31.10.09

SÓ NA APARÊNCIA


Assisti “Eu matei minha mãe“. Filme da mostra que conta a história de um adolescente com problemas com a mãe (tem algum que não tem?) e suas descobertas. O diretor do filme, um jovem de vinte e um anos, faz também o papel do ator. O filme tem bons momentos, mas na maior parte do tempo fica na média. Quero dizer, um filme que não trás nenhuma novidade nem no tocante a discussão entre adolescentes e a vida e nem a direção. O diretor/ator é bom, tem uma voz irritante (quando grita, e ele grita muito com a mãe parece um pato), talvez seja de propósito, mas de qualquer forma não deixa de ser irritante. Exagera nos dois modelos que apresenta. Tanto na sua relação com a mãe, quando as discussões parecem gratuitas e ela em período integral proibitiva, como quando apresenta a família e a mãe do namorado, extremamente liberal e permissiva. Dois opostos que não me convencem e caricaturam as personagens. De resto bem feitinho, às vezes um pouco cafoninha, mas dá um bom copo de leite com Toddy ou Nescau para a turma da sessão da tarde.

29.10.09

FATOR PROTETOR ZERO

Dias sem filtro são aqueles em que seus olhos enxergam mais do que deveriam.
Da cabeça aos pés o que você vê, cheira, ouve, é absorvido sem proteção.

Ontem assisti meu primeiro filme na mostra. Um argentino. “A Cantora de Tango”. Música de primeira, fotografia linda e muito bem feita, roteiro bem costurado. Saí do filme pensando por que ele não me fisgou. Achei bom, mas não a ponto de me envolver ou me sensibilizar. Por que? Alguns argumentos que dei a mim mesmo: o filme é limpinho demais e os personagens teriam conseguido me sensibilizar se eu pudesse imaginá-los e não os tivesse visto. Um filme que daria um bom livro. Porque gosto da história. Talvez a forma dada a interpretação, higiênica e certinha, quase todos os personagens beiram a perfeição dentro do papel reservado a eles. Parece-me que durante o filme inteiro alguém ficou dizendo o que eles deveriam fazer e o que não deveriam para passar credibilidade ao público. E é exatamente essa contenção que atrapalha o filme. Faltou naturalidade. As emoções restaram artificiais.

26.10.09

BICHO DA SEDA.

Precisei da chuva que hoje a tarde lavou a cidade para clarear e limpar minha cabeça de pensamentos ruins. Quando fico assim, o pessimismo acaba dominando. Para falar a verdade não acho tão ruim. Pessimismo quando não confundido com negativismo me ajuda a ver a vida como ela é. Lógico que como todo mundo gosto de sonhar e acreditar em dias melhores, ou que no fundo todas as pessoas nascem boas e o meio é que as corrompe. Mas quando sou dominado pelo pessimismo circulo melhor pelas ruas porque me sinto mais arisco, no sentido de manter a reafirmar meu espírito crítico. Pode ser que no pessimismo eu encontre uma forma de escapar do que mais detesto: o conformismo, o meio termo de tudo, o não é bom mas também não é ruim, o monte de baboseiras levadas a sério. Pode ser.

Quando caminhava sob gotas gordas de chuva no meio da rua, ouvi um casal que passava ao meu lado comentar que a chuva que cai em São Paulo é ácida. Talvez seja isso. Ao invés de nos proteger da chuva ácida, faria um bem danado tomar um banho dela.

Num café no centro da cidade vi uma garota com os lábios cheios de piercing em forma de pequenas argolinhas. Essas argolinhas enfileiradas sustentavam pequenos dados Eram muitos. Eu olhei e contei. Sete ao todo. Em cada sobrancelha mais duas ou três argolinhas com dadinhos. No nariz um ferrinho em forma de traço atravessava a cartilagem. Na testa umas bolinhas subcutâneas (de)formando dois chifrinhos. Assim como eu ela tomava um café. Conversava com um sujeito velho com uma cara que parecia carregar todas as marcas do mundo. Queria entender. Só estou dizendo que queria entender. Estou dizendo que olhando bem para o rosto dela e imaginando seus lábios e testa sem nenhum daqueles penduricalhos, eu talvez tivesse me demorado mais apreciando seus belos traços. Não há como não olhar, desviar, e depois olhar novamente. Mas depois, você não quer mais olhar. Quer apenas entender.

