3.2.10

MIS EN SCENE.

Desde ontem tenho um novo vizinho. O sujeito, que nos cumprimenta quando passamos por ele resolveu se instalar na entrada de uma passagem que liga a rua lateral do prédio onde estou morando com a da entrada principal. De manhã cedo, quando saio para ir ao curso ele já está de pé, dobrou seus pertences, encostou seu colchão na parede e saúda todo mundo. Sua cama é como um saco de dormir, com zíper e tela para respirar. O número de gente que vive na rua aqui em Paris é muito grande, bem como de tipos que falam sozinhos enquanto caminham ou no metrô. Hoje quando voltava para casa observei um sujeito que fazia anotações num pequeno bloco. Suas anotações eram traços, como um desses quadros gráficos que demonstram por exemplo o acréscimo ou a variação da inflação. Mais nada. Nenhum número, ou palavra. Riscos para cima e para baixo.


Ontem assisti a uma aula de história da arte na Sorbonne. O professor, um sujeito de meia idade, não se deixou incomodar com dois alunos que se ocupavam com seus celulares. Calmamente, com sua voz de veludo, explicou a pintura Flamenga de Pieter Brueghel, fez anotações no quadro negro e a projeção de um filme. Quase no final da aula passou a fazer perguntas. Escolheu exatamente os sujeitos que haviam se distraído com os teclados de seus telefones. Blasé, bem despachado e sem alterar o tom da voz, expôs a ignorância dos rapazes. Depois agradeceu a quem ouviu suas explicações e encerrou a aula. Foi aplaudido por quase todos alunos, exceto pelos dois, que voltaram a fuçar os teclados de seus celulares.


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