29.6.10

NADA A VER.

Passei parte da manhã e da tarde de ontem ocupado com a organização dos documentos exigidos pela Sorbonne para poder me candidatar para o mestrado. Cheguei com tudo pronto, mas ao passar pela primeira entrevista a secretária me aconselhou a fazer algumas cópias das capas dos meus livros e artigos publicados em jornais. Temos que convencer os professores de literatura viciados em ver a vida dos homens apenas através da ficção de que a vida dos homens aqui fora nem sempre é linear e lógica, mas cheia de enganos e equívocos e que nunca é tarde para mudar de rumo. É assim também quando estamos escrevendo um livro, alteramos o que achamos que não vai dar certo, escrevemos e apagamos até nos sentirmos confortáveis com a história. E eles têm que ver e tocar na sua obra senão não acreditam em você. Há pouquíssimas vagas, 25 para centenas de interessados de todas as nacionalidades mais os estudantes franceses. Odeio qualquer tipo de concorrência ou disputa, não dou a mínima para chegar na frente ou ser o primeiro de nada, mas não tem jeito vou ter que estar entre os 25, caso contrário terei que tentar novamente no ano que vem, e ano que vem, bem, o ano que vem, eu nem sei o que isso quer dizer, talvez uma língua que não entendo.

Logo aqui em baixo tem uma pequena galeria de arte cujos proprietários são dois moços. A gente não precisa de muito tempo para perceber como os dois estão engajados em ser e parecer modernos. Basta olhar para eles. Mas desta vez eles extrapolaram um pouquinho. Não só nos seus modelitos de verão, mas também na atual exposição da galeria. O nome da exposição é “Rien à voir” que quer dizer nada a ver, mas que em francês quer dizer que uma coisa não tem relação com a outra, e se você acha que vai entrar lá e ver coisas absurdas e que não se relacionam umas com as outras, nada a ver, você se enganou. As paredes da pequenina galeria foram pintadas de preto e nelas foram pregadas folhas retangulares de aproximadamente 20 por 30 brancas. Isto mesmo, brancas, sem absolutamente nada, nenhum traço ou pinta ou sujeirinha, imaculadamente brancas. Para que você não se sinta enganado, nada a ver, só isso, rien à voir como o nome da exposição sugere. Nem tente apelar ao procon, mais honesto que isso, só dois disso, quero dizer, você não poderia acusá-los de desonestidade, n'est pas?

27.6.10

COPIE CONFORME


No final da tarde fui ver “Copie Conforme” o último filme de Abbas Kiarostami, sensação no Festival de Cannes, com Juliette Binoche. Gostei muito do filme, aliás, o primeiro do diretor filmado fora de seu país. Diferente dos outros, porém mantendo a qualidade e a delicadeza conhecida. Difícil imaginar “Copie Conforme” sem Juliette Binoche no papel dessa mulher insatisfeita, que sente falta de seu marido e de suas raízes, dona de uma galeria de arte em Firenze. Parte do êxito do filme se deve a ela, que usa todo o seu talento para interpretar a personagem carente e cheia de altos e baixos, que nos ilude e confunde por quase 120 minutos. O filme propõe um jogo de aparências, ora você acha graça, ora você fica triste, já no início o diálogo com o filho nos deixa com um pé atrás, quem é essa mulher?, o que ela quer? Por que procurou pelo escritor. Ela o conhece? Se não, como poderiam discutir temas tão íntimos que somente pessoas que se conhecem muito bem poderiam discutir? Todo o filme brinca com o que é real e o que não é, e ganha muito com a excepcional qualidade de movimento de câmeras e imagens que se refletem enquanto os personagens dialogam. O que mais gostei nesse jogo de esconde-esconde foi a utilização da própria brincadeira ilusionista, não apenas nas cenas, mas também nos diálogos, para falar sobre verdadeiros sentimentos.