23.10.09

MAS É BOM DEMAIS

Quando você lê um livro e sabe que o que está lendo é ficção e mesmo assim sente o estômago revirar, não tenha dúvidas, quem o escreveu tem o dom da escrita e sabe contar uma história. Foi o que aconteceu comigo enquanto lia “Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos” de Ana Paula Maia. Já nas primeiras páginas pensei que não agüentaria tamanha dose de realidade e violência. Por algumas vezes senti nojo e aflição, e me perguntei se deveria continuar a leitura. Tenho essa tendência de dizer ah não preciso disso e desisto. Mas o livro de Ana Paula é tão bom que você não consegue deixar de querer saber mais sobre a vida daqueles personagens. Uma gente que sabemos que existe, mas que fazemos questão de não ver, que faz o serviço sujo enquanto dormimos em nossas camas cheirosas, e que vive bem longe dos limites da dignidade. O livro é composto de duas novelas. Não saberia dizer qual é melhor. Os personagens da segunda, “O trabalho sujo dos outros”, Erasmo Wagner e seu irmão Alandelon me comoveram mais do que Edgar Wilson. A descrição do trabalho sujo e nojento que eles são obrigados a fazer e o paralelo sobre as relações pessoais é primorosa. A limpeza das caixas d’água e da fossa do restaurante da Dona Elsa é tão real que consegui enxergar a sujeira e sentir o cheiro fedido do lugar. Acho que as duas histórias dariam um bom roteiro para cinema. O livro é tão forte visualmente quanto sensorial. Li em dois dias, interrompia a leitura de vez em quando apenas para tomar um copo de água tônica, depois voltava para ele. Quero mais.

21.10.09

BASTARDOS

Os trailers que antecedem o filme “Bastardos Inglórios” na sala 5 do Cinemark do Pátio Higienópolis, são um teste para os nervos. Primeiro são muitos, mais do que o normal, aproximadamente 15 minutos se passam antes do início do filme, segundo, o volume do som é tão alto que te ensurdece e terceiro, somam uma seqüência de filmes com um grau de violência, sangue, destruição, terror e sei lá mais o que, que as facadas e estocadas do bastão de um dos bastardos é fichinha perto deles. Sobre os Bastardos, todo dia leio inúmeros elogios, e de fato é muito bom, por isso não vou me estender com mais elogios. Mas Excepcional mesmo é o trabalho do ator Christoph Walz que faz o papel do Coronel Hans Landa, perfeito, tempo, trejeitos, cinismo, olhar, gestos, Brad Pitt é um canastrão queixudo perto dele.

19.10.09

CANSAÇO REAL

Hoje logo de manhã fiquei em dúvida sobre se um pensamento que tive rapidamente depois de ler uma matéria de jornal era realmente apenas um pensamento ou uma premonição. Na verdade desejei que fosse uma premonição. Li no caderno Link do Estadão mais um lançamento de mais um recurso da web, um misto de e-mail com sala de discussão e comunicador instantâneo. Enfim uma ferramenta s-e-n-s-a-c-i-o-n-a-l que segundo a matéria vai mudar a vida das pessoas. Me deu um enjôo, uma vontade de mandar parar tudo que eu quero descer, uma preguiça m-o-n-u-m-e-n-t-a-l. A premonição/vontade/desejo foi a seguinte: o próprio mundo virtual vai cavar a sua morte, vai acabar provocando um suicídio por excesso de novidades e lançamentos. Tenho preguiça só de pensar sobre todos esses lançamentos que já não são mais diários, mas acontecem a toda hora.

18.10.09

GEOGRAFIA

Na página 399 e também na 400 do romance Kafka a beira-mar do Murakami encontrei um erro grotesco. O erro certamente não é do autor, mas do tradutor e também dos revisores. O dono de um estabelecimento está conversando com o personagem Hoshino e contando um pouco sobre a vida de Beethoven e a obra “Trio Arquiduque” do compositor. Ele diz: “...esta obra foi composta por Beethoven em homenagem ao duque australiano Rodolfo. Por causa disso ela é conhecida como “Trio Arquiduque”...” E ainda no mesmo parágrafo um pouco mais a diante: “...O duque Rodolfo era filho do imperador australiano Leopoldo II, ou seja, pertencia a realiza.” Não é preciso nem pensar muito a respeito, todo mundo sabe que o correto seria austríaco e não australiano. Não acredito que o erro venha do original. Se por descuido o tradutor traduziu erroneamente, os revisores têm que pinçar o erro. Editora Alfaguara! Se houver novas edições vocês têm que corrigir!

De resto o livro é extremamente bem escrito. O homem conta a “viagem” do Kafka Tamura com maestria e você não consegue parar de ler porque quer saber o fim da história. Livro longo, recheado de belíssimas metáforas, personagens ricos e cheios de vida.

