28.4.09

PAPO ENGAJADO

Hoje saiu uma matéria no Estadão sobre possível reforma no centro de São Paulo, luz e arredores. Gostaria muito de ver toda aquela região e também outras recuperadas. Torço por isso, mas no fundo tenho medo de ter esperança e depois me frustrar. Se for para maquiar como fizeram com a Praça da Sé, por favor esqueçam. É evidente que isso não funciona. Os governos, sejam eles de qualquer partido, têm que compreender que sem educação a população vai continuar a tratar a cidade como uma enorme lata de lixo. Não basta reformar e passar piche sobre os asfaltos nos bairros de classe média e passar cal nos canteiros das praças. O exercício da cidadania deve começar a ser aprendido na escola. Ah, sim, crianças de rua e sem tetos também são cidadãos, mesmo quando estão muito longe de parecerem com cidadãos. Para onde vão empurrá-los? Sábado eu estive na pinacoteca. Acho o parque da luz um dos mais bonitos da cidade, senão o mais bonito. Mas até você chegar lá, se for caminhando, tem que passar pela antiga rodoviária e aquela região é um lixo. Há desde pessoas defecando nas ruas até gente cozinhando a céu aberto. Pobreza é resultado de ignorância, que é resultado de falta de educação, que é resultado do descaso e falta de investimento do Estado. Gosto de caminhar pela cidade, e só entendo e conheço um lugar quando posso passear por suas ruas. Não vejo a “elite branca” caminhando pela cidade, mas eu a reconheço nos shopping centers, protegida de tudo aquilo que não gosta de ver e ser confrontada, pisos de mármore no lugar de calçadas quebradas, ambientes perfumados ao invés de cheiro de excremento. Pois é. Papo engajado esse, não é? Mas a reforma deve começar por dentro, pela inclusão do cidadão, pela consciência do que é dever e do que é direito, do que é espaço público e do que é privado. E isso se aprende nas escolas.

26.4.09

GRIPE SUÍNA

Tem um montão de dono de padaria aqui em São Paulo com a cara da Susan Boyle. Repare. Só não sei se eles cantam. Mas certamente a maioria deles passou a vida inteira cuidando da mãe ou ainda cuida. Além disso eu conheço um montão de gente com histórico bem parecido e voz muito mais bonita que a dela. Gente que canta em coro de igreja ou no do municipal, que sonha seguir carreira solo, que cuida da mãe doente, que tem o cabelo tão feio quanto e veste vestido tipo saco de batata. O que será que eles precisam fazer para aparecer e virar sucesso internacional? Eu heim, o mesmo público que gostou dela é o que nega assistir o programa do Raul Gil. Cafonice e gente brega é que nem gripe suína, pode virar pandemia.

23.4.09

DE MAIS E DE MENOS

De onde saem os vendedores de guarda chuvas? Assim que começa a chover eles aparecem nas ruas e nos oferecem uma variedade enorme do artigo. Onde se escondiam antes da chuva? Hoje estava na avenida paulista assim que começou a chover e precisei de um. Esperei sob a marquise do conjunto nacional apenas dois ou três minutos e de repente meia dúzia deles surgiu do nada. Isso é que é eficiência e tino comercial! O produto certo na hora certa por apenas “déreal”.

Antes da chuva almocei no Almanara da Basílio da Gama no centro da cidade. Um oásis no meio de dezenas de restaurantes por quilo da redondeza. Tenho um amigo que diz que nos restaurantes por quilo a gente come comida cuspida. Porque todo mundo fica conversando enquanto se serve, e respinga saliva sobre os alimentos. Melhor esquecer. Não quero nem pensar! Então “tomei” um ônibus para subir até a paulista. Fazia tempo que não viajava pela cidade de ônibus. Adoro os elétricos. Gosto de impulso que eles tomam e do motor silencioso. Sem esquecer de dizer que eles não soltam as fumaças negras que os outros ônibus soltam. E tem o prazer indescritível de passear olhando através das janelas.

Depois da chuva com as calçadas da paulista alagadas, assisti ao tombo de dois idosos. Em locais e horários diferentes. As calçadas são lisas, encharcam, não escoam e são escorregadias. Enfim como quase tudo que é feito pelos órgãos públicos; “nas coxas”. Sempre abaixo da média. Compare com a eficiência dos vendedores de guarda chuvas. A única companhia pública que ainda funciona no país é o metrô, o resto presta desserviço público e a gente ainda paga caro por eles.