26.6.10

MOVIMENTOS

Hoje o dia estava ainda mais quente do que ontem. Sol e céu azul. Dia perfeito para quase um milhao de pessoas que participaram da parada gay parisiense. Exceto pelos carros de som bem menores, quase todo o resto é igual a do Brasil. Disse quase porque aqui a politizacao é evidente, a ponto do partido comunista francês se fazer presente. Imagine! Comunista e viado? Nossa, isso existe também? Ba oui, aqui existe assumidamente. E ainda carro da associação dos policiais gays, outro dos gays católicos logo seguido pelo dos gays judeus e outras associações como a dos enfermeiros gays. Pessoalmente acho uma grande bobagem. Sei da necessidade de se unir e se organizar para ganhar força e representação na sociedade, mas se a intencao é ser igual por que se diferenciar? Na verdade acho que todas essas manifestações hoje em dia não fazem o menor sentido. É evidente a ausência de envolvimento político, quero dizer, da consciência. O que se vê é um desfile de milhares de indivíduos interessados em expor, cada um a seu modo, seus egos esteriotipados. Isso que se vê em conjunto já vemos individualmente nas ruas, nos bares, nos shoppings freis canecas, a diferença é a concentração de variados tipos. Se o desfile da fauna provoca a compreensão da importância de se reconhecer as diferenças, isso é outra coisa. Você já assisitiu a um desfile de escola de samba? Então, é a mesma coisa, com uma variedade maior de exibicionistas, mas depois de ver a primeira escola passar, pode ir embora, porque as outras só mudam as cores das fantasias. A turba passou pelo Boulevard Saint German e se acabou na Bastille. Depois o Marais encheu, nao se podia caminhar pelas ruas entupidas de gente, festa por toda parte, bares e restaurantes lotados, sorveterias abertas, drags por todos os lados, enfim, um cirque de soleil a céu aberto.

A noitinha um jantarzinho babel aqui em casa para fazer valer a sociedade multiculti francesa. Um americano, um canadense, um brasileiro, um israelense e três franceses. Cinco garrafas de vinho rosé foram consumidas. Um brasileiro de origem armênia, um canadense de origem italiana, o israelense que pode assumir a nacionalidade que quiser, dois francesinhos com caras de alemães e o americano loirinho de cabelos longos, filho de pais cubanos e a cópia exata do Tazio (personagem do livro Morte em Veneza de Thomas Mann filmado por Visconti). Um único francês com cara de francês (não me pergunte como posso afirmar isso, mas com a quantidade de vinho rosé no sangue, posso afirmar qualquer coisa). Quem vê cara não vê coração. É isso? Mas todo mundo vê primeiro a cara para depois chegar ao coração. O Tazio que desminta essa história.

Outra coisa que aparentemente saiu de cena é a diferença entre culturas e modos vivendis desses rapazes urbanos que vivem em diferentes países. Esses garotos de quem falei acima, usam uma só lingua para se comunicar, se vestem igual, pensam igual, riem igual, ouvem a mesma música e seguem o mesmo padrão de comportamento. As diferenças se ainda existem, não são percebidas facilmente. Acho ruim. Perdemos todos com a globalização comportamental. Mas acho que desse mar de iguais, vai sair peixe grande. Como a personalidade também se horizontalizou, as chances de surgirem novas ovelhas negras aumentou. E para quem ainda não sabe, todos os movimentos que ajudaram o homem chegar até onde chegou, começaram com a inquietação dessas ovelhas desgarradas. Assim espero.

24.6.10

CHEGANDO


Desta vez foi difícil sair do Brasil. Sentimentos, sentimentos, sentimentos. Que coisa! Quando eles se fazem presentes assim como estavam, perco um pouco a nocao (estou no notebook que nao tem cidilha nem til, é estranho no comeco mas depois voces se acostumam). Fico transbordante, melancólico e minha visao de vida prejudicada. Ajudaria se eu fosse menos esponja e mais iceberg. Ontém por exemplo me arrastei, me acusei de insâno, de procurar sarna para me cocar, quase me convenci que seria melhor ficar. Entrei no vôo nesse clima de zangado comigo mesmo. Mas bastou botar os pés aqui e a boa energia voltou. O Sergio que acredita e que prefere os desafios à mesmice voltou.

Tive sorte, consegui chegar rápido em casa. Na rua dois milhoes de pessoas manifestavam contra as reformas do Monsieur Sarkô. Transito parado, metrô parado, onibus nas garagens. O taxista, um marroquino bem simpático, cortou caminho e conseguiu chegar rapidamente no Marais. Entrei na minha petite maison, abri malas, tomei banho e fui para a rua. Sol, céu azul, 25 graus, bandos de turistas se desviando uns dos outros. Caminhei quase duas horas absorvendo a atmosfera e logo me encontrei com uma amiga que mora na Rue St Andrés de Arts. Almocamos juntos, e depois de dar um bonjour a Sao Miguel na praca que leva seu nome, a noite mal dormida comecou a cobrar. Sono, pernas pesadas, cansaco físico Espero poder dormir rapidinho, amanha levanto cedo.