16.10.09

REVELAÇÃO.

Um pensamento dominou meu dia: alguma coisa que eu não consigo definir ficou para trás. Não tem nada a ver com perder o trem da história ou com algo que eu deixei passar. Não. Tem a ver com mais um passo em direção ao que virá. Confesso não conseguir ainda entender bem esse pensamento, por isso mesmo resolvi escrever a respeito. Escrever me ajuda a compreender e organizar o quebra-cabeça que repentinamente me faz refletir. Mesmo assim. É mais uma intuição do que algo matemático, concreto. Talvez um ciclo tenha se fechado. Não é ruim, é bom, sei que é bom, mesmo sentindo um gostinho esquisito, um sabor estranho. Deixa estar. Vou levá-lo para dormir comigo. Vou tentar não pensar mais a respeito. Espero.

15.10.09

ISCA URBANA

Subia a Rua Padre João Manuel a pé desde a Alameda Lorena em direção a Avenida Paulista. Para quem não conhece ou não se lembra uma ladeira absurrrda para um ser humano que não é atleta olímpico como eu. Uma mulher que eu nunca havia visto se aproximou e me disse que agradecia muito ter encontrado um anjo da guarda no meio do caminho já que ela também subia a Padre João. Achei que ela fosse louca, mas não quis ignorá-la. Foi quando ela me pediu para ajudá-la, tinha duas sacolas cheias de livro e estavam muito pesadas, eu deveria carregar uma delas até a Av. Paulista. Olhei dentro da sacola para me certificar que dentro dela tinha livros mesmo e não outra coisa. Sei lá do jeito que as pessoas estão enlouquecidas ela poderia estar carregando um corpo esquartejado/drogas/uma cobra/pássaros exóticos. Eram livros mesmo. Pesavam uns trinta quilos. No meio do caminho ela me contou que era escritora, cientista social, e falou, falou, falou, falou, falou, depois respirou e falou, falou, falou, falou até chegar na Paulista. Lá em cima eu entreguei a sacola para ela que continuava a falar e falar e falar e falar e de repente segurou no meu braço para que eu não apressasse o passo e saísse correndo, me entregou um cartão, era amiga do Pedro, sabe o Pedro, o Pedro Herz da Cultura, então eu disse a ele que... Não esperei para saber o resto. Atravessei a rua e me distanciei. Achei que nunca mais ela fosse parar de falar e falar e falar e falar. Tenho que acreditar mais na minha intuição. Não posso me esquecer de que as primeiras impressões são realmente as verdadeiras, passou dessa fase vira ficção. Não sou peixe urbano para ser fisgado no meio da rua.

12.10.09

POR ARES E MARES DESSA TERRA

Ouvi dizer que Júpiter saiu para dar uma volta e a partir de hoje começa a sua viagem de volta para casa. Eu o espero de braços abertos.

Enquanto isso leio e escrevo, e de vez em quando penso. Em como o tempo não perdoa quem não embarca em sua nave sem função/câmbio marcha à ré. Uma nave que só anda para frente e atropela sem querer, mas querendo, os que não querem que ela siga o seu rumo. Porque é essa a função do tempo. Passar, avançar, vender a idéia de que embarcando nela ficamos mais próximos dos sonhos. Não se atreva a ficar parado. Não tem retorno, e os que perdem a viagem ficam com uma imensa sensação de injustiça que não serve para nada. A não ser como lamento para seu fundo musical.

Visitando outros blogs “caí” no do Gerald Thomas. Lá tem uma entrevista em que ele diz que vai parar de fazer teatro, que cansou, que acha tudo uma merda. Entendo. Será que incluiu no “tudo” algumas coisas que ele mesmo fez? Mas concordo com boa parte do que diz. Tem razão quando diz que não há nada de novo, apenas repetição, que faz parte de uma geração que só faz colagem e não tem saco para o que hoje é considerado arte. Penso o seguinte: a arte como ele entende realmente não existe mais. Engajamento é uma palavra que as novas gerações não entendem como ele entende. Engajamento requer uma porção de altruísmo, e altruísmo saiu de órbita. Mas para mim, arte é ainda o que pode salvar. E se não encontro na produção atual o que me comove/move, vou buscar no passado. Acho que o mais importante agora, onde todos nadam na superfície porque o importante é estar entre os que aparecem, e estar em evidência para os que nadam na superfície quer dizer o mesmo que fazer arte, é não esquecer que há vida abaixo e acima desse mar de gente/espelho. Pode ser uma minoria que se atreve a mergulhar e a voar, mas ela existe e é quem melhor consegue entender e fazer arte. Paciência. Siri esperto é aquele que quando a maré baixa volta para o seu buraco.

