Sentada ao meu lado, na última aula de antropologia sobre espaço e globalização, uma garota linda de olhos e cabelos negros, rosto em formato de pingo de mel e lábios bem desenhados. Sorrimos um para o outro logo que me aproximei e comecei a me livrar de casaco, cachecol e casquete. Salut, ela me disse timidamente. A aula começou e fomos informados pela professora que naquela sala entre os pouco mais de 60 alunos estão representadas 26 nacionalidades diferentes e que poderíamos nos comunicar por meio de mais de 30 idiomas. Pergunte ao seu colega do lado de onde ele vem e quais são as línguas que ele fala. Eu imaginava que ela fosse espanhola com origens árabes, uma espécie de moura pós moderna e ela me imaginou italiano ou norte africano, confessou que não sabia muito bem onde me ordenar dentro de seu mapa geográfico mental. Ela é um misto quente, feito de mãe turca e pai tunisiano nascida na França, e eu sou brasileiro sem mistura nenhuma, 100% de sangue armênio. Ela me disse então que sua mãe turca tinha sangue armênio correndo nas veias, não sabia muito bem me explicar, mas o avô de sua mãe era armênio, casou-se com a avó turca em alguma região que um dia havia pertencido à Armênia e foi morto pelos turcos na mesma época em que meus avós foram obrigados a fugir de lá. Ufa. Respiramos fundo. Ela não conheceu a avó turca. Mas a mãe conta que ela nunca mais quis voltar para a sua cidade, falava o armênio com a filha quando não queria que seus netos entendessem o que estava falando. Ao contrário de meus avós que costumavam falar o turco quando não queriam que os filhos entendessem o que estavam falando. Constatamos surpresos a familiaridade dos hábitos. Gosto de olhar para os olhos dela quando conversamos. São negros e amendoados e tenho a impressão de que posso a qualquer momento penetrar em suas profundezas. Jasmim é seu nome.
Do oriente para o ocidente.
Fui ver a exposição de Cranach, pintor renascentista alemão pouco divulgado e conhecido que está acontecendo no Musée du Luxembourg. Cranach foi contemporâneo de Dürer e Jacopo de Bárbara, e algumas obras desses pintores também podem ser vistas na exposição. Pintor oficial da corte da Saxônia, apoiou a reforma protestante e foi íntimo de Lutero. As cores de suas telas me impressionaram, mas a falta de sintonia entre alguns títulos de suas obras e as imagens me surpreendeu. Por exemplo, na tela que ele intitulou “Melancolia”, o rosto da mulher é muito mais de indiferença do que de qualquer sentimento que pudesse traduzir a melancolia. Bem como a feiúra e a desproporção dos corpos. Os pés pintados por Cranach são esquisitos e as vezes deformados. Na mesma época na Itália ou na França, Botticelli, Da Vinci, Rafael e mesmo Michelangelo produziram obras de uma beleza estética inquestionável. As formas e a beleza dos corpos na obra desses artistas são relevantes. Cranach era muito mais um retratista. Seu auto-retrato é uma beleza. Seus nus envoltos por véus transparentes são delicados mesmo que seja preciso admitir uma certa ausência de movimentos. Já o “Martírio de Santa Catarina” é uma explosão de cores. É isso. Uma bela exposição. Reserve antes se quiser ver, porque a fila é um desestímulo.
Essa semana fiz uma visita guiada na biblioteca Sainte Geneviève. Uso freqüentemente a biblioteca para fazer pesquisas, mas não conhecia suas entranhas e nem as obras raras que fazem parte do seu patrimônio. Mas como a visita fazia parte do curso da Sorbonne tivemos acesso a alguns desses livros, como por exemplo, a primeira edição das fábulas de La Fontaine. Para quem gosta de livros uma visão de valor inestimável. Abaixo duas fotos. Não se esqueçam, são fotos tiradas pela câmara do meu celular.
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