10.5.10

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA...

Tenho duas irmãs e um irmão, uma única mãe, não tenho mais pai, nem avós. Em encontros como o de ontem, no almoço do dia das mães, noto como somos diferentes e iguais ao mesmo tempo, e como os amo e os estranho. Em 1988 me desgarrei, escolhi um caminho que me levou para longe. Fui morar em outro país, incorporei novas ideais, meu corpo se transformou, meus cabelos se mudaram para um endereço desconhecido, minha língua aprendeu a se comunicar em outras línguas, me abri, me feri, me fechei, me abri novamente e nunca mais me fechei. A distância continental, não nos afastou emocionalmente. Retornei ao país e nessa última década tive que readaptar minhas lentes focais para enxergá-los sem a película embaçada pela maresia do oceano que esteve entre os continentes. A língua voltou a falar a mesma língua com facilidade, mas eu estaria mentindo se dissesse que nunca mais encontrou dificuldades de comunicação. Imagino que eles também tiveram que trocar suas lentes e mexeram nas antenas para tentar me compreender. As imagens reveladas trouxeram boas surpresas e algumas decepções. Deixar o (des)conforto da adolescência é mais do que não ter que gastar rios de dinheiro com a pomada minancora. Rebelar e apontar o dedo em direção ao passado é mais fácil do que admitir limites ou fazer mea-culpa, e não dá verruga como quando a gente aponta o dedo para alguma estrela no céu. Muita coisa aconteceu nos últimos vinte e dois anos. Minha mãe participou de todos os acontecimentos ao lado de cada um dos quatro filhos. Íntegra, incondicional. Casamos e descasamos, enviuvamos, ficamos órfãos, perdemos nosso pai, casamos de novo, ganhamos uma sobrinha, entramos no armário, saímos do armário, e querendo ou não todas as antenas tiveram que ser reinstaladas e redirecionadas. A vida não tem o câmbio de marcha à ré. A gente tem que manter os faróis acesos e olhar sempre para frente, tomar decisões, se posicionar, escolher caminhos. Só é permitido olhar para trás com uma condição: desamarrar as bolas de chumbo presas aos pés que fomos colecionando durante o tempo. Desamarrar também às que fomos prendendo nos pés dos outros, por egoísmo, medo, vaidade, orgulho (como desprezo esse sentimento!) ajuda a gente a seguir em frente com mais liberdade.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sergio, mais uma vez suas linhas parecem descrever com enorme precisão minha própria história. Não devemos ser poucos os que ficaram longe de casa um tempo e mutaram como se várias vidas tivessem passado, e ao voltar (fisica ou virtualmente) ao convivio de sua origem se vêem diante de estranhos amados. As vezes, sinto como se tivesse morrido, ou estivesse em coma, e recebi autorização Divina pra voltar e aprender sobre mim mesmo o que negligenciei antes. Obrigado e parabéns por tão bem descrever minhas sensações. Diniz

Sergio K disse...

Diniz querido seja benvindo, estaremos sempre muito próximos, pode acreditar.

Lícia disse...

Tá tudo ai querido, aproprie-se e continue seguindo para frente e para o alto.
Beijos.