9.10.09

MURAKAMI MON AMOUR

Acho que um dos requisitos que fazem de um escritor um bom escritor, é a sua capacidade de contar bem uma história. Não basta apenas ter o domínio da língua em que escreve, ou a escolha de um bom tema, mas o que realmente o diferencia de muitos outros, é como ele conta sua história. Mesmo porque há séculos escritores de várias nacionalidades e diferentes personalidades escrevem praticamente sobre os mesmos temas. Cada um conta sua história de acordo com sua própria experiência ou crença, mas todos encontram no leitor ressonância individual. Estou falando isso porque estou impressionado com a maneira como Haruki Murakami conta suas histórias. O livro “Kafka à beira-mar” não é um livro para principiantes. Por vários motivos. Um deles porque ele não facilita ao leitor a descoberta rápida da história que pretende contar. Outro motivo é a forma dada a sua narrativa. Outro ainda porque a costura de todas as vidas que fazem parte da sua história é gradual, cheia de detalhes que vão sendo expostos sem nenhuma pressa. Aliás, pressa é o que um bom escritor não pode ter. Nem de começar e nem de terminar a história que ele quer contar. Voltando ao Murakami, estou feliz por ter descoberto seus livros. Eu os leio com um prazer que já não vinha tendo há muito tempo. Dentro de suas histórias há muitas outras histórias. Cada uma mais interessante que a outra, e referências a outros escritores ou compositores, sempre acompanhadas da opinião dos personagens. Um livro que quanto mais avanço, mais tenho a sensação de que cresço por dentro. Estou feliz de tê-lo como companhia nesse feriado.

8.10.09

SEM FIXADOR

Outro dia conversava com uma amiga sobre um sentimento de descompasso que tenho com freqüência. Entre o que sou e aprendi a cultivar, e o que está aí e se autodenomina novo. A sensação é a de que tudo o que vem não chega para ficar. Ou que mal chega e já se vai, não fica, não permanece. O efêmero como revestimento de qualquer produto, idéia, e até pessoa. Eu disse: “não dá nem tempo de digerir”. Ela respondeu: “não há o que digerir, não tem substância, já vem sem nutrientes.”

Reflito sobre a questão da sintonia entre intuição e coerência (que muitas vezes pode ser confundida com teimosia). Quando algo novo nos é apresentado, imediatamente há uma confrontação com o que já está assimilado e para nós é certo e seguro. O próximo passo é meio automático, a gente tem uma tendência a descartar o novo, então é preciso ser curioso para não desistir rapidamente. Tem que haver vontade de conhecer. A partir desse ponto, experiência se mistura com discernimento e razão, e a coisa é ou não aceita, excluída a teimosia que pode ser importante protagonista na desenrolar da experimentação. O que me parece cada vez mais freqüente é a quantidade de bobagens sendo produzidas e muito bem divulgadas pela mídia e por gente que as assimila imediatamente por que têm a necessidade de se sentirem fazendo parte. Discordo do argumento daqueles que alegam falta de tempo para pensar e fazer escolhas. Falta de tempo na maioria das vezes é sinônimo de falta de organização, ou vontade de ficar na superfície, ciscando aqui e acolá. Falta de tempo pode ser não querer se envolver.

Uma vez visitando o Egito, fui levado a uma fábrica que diziam ser criadora das fórmulas das melhores marcas de perfumes vendidos na Europa. Estava viajando com outras pessoas e não pude escapar dessa aventura que não me interessava. Trouxeram-nos vários frasquinhos, todos muito bonitos e de cores diversas e nos faziam sentir o perfume de cada um. Diziam “esse é Armani, esse outro é Saint Laurent, e blábláblá”. Algumas das pessoas que estavam comigo compraram os pequenos frasquinhos por preços infinitamente menores do que teriam que pagar nas lojas achando que haviam feito um grande negócio. Visitamos Cairo e depois seguimos viagem para a costa do mar vermelho. Lá ficamos por mais quatro dias. Antes de partirmos para nossas casas os conteúdos dos frasquinhos já não exalavam perfume algum.