Gabriel, o dono da casa, deixou uma garrafa de vinho tinto pela metade sobre uma mesinha. Acreditei que era para mim. Fiz um lanchinho simples para nao acordar com fome no meio da noite e esvaiei a bouteille. Santé e até logo mais.

21.6.10

MÚSICA PARA LER

Muito próximo da minha partida, a ansiedade não me permite escrever, consigo ler um pouquinho, mas nada que exija muito esforço intelectual. Vi muitos filmes que ainda não tinha visto, assisti mais partidas de futebol do que já tinha assistido em toda a minha vida e li um livro de contos que gostei bastante. O autor é Kazuo Ishiguro e o livro se chama Noturnos. Um livro muito bem escrito, sensível e surpreendente que é inteiramente costurado por histórias cujos personagens principais são músicos. Ishiguro nasceu no Japão, mas mudou-se para Inglaterra ainda pequeno, conservou a delicadeza e a sutileza dos autores de sua terra natal. Vale conferir. A previsão do tempo para os próximos dias é de frio, então, faça um bom chá e boa leitura.

Volto a escrever de Paris.

18.6.10

CARTÃO VERMELHO

Como são chatos os jornalistas comentaristas esportivos que estão cobrindo a copa na tv. Com raríssimas exceções são todos iguais, não dominam a língua portuguesa, se comunicam muito mal, não conseguem analisar um jogo com imparcialidade, e têm o ego inflado. Acima de tudo contribuem para alimentar rivalidades cheias de ufanismos. Basta ouvir o besteirol de comentários depois dos jogos da Argentina para constatar o que acabo de afirmar. Na minha adolescência eu tinha um respeito desgraçado por articulistas de jornais e formadores de opinião em geral, e acreditava em quase tudo que falavam, demorei um pouco para desmitificá-los. Achava que se eles estavam em evidência e tinham espaço na mídia é porque eram corretos e só tinham boas intenções. Com o tempo fui percebendo que não é bem assim,e que existem muitos interesses por trás de suas palavras engajadas. Por outro lado acredito que os profissionais de vinte ou trinta nos atrás eram também melhores preparados, mais estudiosos e menos preocupados com o espetaculo e a auto promoção. Pelos números reduzidos de jornais impressos vendidos (naquela época por exemplo a folha vendia mais de um milhão de exemplares diariamente, hoje se eu não estou enganado são apenas duzentos e cinquenta mil), imagino que a maioria das pessoas “lê” e “ouve” as notícias pela tv, e imagino ainda que esses sujeitos que soltam o verbo na tela são os novos formadores de opinião. Os diretores das TVs deveriam ser mais cuidadosos ao contratarem comentaristas. Queiramos ou não são eles hoje os Paulo Francis ou Flávio Rangel e Nelson Rodrigues da minha época (guardadas todas as proporções, que tristeza meu Deus). Entendo que os profissionais desses meios de comunicação deveriam contratar pessoas bem preparadas, com o mínimo de consciência do alcance de suas palavras. Enfim, vão me dizer que isto é democracia, que se não estou contente devo trocar de canal ou desligar a tv. Não tenham dúvidas, é o que eu faço, prefiro ler qualquer livro a ouvi-los, mas e aqueles que não tem alternativas, para quem a tv é a janela do mundo? Ao menos dêem a eles a oportunidade de ouvir como se fala corretamente a língua mãe.