22.4.09

ESPERANDO A CARONA

Muitas vezes tenho a sensação de que nada parece estar acontecendo de novo. Como se novas horas repetissem os nadas das horas que ficaram para trás. Não que eu esteja sempre esperando que algo novo aconteça, não é isso que quero dizer, mas uma sensação de que tudo não passa de um bocado de só isso e nada mais. Observo as pessoas, ouço suas conversas e também as minhas e os meus pensamentos, leio jornais, livros, e o horizonte parece querer mostrar que não há nada de novo além dele mesmo. Deve ser assim. A vida dando um tempo. Esperando para ver como ela quer acontecer. Se preparando para oferecer uma carona para a gente. Estou esperando.

18.4.09

TEM DIAS QUE A GENTE SE SENTE

Dois dias longe de casa e parece que dois anos se passaram. Vim ao Rio a trabalho e aproveitei para ficar o final de semana por aqui. Dois austríacos estão a tiracolo. Interessante observá-los. Sim. Linda a geografia da cidade, bonitinha a carinha da menininha que mora na rua, a livraria, o centro, a arquitetura, os garotos jogando vôlei na praia, e tudo vai se direcionando para a única coisa que verdadeiramente os interessa; sexo. Sexo, sexo, sexo, é o que eles enxergam e querem, com alguns intervalos de aha, aha, cidade maravilhosa. Não sou puritano nem moralista, mas enche o saco, e o tempo passa e nada acontece de diferente. É isso e nada mais.

Um dos austríacos está lendo um dos livros do Paulo Coelho, não me lembro qual o título. Me contou que foi indicação de uma amiga e que o livro é um sucesso na Áustria. O outro trouxe um livro do Hermann Hesse. Tem lugar para todo mundo no balaio.

Como explicar o que é um homem negro, com quase dois metros de altura, cabelos oxigenados, gordo quase obeso, vestido com um biquíni de florzinhas? O sujeito trabalha num desses quiosques na praia e serve as pessoas carregando bandejinhas. Antes de entregar a bebida ao freguês, completa seu show rebolando sua enóóórme bunda na cara do coitado. Brasilien gastfreundlichkeit. Isso mesmo que você imaginou: hospitalidade brasileira.

13.4.09

QUANTO VALE, OU É POR QUILO?

Vi reportagem sobre estudante gaúcha que passou no vestibular e entrou na universidade de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, se eu não estou enganado, Santa Maria. Na hora de preencher a matrícula ela se declarou parda com o intenção de ser incluída na cota reservada para os negros. O avô é negro, a mãe branca. Muito bem. O reitor a excluiu do curso porque alegou que ela estava fraudando as regras. Diz que para ser negro não bastam os laços sanguíneos, você tem que se sentir negro, e ter sofrido discriminação, gritar aos quatro cantos que você é afro descendente. Ela diz que foi chamada pelo reitor para uma entrevista e quando perguntada se já havia sido discriminada ou coisa parecida, ela respondeu que não e que sua cor era parda. Então ele a excluiu. Não é piada. É verdade. Aconteceu, no Rio Grande do Sul. Por mais inclusiva que a medida de cotas possa ser,ela gera idiotices como essas.

Não teríamos resultados melhores se o ensino fundamental e médio fossem inteiramente reformados e custeados pelo Estado? Todo brasileiro teria igualmente uma boa escola, independente de cor, raça, religião, sexo e etc, e assim as mesmas chances de cursar uma universidade ou se preferir uma especialidade técnica. Defendo que o ensino em todos os níveis deveria ser custeado pelo Estado. Educação é dever de Estado, não tem que terceirizar. Se, por um lado hoje o ensino público fundamental e médio é de péssima qualidade, por outro lado as universidades particulares são igualmente péssimas, são empresas preocupadas apenas com os seus caixas, nada tem a ver com escolas formadoras de bons profissionais e conseqüentemente bons cidadãos. Nelas não se ensina a pensar, debater, refletir. Dentro dos trens do metrô há cartazes publicitários de faculdades onde o que se oferece não são os cursos, o foco todo da publicidade está na facilidade do pagamento, do tipo, “você paga no máximo 299,00 por mês e tem garantia de receber o diploma em 48 meses”. A educação tratada como mercadoria, e não como um bem imaterial inalienável.

11.4.09

CIDADES

Páscoa é sair das trevas e encontrar a luz. Do buraco escuro do metrô, fui transportado para cima pela escada rolante e encontrei o céu azul fritando um ovo amarelo manga. Sábados de visitas aos sebos. Encontrei livros que procurava, guias de viagem e resolvi que voltaria a pé para casa. Já falei disso antes, mas não dá para deixar de reclamar novamente: a cidade está suja, imunda, fedorenta e cheia de sem tetos morando sob as marquises em condições sub-humanas, fazendo suas necessidades e comendo no mesmo lugar. Você caminha e reflete sobre como acabar com a miséria e suas conseqüências e chega a uma única conclusão: sem educação nenhuma alternativa funcionará. Educação é a única forma de reduzir a variedade de pobrezas que assola o país. Em certos lugares o lixo e o fedor são tão penetrantes que não dá para deixar de lembrar numa cena do filme do Meirelles, o Ensaio sobre a Cegueira. Se ele tivesse esperado um pouco, ou escolhido melhor, não precisaria ter montado as cenas para rodar o filme. Era só filmar do jeito que está.