7.10.09

HORÓSCOPO PERFEITO

Hoje você não sentirá o vazio dos outros dias. Seu dia será pleno de esperança. A criatividade estará em alta, a saúde perfeita, o trabalho será prazeroso e uma grande soma de dinheiro, tão gorda que vai resolver sua vida até o final do ano, será depositada em sua conta bancária. Falando em prazeroso, no amor, surpresas vão trazer o frescor há tanto ansiado, e apenas porque serão abundantes você terá um pouco de dificuldade para escolher, mas fará a escolha certa. De resto, toque a vida, porque no fim tudo dá certo.

5.10.09

INDIGESTO

Enquanto jantava assistia ao programa da Oprah Winfrey no GNT. Entre garfadas ouvi a divulgação do livro autobiográfico da filha do vocalista do “Mamas & the Papas”. Então a moça agora certamente com mais de 50 anos contou que entre os 18 e 29 anos fazia sexo com o próprio pai. Ela denominou o ato como “estupro consensual”. Para mim, se é consensual não pode ser estupro. Depois contou que cheirou cocaína a primeira vez ao 11 anos e que foi o pai quem lhe ensinou a injetar heroína e etc. Quando perguntada sobre se sabia o que estava fazendo, ela disse que sim, e ainda, que achava importante expor isso agora como forma de “se perdoar” e “dar a oportunidade a outras pessoas que estão sofrendo o mesmo, poderem se manifestar ou se rebelar”. Sei. Contou também que fez sexo com Mick Jagger, e que “puxa, não é qualquer um que já fez amor com Mick”. Bem. Não sei o que pensar. Ou sei. De qualquer forma fico pensando sobre o sentido de tudo isso. A moça que se diz limpa depois de ter passado um tempo na cadeia, me pareceu um pouco desmiolada como a maioria das pessoas que se auto promovem contando suas intimidades e expondo seus podres. O prazer estava presente. Olhava para a platéia como se pedisse aprovação por estar "abrindo" sua intimidade e por isso merecia aplausos ou coisa parecida. Chegou a agradecer o público quando depois de narrar um fato, o público riu.De qualquer forma, estava fazendo a divulgação de seu livro que foi baseado em sua vida, o que acho que era o mais importante para ela, não importando se a custas de passagens da vida que só dizem respeito a ela, o importante é aparecer no programa da Oprah e falar sobre o seu lixo. Só que falar sobre o seu lixo para um público de milhões é bem diferente do que para um analista. Talvez a sensação de seus pecados sendo revelados a milhões de pessoas lhe traga um alívio imediato. Tinha o prazer e o desequilíbrio estampados no rosto. Chorou, depois riu um sorriso que não conseguiu esconder sua histeria, depois se esforçou mais uma vez para nos convencer de que estava abrindo sua vida para ajudar outras pessoas. Não acredito. Não tenho o menor respeito por ela. Não por causa da relação incestuosa que teve com o pai ou de sua louca vida, isso pouco me importa, mas porque não estou mais suportando pessoas tão banais posarem de interessantes. Provavelmente seu livro vai lhe render milhões. E milhões de pessoas vão molhar as calcinhas ao lerem sua história de incesto. E daí?

4.10.09

QUESTÃO

A não ser que você sofra de Alzheimer, o tempo não é garantia de esquecimento de vivencias desagradáveis. O cérebro faz questão de não esquecer. Registra todos os acontecimentos com riqueza de detalhes, grava tudo nas profundezas do inconsciente e nos trapaceia. Faz a gente acreditar que não se lembra, e quando a gente menos espera, pronto, ele tira a vivencia desagradável de dentro da cartola e joga na nossa cara. O contrário também é verdadeiro. Lembranças agradáveis também passam pelo mesmo processo. Mas a tendência é a gente preservar os bons momentos. Os traumáticos é que são mais complicados, porque muitas vezes a gente só percebe que foram traumáticos quando eles ressurgem. E nos paralisam. Ou nem ressurgem num formato que a gente consiga reconhecê-los. Nesse caso a gente paralisa e desconhece a razão que motivou a paralisia.

Bicho racional é mais difícil de ser. Bicho que é só bicho é mais feliz. Corre quando está com medo e fica quando a situação é agradável. Só isso. Não tem esses registros duradouros que ressurgem como fantasmas. Ou será que tem e a gente ainda não descobriu?

Deserto é lugar onde poucos bichos conseguem sobreviver. Lugar sem muitas imagens externas e pouco habitado, quem nele habita e sobrevive, tem a imaginação fértil. Por questões de sobrevivência. E fé.

Importante é se exercitar. Ir e vir. Entrar e sair. Fazer de conta que os desertos não são desertos, mas grandes latifúndios a espera de cultivo.