23.3.11

ABAJURES, GLOBALIZAÇÃO E CERVEJA BELGA

Hoje no meio do dia recebi a visita de um amigo. Ele chegou com dois vasos chineses antigos que havia comprado e queria que eu fosse com ele comprar peças para transformá-los em abajures. Sempre achei a relação vendedor/cliente nas lojas aqui meio estranha, mas dessa vez ela superou minhas expectativas. Entramos na loja e fomos atendidos por um senhor formalésimo depois de esperar uns quarenta minutos numa fila com meia dúzia de pessoas na nossa frente. Ninguém atravessa dizendo “só um minutinho, só quero saber onde fica, só vim perguntar uma coisa”. Não. O vendedor nem olha para a cara do sujeito que se aproxima dele com cara de “só um minutinho”. E isso é regra que vale para todo mundo em todas as lojas: enquanto o atendimento do cliente da vez não acabar ele não olha para os lados. Gosto disso. Do que não gosto começo a contar agora.
Depois de passarmos por essa fila fomos enviados a seção de cúpulas e apetrechos. A vendedora que nos atendeu estava sentada diante de uma tela de computador. Sem olhar para nós, ela disse:
“Vous désirez?”
Meu amigo francês que como todo parisiense é um pouco estressado, imediatamente respondeu que desejava falar com ela olhando para a nossa cara.
“Oui monsieur, como o senhor quiser, mas vai ter que esperar um pouco, antes vou acabar o que estou fazendo”.
“D’accord, mas não por muito tempo” meu amigo retrucou.
Eu que não tenho espírito para confrontações comecei a ficar constrangido. Não sou da turma do “deixa pra lá”, mas odeio essas saias justas Depois de alguns minutos a mulher veio e começou a nos mostrar as cúpulas. Fomos proibidos de tocá-las.
“Sou eu que as mostro a vocês, tudo aqui é muito delicado e pode sujar ou quebrar.”
Imaginei que meu amigo iria dizer “tudo, menos a senhora”, mas graças a Deus ele não respondeu. Tirou do bolso uma fita métrica e pediu para ela medir uma das cúpulas. A vendedora, nem tocou na fita, procurou a etiqueta onde estava escrita a medida e nos passou a informação.
“Não acredito! Parece muito maior!”, meu amigo disse a ela.
Nesse ponto eu compreendi que ele começaria um jogo daqueles que eu nunca consigo saber o que é sério e o que não é.
Oui mais... se o senhor acredita ou não, essa é a medida”.
“Pois eu gostaria que a senhora mesmo assim tirasse a medida para mim.”
“Não é necessário senhor, há uma etiqueta contendo as informações sobre a cúpula”
“Eu insisto”
“O senhor é teimoso.”
“E a senhora é o que? Me ajude a encontrar um adjetivo ou qualquer coisa parecida para a senhora.”
“Monsieur” ela disse pausadamente, “estou fazendo o meu trabalho”.
“Muito mal, Madame, e não tem idéia de como faz mal o seu trabalho. Mas a senhora pode me provar que estou enganando. Vamos recomeçar a nossa conversa do jeito que ela deveria ter sido desde o início: Bonjour Madame, gostaria de ver algumas cúpulas.”
A mulher pegou a fita métrica e mediu as cúpulas. Sua cara azeda foi adocicando e sua voz perdeu a agressividade. Dali em diante foram trocas de gentilezas entre meu amigo e ela e eu comecei a respirar aliviado. No final, por pouco os dois não trocaram beijinhos.
Essa história não é uma exceção. Observo os vendedores com muita freqüência e na maioria das vezes eles só pegam no tranco, isto é, depois de algum diálogo ríspido ou de você esbofeteá-los com palavras. O mesmo acontece com as caixas dos supermercados que ficam segurando as sacolinhas de plástico, quase que nos obrigando a implorar por uma, ou o vendedor de frutas que fica de olho para a gente não tocar nas frutas. Talvez esse meu lado brasileiro classe média mal acostumado com a subserviência da maioria dos empregados brasileiros seja a razão do estranhamento. De qualquer forma eu sinto falta da gentileza. Meu amigo francês diz que não.
“C’est normal. Voce tem que dizer como quer, o que quer e o que eles devem fazer por você.”
“Ai que preguiça” eu respondi.
“Bienvenu ça c’est aussi la France. Aqui a maioria das pessoas só aprende quais são os seus direitos, os deveres é você quem vai obrigá-los a compreender.”
“Ah não, isso não acontece só aqui, gente mal educada você encontra em qualquer lugar do mundo”
“Efeitos negativos da globalização”, ele respondeu.
Caminhamos alguns minutos em silêncio. Eu pensava na tal da globalização que aqui é chamada de mondialisation, e o que ela tinha a ver com a nossa conversa.
“Vamos tomar uma cerveja? Tem uma brasserie logo ao lado da Bastille que oferece uma variedade de cervejas belgas incríveis.”
"Vamos" respondi sem pestanejar.
"Efeitos positivos da globalização" ele sorriu.

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