Assim que comecei ler “A Humilhação”, o último livro do Philip Roth lançado no Brasil, me lembrei de uma amiga que ao contrário da grande maioria de leitores não o considera um grande escritor. Faço parte da imensa maioria que gosta muito dos seus livros e da forma como ele narra suas histórias. Temas como guerra da Coréia, presente no romance “Indignação” não me interessam, mas o maneira com a qual ele se debruça nos conflitos interiores de seus personagens é primorosa. “Complexo de Portnoy”, romance que o consagrou na década de sessenta já era assim. “A humilhação” também é assim e por isso gosto do livro. O primeiro parágrafo surpreende pela simplicidade, e se você tem o ascendente em virgem (como eu tenho), pode cair numa armadilha. Deve insistir e continuar a ler o romance, ignorar as primeiras impressões. Deixe as expectativas de fã de lado e siga em frente, pode não ser um grande livro, mas nem por isso ele é ruim. Sobre a opinião de minha querida amiga, graças a Deus ainda tem gente com opinião própria, é uma leitora crítica e apaixonada. A gente pode até discordar, mas é bom saber que há pessoas com capacidade crítica e coragem de dizer o que pensa.
No final de semana desci a serra. Em Ubatuba fui buscar um amigo no saco da ribeira, um pequeno porto no Perequê Mirim onde ele guarda seu barco. Lá, quase no píer, há um pequeno restaurante, simples, cinco ou seis mesinhas, freqüentado pela gente local e proprietários de barcos, onde comi um delicioso ceviche muito bem temperado, com coentro, rodelinhas de pimenta vermelha, cebola e limão. Refinamento é isso aí, usar o que a natureza está oferecendo de maneira simples e descomplicada. Mais ou menos isso deveria funcionar como receita para a vida. Também não sei porque complicamos nossas vidas buscando coisas ou ansiando sempre mais. Admiro boquiaberto pessoas sem muitas pretensões, que encontram prazer no cotidiano e no que fazem, se questionam pouco sobre suas próprias vidas. Não diria que são melhores ou piores que outras pessoas que como eu constantemente pensam em aprender mais, saber mais, conhecer mais, experimentar mais. São diferentes, mais satisfeitas consigo mesmas, passam uma impressão de que vieram prontas para o mundo, o que é muito diferente de passividade ou comodismo, isso sim me desespera. Durante o tempo em que morei na Áustria convivi bastante com artesãos que tinham essas características. Homens simples que executavam seus trabalhos com devoção e que chegavam ao fim do dia satisfeitos. Não tinham outro interesse a não ser ver o objeto em que trabalhavam ficar pronto. Não liam, não iam nem ao cinema nem ao teatro, os acontecimentos do mundo não alteravam nem um minuto de suas rotinas, dormiam cedo e ficavam felizes ao acordar e perceber que poderiam continuar a fazer a mesma coisa que vinham fazendo durante os últimos quarenta anos. Ah como eu os invejava! Mas não sou assim, então não me resta alternativa senão me aceitar como sou, fazer constantemente acertos comigo mesmo, me equilibrar sobre minhas próprias pernas dividindo o peso para não sobrecarregar nem uma nem outra.
Subi a serra ouvindo as sinfonias de Beethoven. O estado de espírito leve e profundo que alcancei enquanto os sons entravam em meus ouvidos, foi o mais próximo que talvez eu consiga chegar dos homens simples e artesãos que falei no parágrafo acima. Naquelas horas de viagem pensei e desejei muito pouco, meu nível de satisfação com a vida foi quase perfeito. Eu sei, eu disse quase. Porque quando escrevia a palavra perfeito senti um medo desgraçado.