Páscoa é sair das trevas e encontrar a luz. Entrei em casa, tomei um banho e deitei para descansar. Acordei que sonhava. Caminhava pelas ruas limpas de Viena. Entrei no Café Central, escolhi um jornal e pedi um mélange. Saboreei o café, li o jornal e quando ia pagar o telefone tocou me acordando. Não tive culpa de sair sem pagar. Entschuldigen Sie Herr Ober, com sorte de noite consigo entrar no meu sonho e aí prometo pagar o meu café.

9.4.09

METENDO BOLAS ENTRE AS PERNAS

Hoje de manhã antes de ir ao dentista entrei na livraria Martins Fontes da Praça Patriarca para fazer hora. A livraria é bonita, mas um pouco mal organizada. Difícil para a gente encontrar um título, e alguns bons autores menos consagrados não fazem parte do acervo da casa. “Nunca ouvi falar nesse autor” me disse o vendedor. Aliás, um único vendedor estava a disposição, pouco para os três clientes que precisavam de sua ajuda. No fundo da loja há um pequeno café. A barista me ofereceu dois tipos de café, um mais encorpado e forte, outro menos ácido. Optei pelo segundo e gostei. Para quem gosta de cafés e livros, uma boa parada, coisa rara no centro da cidade, apesar da preferência por autores consagrados e Best Sellers.

Quase nenhum filme em cartaz me despertou a vontade de ir ao cinema esta semana. Enquanto isso, revejo os clássicos que a Folha está lançando todas as semanas em dvd. Gosto da coleção de capa dura, com fotos e ficha técnica. Boa opção para colecionadores e amantes do cinema. Não substitui uma boa sala de cinema, mas ninguém atende celular ou comenta o filme em voz alta do seu lado.

Há tempos noto que comentaristas esportivos usam o verbo “meter” para ilustrar seus comentários ou quando estão narrando partidas de futebol. Exemplo: o jogador 1 “meteu” a bola entre as pernas do jogador 2. Ou, o atacante “meteu” uma bomba na trave. Por que será? “Meter” está corretíssimo, mas soa pouco natural e muitas vezes vulgar na boca de alguns deles. Existem muitos outros sinônimos que poderiam ser usados para narrar uma jogada. É só uma observação, nada mais. Se quiserem continuar a meter bolas entre as pernas dos jogadores, podem continuar, afinal é isso mesmo o que a gente quer ver quando assiste a um jogo de futebol.

8.4.09

BARRO.


Em algum momento houve desatenção.

Veio o descaminho.
A distância.
O desencontro.
Sehnsucht.
O olhar para o futuro.
O eco da minha própria voz.
Eu sereia suicida.
Me afoguei.
Me perdi.
Me perdi.
Me perdi.
Não sei como vim parar aqui dentro.
Não precisei atravessar nenhum corredor.
Nem abrir portas.
Mas cá estou.
Dentro.
Não foi de repente.
Demorei.
Para reconhecer.
O lugar.
Meu lugar.


5.4.09

LABORATÓRIO

Passei por uma bateria de exames médicos. Não estava ansioso pelo resultado. Não vou dizer que sabia que estava bem, porque não sabia. Estava me sentindo meio cansado e desanimado. Então fui procurar um médico e fiz a bateria de exames. Resultado, tudo no meio, entre os extremos níveis mais baixos e os mais altos. Teria que fazer algum exercício físico, mas além de caminhar, não gosto de mais nada. Não vou me meter horas dentro de uma academia para “malhar”. Odeio a palavra só de pensar. Não vou “malhar” meu próprio corpo. Talvez passe a caminhar com mais freqüência. Aumentar as distâncias. E continuar a comer.

Fazia tempo que não via o mar. Este fim de semana fui a Ubatuba. Fora de temporada, as praias estão quase vazias e a gente quase acredita que é possível dividir o espaço com outras pessoas. Quase. Porque sobra espaço. O silêncio impera nas casas vizinhas. As poucas pessoas que estão lá se dividem entre nativos e gente que não gosta de barraco. Foram dois dias muito agradáveis. Acabei de ler o livro do Kureishi. Não levei o notebook. Não queria escrever nada. Caminhei bastante, nadei e tomei um pouco de sol. Pronto para a semana que vai começar.