16.6.10

DEUS E O RALO

É no banheiro que faço minhas orações, precisamente sob a ducha. Não por falta de respeito, mas porque desenvolvi um sistema próprio de comunicação para falar com Deus. Logo de manhã, depois de acordar e fazer todas as minhas necessidades e obrigações higiênicas, vou para a ducha. Primeiro tenho que me sentir bem limpinho, só depois me conecto telepaticamente e começo a me comunicar. Rezo, agradeço, e por último peço para que o ralo leve todos os meus pensamentos negativos embora, não gosto de começar um novo dia sem me livrar de pensamentos incômodos que me acompanharam no dia anterior. Além do meio de comunicação com Deus, tenho um link gratuito e sem culpa com o ralo também. Pecado? Não tenho. Uso a consciência, e não lanço mão de desculpas para justificar minhas heresias. Hoje em especial, enquanto eu os observava escorrendo ralo adentro e abaixo, imaginei que Deus, esse ser sem forma e rosto, deve ter aprendido muito cedo a não prestar atenção em tudo que pedem a Ele. Independente do credo, a maioria da população do planeta passa a vida agradecendo e pedindo coisas a todo instante, e mesmo sendo Deus não daria para Ele ouvir e socorrer todo mundo. Acho que Ele deve se divertir muito nos observando. Para pessoas que crêem, todo o crédito vai para Ele mesmo, e sábio como deve ser, já aprendeu que ficar quietinho em seu canto é o melhor a fazer. Deve pensar: “quero só ver o que eles vão fazer para alcançar seus objetivos, qual alternativa vão escolher, eles que façam o que quiserem, não vou suar minha camisa (mesmo porque não teria pano para tantas) para ajudar esses humanos cheios de anseios e desejos, sacos de vontades sem fundos”. E dá para imaginar a lista de besteiras que ele já deve ter ouvido desde que surgiu do nada e passou a ser o senhor do universo. Pedidos que vão desde ganhar uma Barbie até recuperar o namorado (que Ele sabe ser um canastrão e o melhor para a pessoa que fez o pedido seria aceitar ficar sozinha). Não acredito que ele tenha nascido do nada, alguém deve ter dado todo esse poder para Ele, acho que de alguma forma Ele também deve prestar contas para um Outro. Como sou um sujeito cooperativo, acredito estar tirando um pouco do peso de Suas costas ao não fazer pedidos. Dou preferência aos agradecimentos. Para não dizer que não cedo a tentação nas horas de aperto, aquelas em que o analista também não consegue dar conta, não agüento e peço, mas aí lanço mão do Miguel Arcanjo como intermediário. Poupo Deus dos meus temores, e além do mais, tenho sempre o receio de que ele me perguntaria: “quem mandou você escolher essa alternativa? Agora se vira Mané.”

14.6.10

O QUE FAZ VOCÊ FELIZ?


Começo a me organizar para mais uma temporada fora do país. Semana que vem parto novamente para Paris, vou estudar, trabalhar, e se Deus quiser acabar o livro que comecei a escrever e parei. Não tenho data para voltar. Com a proximidade da viagem vai batendo um sentimento de quero-ir-mas-também-quero-ficar. Passei o fim de semana com minha mãe na casa da praia e muitas vezes refleti sobre o custo alto que pago por me distanciar dela neste momento. Um sentimento muito parecido com o provocado pela propaganda de um cartão de crédito que passa na tv e que nos pergunta quanto custa um abraço, um beijo, um olhar carinhoso, caminhar juntos, enfim todas essas coisas simples que não são materiais ou palpáveis e que não se pode comprar. Saí de casa cedo para morar fora e desde que voltei no ano 2000, nosso relacionamento passou do natural mãe-filho para o de dois amigos que se procuram porque se confiam e se gostam. Não moramos juntos, mas estamos sempre muito próximos e essa intimidade vai me fazer muita falta. Mas tenho que ir, devo dar continuidade aos meus projetos de vida. Quando envelhecer não quero me ouvir dizendo “se tivesse feito isso ou aquilo, minha vida seria diferente”. Sei que devo tentar trilhar o meu próprio caminho, apesar do medo que essas mudanças e decisões provocam. Gosto de acreditar que sou capaz de contribuir com a realização do meu destino, de ter a sensação de que estou ajudando a escrever minha própria biografia. Mas é o medo também o que me move, não apenas as certezas. Aliás, quanto mais envelheço, mais me esforço para me livrar delas. O medo de empacar na lama pesada do cotidiano, de me sentar para sempre na poltrona cômoda que o tempo costuma nos oferecer, o medo de não esgotar todas as possibilidades. A literatura, o cinema e a arte em geral me ajudam a acreditar que é possível me reinventar. Escrever e apagar sem medo, pintar e passar uma nova camada de tinta por cima toda vez que não gostar do que pintei, moldar e derreter até perder a forma. E ela, minha mãe, mesmo sem querer o distanciamento, foi quem me ensinou que é preciso olhar para a frente, buscar outras direções.

11.6.10

O NOVO DO AUSTER

Para quem se cansar de ver futebol na televisão e quiser um bom livro como companhia no final de semana, recomendo “Invisível” de Paul Auster. Boa história, bem escrito e bem traduzido, dessa vez o marido da Siri Hustvedt conseguiu chegar perto da qualidade dos textos de sua mulher. Gostei bastante. Tem mais leveza que seus últimos romances e nos fisga já nas primeiras páginas. Pode ser apenas impressão minha, mas acho que o casal deve conversar bastante sobre o que escrevem. Algumas passagens de “Invisível” tem o estilo de Siri. Bom fica a dica, assim rapidinho, volto já.

9.6.10

GASPARZINHO

A primeira reação de quem desconfia de alguma situação ou pessoa seria se resguardar, isto é, guardar segredo de suas desconfianças para apurar melhor os fatos antes de sair por ai falando para todo mundo do que desconfia. Aparentemente os roteiristas de “O escritor fantasma”, filme baseado no livro de Robert Harris, ele mesmo um dos roteiristas junto com Roman Polanski o diretor de The Ghost Writer, não pensam assim. Fica muito difícil acreditar que o escritor contratado para escrever a biografia de um político depois de descobrir seu envolvimento em negócios criminosos e assassinatos, saia por aí falando com o primeiro que encontra pela frente de suas descobertas e desconfianças. Pelas circunstancias pelo menos um pouco de medo ele teria que demonstrar ao desconfiar da verdade, ao invés de ligar para os inimigos e abrir o jogo sem nenhum receio. E no final, quando enfim desvenda o quebra cabeça, teria que no mínimo ficar mais esperto, mesmo porque ele conhece a verdade e sabe o que aconteceu com quem tentou descobrir a verdade antes dele. Por isso falta credibilidade a história e a conseqüência é um filme brochante. Então, vamos para um segundo momento e porque o filme foi feito por um diretor conhecidamente capaz, passamos a ver a qualidade da fotografia, a roupagem noir que Polanski deu ao filme, a trilha sonora... Já na hora de avaliar os atores fica muito difícil, com exceção do Ewan McGregor (o ghost writer) todo o resto é de quinta, caricatos e pouco convincentes. Para mim, o último filme do Polanski é uma decepção plasticamente bem filmada.

7.6.10

EQUIVALENCIAS


Ontem logo depois do almoço fui até a avenida Consolação para apoiar e engordar o número dos cidadãos que respeitam a diversidade sexual na Parada Gay. Se um dia ela foi organizada para melhorar a autoestima dos diversos, então ela já cumpriu sua função. Autoestima é o que não faltou para os milhões que estavam lá. Diversidade é a palavra que mais se encaixa com a parada também. O leque de cores do arco íris é mais amplo do que se costuma e quer acreditar. Da fauna exótica e colorida de tipos até os patricinhos que por mais padronizados que possam parecer se diferem singularmente no meio daqueles milhões de pessoas. Cheguei à Consolação pela Rua Sergipe e me surpreendi com a organização e a “limpeza” nos arredores dos muros do cemitério. A última vez que fui a Parada foi em 2007 e me lembro que aquilo mais parecia com um motel a céu aberto do que com qualquer outra coisa. A parada parece estar assumindo um formato mais politizado e menos debochado. Lógico que muito do que a gente vê descendo a Consolação é o supra-sumo dos clichês potencializado e de alguma maneira contribui para reforçar o caldo da sopa no qual os gays são cozinhados, mas ontem tive uma outra percepção, alguma coisa estava diferente e mexeu com o comportamento das pessoas. Teria sido a quantidade visível de policiais o motivo que gerou o "bom comportamento", ou os gays estariam começando a se adaptar as expectativas do restante da sociedade e se “comportando” em público? Qualquer uma das duas hipóteses levantadas por mim não me agradaria se fosse verdadeira. Não faço parte da turma que acha que é preciso ressaltar as diferenças para se auto afirmar, e muito menos da turma que acredita ser respeitada porque se enquadra nas regras comportamentais ditas normais da sociedade. Não conheço ninguém que não tenha algum tipo de preconceito, aquele que disser que não tem preconceitos é um mentiroso. Não falo especificamente de homofobia, mas de qualquer outro tipo de preconceito. Todos temos, mas os que tentam compreender seus preconceitos e reconhecem as diferenças além de enxergarem em si mesmos muito do que há nos outros, são poucos. Não basta ver o mundo somente a partir do próprio umbigo. Por isso considero em vão o esforço tanto daqueles que se sacrificam para parecerem iguais como dos que fazem questão de expor suas diferenças em público. Nada pode ser tão limitador (e doloroso) quanto à ignorância sobre si mesmo.

4.6.10

DIAS PENHASCOS

Um dia pode ser como um penhasco, rochoso, sem vegetação, pontiagudo. A gente começa escalando quando o sol nem bem mostrou a cara, tem dificuldades para escalá-lo, mas não desiste. Muito pelo contrário, insiste. Fazer o que tem que ser feito, pura teimosia, para provar que é capaz de escalá-lo, vencê-lo. Já lá em cima o primeiro sentimento é de felicidade, de conquista. A gente aprecia o imenso vale, e os seres lá em baixo são como soldadinhos de chumbo, bichinhos de plástico, arvores musgos, rios fios d’água, carrinhos matchbox. Quando a novidade passa, vem o medo, começa a estratégia para descida. O coração palpita, é preciso controlar a respiração antes de dar o primeiro passo. Não há outra saída, a gente tem que descer. Não adianta nem pensar em desistir e ficar, lá em cima é frio, venta demais, pode nevar, não tem nem alimento nem água. A gente sabe: descer será muito mais difícil do que subir. Alguns trechos a gente vai ter que descer de bunda para não escorregar, cair e se machucar. Depois de um longo tempo, joelhos esfolados, cotovelos sangrando, chegamos lá em baixo. No vale nos misturamos aos soldadinhos de chumbo, aos bichinhos de plástico, árvores musgos , rios fios d’água e carrinhos matchbox.

Para adoçar a vida fiz damascos frescos em calda. Não aquela coisa melada que não dá sequer para engolir, mas uma receita delicada e saborosa. Aprendi a receita na minha última estadia na França. De lá trouxe duas vagens de baunilha, ainda tinha um pedaço e coloquei para cozinhar junto com as frutas, o vinho, o açúcar, pau de canela, cravo, uma casquinha de limão e a água. O resultado: não vou ser modesto, ficou d-e-l-i-c-i-o-s-o. Além disso, minha casa ficou perfumada, cheirando a baunilha e açúcar, o mundo dos sonhos. Não sou preguiçoso, gosto de cozinhar e ainda mais de comer bem. E quando o dia é um desses rochosos, vou procurar abrigo na cozinha. Já está quase acabando, foi quase um quilo de damasco, olha aí na foto o que sobrou.

2.6.10

VONTADES

Hoje no vagão do trem do metrô quando voltava para casa ouvi duas garotas discutindo. Não deviam ter mais do que 13 ou 14 anos. Uma acusava a outra de ser incoerente, de ter mudado de opinião, disse que se sentia traída pela amiga, que não poderia mais confiar na outra. Não sei qual foi o tema/motivo da discussão, mas gostei quando a acusada respondeu que por ela tudo bem, não se importava em ser incoerente e de mudar de opinião. “Tudo bem” ela disse, “melhor assim, mudo quase toda hora de opinião mesmo, não tenho tantas certezas como você, e quer saber? acho que sou muito mais feliz por ser assim do que você, que tem tanta certeza de tudo e está sempre com a cara amarrada.” Me deu uma vontade de me intrometer na briga das duas e apresentar Metamorfose Ambulante do Raul Seixas para elas.

Uma passagem do livro do Roth que mencionei no post anterior me fez voltar a ela todo o tempo e ainda ocupa os meus pensamentos. É a seguinte: “Faça um momento apenas. Estamos trabalhando só com um momento. Trabalhe com o momento, trabalhe com o que funcionar com você neste momento, e aí passe pro próximo. Aonde você está não importa. Não se preocupe com isso. É só ir trabalhando cada momento a cada momento. O negócio é estar naquele momento, sem pensar no resto e sem pensar aonde você vai depois. Porque se você conseguir fazer um momento funcionar, você vai pra onde quiser”. É isso. Você que é editor ou costuma fazer revisões de texto, teria deixado passar a repetição da palavra momento por oito vezes se não soubesse o nome do escritor? Aha, sim a repetição nesse caso é necessária para poder expressar melhor o pensamento. Está bem. Apesar dos excessos, vou fazer um exercício e tentar converter o que ele disse em mantra.

E para o feriado deixo um pensamento do Fernando Pessoa para reflexão:

“As coisas sonhadas só têm o lado de cá... Não se lhes pode ver o outro lado... Não se pode andar à roda delas... O mal das coisas da vida é que as podemos ir olhando por todos os lados... As coisas de sonho só tem o lado que vemos... Têm amores só puros, como as nossas almas.”