19.6.09

CONTO PRA BOI DORMIR

Se de fato as coisas tivessem acontecido conforme as previsões da cartomante, hoje ele não estaria naquele museu, diante daquele quadro, imaginando que os olhos daquele nobre desconhecido retratado por um pintor regionalmente famoso, estivessem acompanhando seus passos. Ou estaria, mas não sentiria as pernas tremerem por causa de um par de olhos frios. Na verdade, teria sido a confirmação de que entre o céu e a terra há mais segredos do que sua vã intuição podia perceber. Teria sido muito mais. A vida continuaria como sempre foi, mas teria um gosto diferente, mais doce, menos ácido, mais cremoso, menos áspero. Se de fato as coisas tivessem acontecido conforme as previsões da cartomante, hoje ele não teria vontade de furar os olhos do pobre e infeliz aprisionado dentro da moldura dourada pendurada na parede azul celeste da enorme e silenciosa sala daquele museu. Mas, as coisas não se realizaram como ele acreditou e desejou que elas pudessem se realizar. Não. Não houve surpresas, novidades, sinais que pudessem lhe servir de aviso. Não. Houve movimentos, locomoções de um espaço ao outro, mas ao seu redor, isto é, fora dos limites de sua imaginação, o mundo continuou não querendo contribuir com as previsões da cartomante. Por isso ele havia ido parar dentro daquele museu. Para absorver a passividade daqueles senhores de bochechas rosadas e barbas brancas, emoldurados e eternizados pelo pintor regionalmente famoso. Não. Se ao menos ele tivesse duvidado das palavras da cartomante. Talvez agora ele não se sentisse perseguido pelo par de olhos frios. Mas as palavras são o que são. E é preciso compreender os segredos contidos em cada uma delas.

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