depois de muitas tentativas me cansei. Fui obrigado a aceitar sua
vontade. Que ficasse entre as folhas. E verde, como um lagarto.



Nenhum comentário: