O fim de semana foi de tempo ruim, chuva, frio, temperatura de outono. Um alívio. Odeio o calor do verão, ideal para mim é temperatura entre 15 e 20 graus, céu azul e sol. Paris com tempo fresco é sinônimo de menos gente nas ruas, menos manadas de turistas, mais espaço nas calçadas e Cafés com mesas livres. Aproveitei para terminar de ler o livro de Philippe Besson chamado “Se résoudre aux adieux” que poderíamos traduzir como “se resolve com despedidas”. Um livro feito de cartas escritas pela protagonista Louise que viaja para longe depois de ter optado pelo silêncio provocado pelo luto derivado pelo fim de seu relacionamento com Clément. Chato? Não. Triste? Também não. Realista e universal, do ponto de vista da identificação de sentimentos e reações que também já fizeram parte de nossas vivências. Tudo depende de como você encara a leitura de um livro e a própria literatura. Eu estou sempre procurando paralelos, seja na trajetória de vida do personagem ou no perfil psicológico. Se me identifico com algum personagem, vejo aí uma chance de descobrir alternativas e ampliar meu leque de reflexões. Os desconfortos emocionais são universais e incomodam tanto um chinês como um francês como um Senegalês. Amor é amor em qualquer lugar do mundo, guardadas as diferenças culturais que delineiam os costumes e regras de conduta social, as necessidades individuais no que concerne aos sentimentos humanos são basicamente as mesmas. Todo mundo quer encontrar o grande amor da sua vida, todo mundo sofre com a solidão da busca, todo mundo tem uma idéia preconcebida do que é ser feliz, morre-se e mata-se por amor nos quatro cantos do mundo. Como ele curou sua dor? Como ela resolveu suas angústias? As vezes a narrativa me ajuda a valorizar algumas reflexões, outras me faz pensar em coisas que não havia pensado quando experimentei as mesmas dores e alegrias. Um bom romance é capaz de iluminar espaços escuros no cérebro da gente.
Com a temperatura mais baixa caminhei bastante e vi dois filmes. Um dos anos 70 chamado “Deep end” do diretor Jerzy Skolimowsky, que também fala de amor. Um adolescente em fase de descoberta da sexualidade que se apaixona por uma moça que como ele cuida dos vestiários de uma piscina pública. O filme é primoroso, visto sob a ótica do triângulo roteiro, direção e fotografia. A trilha sonora é do Cat Stevens. Se tiver aí em dvd, vale pegar para ver como esse adolescente dá seus primeiros passos.
O outro filme que vi é argentino, e mais uma vez, não deixou a desejar apesar de não ter a profundidade anunciada logo no início dele. “Medianeras” de Gustavo Taretto começa muito bem, tenta traçar alguns paralelos entre arquitetura e o planejamento das cidades (aqui em especial Buenos Aires) e seus habitantes, mas com o passar do tempo, mesmo que com muita sensibilidade e humor ele acaba adocicando demais os alfajones. Claro que dá para falar da solidão sem ser amargo, mas o excesso de lugares comuns e clichês do solitário urbano para descrever o perfil dos dois personagens solitários acaba tirando a força dramática do filme. Mas o filme tem mais qualidades que defeitos, por isso quando sair aí no Brasil você não deve deixar de ver. E como são bons os atores argentinos!
Termino este post falando de amor, mas de um tipo que já não existe mais (ou será que ainda existe?), do amor profundo, capaz de fazer uma cortesã mudar de vida para dedicar-se exclusivamente ao seu amante, e em seguida abdicar desse amor por acreditar que estará fazendo o melhor por ele. Falo de Violetta e Alfredo, personagens de La Traviata, transmitida diretamente do festival de Aix em Provence. Nem vem me dizer que sou cafona, se há uma coisa que me emociona é personagem de ópera morrendo de/ou por amor. Natalie Dessay e Charles Castronovo fizeram o par. O papel do pai (Germont) foi belissimamente interpretado e cantado por Ludovic Tézier, esse barítono francês que está cada vez melhor. Gosto de Natalie Dessay, mas normalmente tenho um pé atrás (inesquecível como Rainha da Noite da Flauta Mágica de Mozart e Olympia nos contos de Hoffman, mas irregular em o Rapto do serralho). Dessa vez ela me convenceu (com alguns deslizes, logo no início não conseguiu a coloratura exigida) mas depois foi perfeita, bem como sua atuação, como atriz, demonstrando um controle físico impressionante. Em alguns momentos a coreografia me lembrou o balé da Pina Bausche. Castronovo é americano, escreva aí, se ele se entregar mais ao interpretar os papéis, pode ser um grande tenor, porque voz ele tem de sobra. O Le Monde fez uma crítica extremamente negativa da produção. O crítico (não me lembro o nome) disse que o papel era muito pesado para Natalie Dessay, que o cenário foi pobre, e que Alfredo parecia o filho da Violetta. Bobagens, nenhum fundamento, nenhum argumento plausível acompanhou sua crítica.
Você sabia que Violetta realmente existiu? Se chamava Marie Duplessis, morreu de tuberculose aos 23 anos e teve como último amante Franz Liszt? Dumas (filho ilegítimo do Alexandre) também foi amante dela e inspirou-se em sua história para escrever “A dama das camélias”.