11.7.11

BAZAR

Até pouco tempo tinha como vizinho um jovem estudante marroquino. Sami o nome dele, como o personagem do meu primeiro livro. O rapaz é simpático, mas as vezes era barulhento, trazia amigos e festejava quase todo final de semana até altas horas da madrugada. Tive que reclamar algumas vezes com ele, tantas que com o tempo era só ele ouvir o barulho da minha porta se abrir que ele já abaixava o som e pedia para os amigos falarem mais baixo. Notei a sua ausência por causa do silêncio que se faz presente alguns dias. Perguntei por ele à zeladora do prédio (uma Argentina chamada Dolores, louca mas boa pessoa). Ela me disse que ele partiu para Casablanca de férias, mas que em setembro ele estará de volta. Ontem quase a meia noite, estava emperrado numa frase de um novo conto quando bateram na minha porta. Pensei que algum vizinho iria reclamar do Chopin que eu ouvia enquanto trabalhava. Abri e dei de cara com um sujeito que me perguntava num francês com sotaque árabe se eu poderia ajudá-lo a instalar os canais de sua televisão. Perguntei onde ele morava, ele me disse que era meu vizinho (o apartamento onde Sami morou até duas semanas). Quando entrei no apartamento dele me senti de volta aos anos 70 na casa do caseiro da chácara dos meus avós. Tudo lá é antigo e velho, sofás são grandes demais, tapete com uma mesa de centro de madeira escura de tampão de azulejos e pés em forma de patas de leão, quadros de feltro com inscrições em árabe douradas pendurados nas paredes, cortina de crochê e a televisão tão antiga que quando eu a vi pensei que seria impossível ajudá-lo. Ajunte agora a essas imagens um cheiro adocicado de cuscuz marroquino. Acrescente ainda dois sujeitos deitados em dois sofás posicionados um de frente para o outro comendo seus cuscuzes em tigelas coloridas sobre suas barrigas. No chão havia pratos recém esvaziados. O cuscuz marroquino tem um cheiro adocicado que eu não consigo suportar por mais de alguns segundos. Meu pensamento era um só: sair o mais rápido possível de lá. Parei de respirar. Consegui fazer os canais entrarem e se ajustarem automaticamente e tratei de me mandar de lá. Voltei rapidamente para o meu studio. Respirei varias vezes profundamente e depois resolvi tomar um banho porque achei que o cheiro do cuscuz estava impregnado nas minhas roupas e no meu corpo. Quando sai do banho bateram na minha porta novamente. Era o marroquino me trazendo um prato de cuscuz como forma de agradecimento. Não podia recusar. Peguei o prato, agradeci, entrei, fechei a porta e naquele exato momento pensei que só poderia estar fazendo parte de um pesadelo. O que fazer? Me senti um lixo, um sujeito mal educado e grosseiro, mas eu não comeria aquele cuscuz nem que todas as vacas do mundo começassem a tossir juntas. Enfiei tudo num saco plástico, depois em outro saco plástico e mais em outro e desci até a lixeira central do prédio e o depositei no cesto. Voltei, lavei a tigela colorida e hoje de manhã eu a devolvi. Por favor, tudo menos isto. Até do Sami e dos seus amigos barulhentos eu senti saudades.

À propros Chopin: profundo e frívolo. Tudo passa muito rápido de um estado ao outro.

Estou numa sintonia estranha com a dinâmica da vida. Não é a palavra que mais ouço nos últimos dias. E a que mais tenho falado também. Não venha me dizer para dizer sim que outros sins virão automaticamente. Isso é filosofia barata de botequim. E a vida é cara. Muito cara. Procurar respostas fáceis para questões complexas é coisa de gente preguiçosa. Tenho a impressão de que será preciso esgotar os nãos.

Em Brahms não há fraquezas. Não. Tudo é força e intensidade. Razão e emoção. Todos os sentimentos humanos se condensam em sua música.

Um comentário:

Diniz disse...

Sergio, muitas saudades de conversar contigo, pessoalmente. Ler seus ultimos posts me salvou em uma aula sonolenta que assisto agora. Parece que posso te ouvir quando te leio. Sera que voltaremos a morar na mesma cidade algum dia?Estar perto dos meus amigos eh a unica razao da vida pra mim atualmente. Talvez isso ajude a sua amiga a seguir. Abracao, Diniz