26.10.08

DESAPEGO E CEREJEIRAS


Finitude e desapego. Pensei muito sobre isso durante o final de semana. Nos últimos dias a conversa com alguns amigos e duas sessões de cinema me levaram a pensar com freqüência sobre os temas. Relações amorosas, histórias familiares, amores mal resolvidos, mendicância emocional, políticas e estratégias inconscientes e conscientes para tentar salvar o que já passou do tempo, enfim, humanos e seus problemas. Para quem está de fora, como ouvinte, é sempre mais fácil ter a visão crítica da coisa, mas para quem é protagonista, quase sempre a cegueira provocada pelo medo impede de ver os fatos como realmente eles são. Nem vale aqui discutir o que é normal e o que não é, sem a menor prepotência para querer ditar regras, o normal tem a ver com o limite de cada um. Onde quero chegar? Também não sei. Sei apenas que os dois temas foram constantes durante os últimos três dias e eu fui obrigado a pensar bastante sobre mim mesmo. Os meus limites e quereres. Para reforçar assiste dois filmes que mexeram muito comigo. Um da Mostra e outro em cartaz no circuito normal. O da mostra chama-se “Hanami – Cerejeiras em flor”. Para mim um dos filmes mais bonitos que assisti esse ano. E o outro, o do circuito normal chama-se “A alegria de Emma”. Os dois coincidentemente são alemães, falam da morte, da temporalidade, da finitude e do despego. Um montão de perguntas de repente invadiram meus pensamentos. O amor nos faz mais egoístas? Sempre aprendi que ele é mais abrangente, nos torna generosos e abertos, mas quão aberto e quão generoso? Onde e quando começamos a desintegrar? Em que ponto começamos a pensar em salvar nossa pele das temperaturas escaldantes que nós mesmos criamos em nossos relacionamentos? Alguém tem culpa? Quem? A origem está lá atrás? Na infância? No que vivenciamos com nossos pais? Tem um pouco de herança genética ou é só o meio que interfere? Só de pensar me dá preguiça. Enfim um saco cheio de perguntas que vou levar muito tempo tentando responder, isto é, se eu conseguir responder. Mesmo porque estou mais a fim de vivenciar que responder. Voltando para o “Hanami” cujo tema é tratado com singular delicadeza e sensibilidade como poucas vezes eu vi no cinema. Preste atenção: filme alemão, que conta a história de um casal com idade avançada, que vai do meio do seu bauernhof na Baviera para o centro do Japão. Assim, do pequeno e regional, passo a passo a gente amplia um pouco e vai para Berlin, e depois para o mar báltico e por último para os pés do monte Fuji, e se faz universal. Devagarzinho a gente se envolve com os dois e seus filhos, suas rejeições e seus amores egoístas, a imprevisibilidade dos acontecimentos. Porque se a gente prestar atenção, com calma e honestidade, vai perceber que quase tudo na vida da gente é assim, não da para prever. A gente gostaria de ter o controle, mas no fundo, não há controle, é melhor soltar, pular, se atirar no bungle jump da vida e ver o que vai dar. É difícil, no mundo em que vivemos e que o tempo todo nos diz para fazer o contrário. Como os filhos do casal do “Hanami”que não tem tempo para nada e para ninguém a não ser para olhar para o próprio umbigo. Viver com a atenção voltada para cada ato, sem perder a percepção do entorno dá trabalho. Finitude e desapego talvez sejam alguns dos ingredientes da vida para a gente se sentir mais feliz e menos sofredor.

Um comentário:

cris disse...

Pois é. Essa questão do egoísmo foi muito bem tratada no filme. Conta a história de um casal,como muitos, onde o generoso abre mão da sua própria vida e se amalgama na vida do outro, o egoísta. Egoísta esse que o filme mostra num primeiro momento como um metódico pouco flexivel e depois da morte da mulher como alguém em busca da essencia do companheiro morto. Muito lindo essa parte. Porém o que me chamou mais atençaõ foi a solidão embutida em todas as historias de vida e como cada um lidava com ela. E resgata um pouco da cultura japonesa que eu nao conhecia, o balé butô (é isso?) Adorei tambem a matáfora dos enroladinhos de repolho. Ai, que vida enigmática e cheia de mistérios essa nossa né? E que bom filme esse, daqueles que dá para arquivar na pasta das nossas dúvidas existenciais....
Um abraço