11.4.10

OS OUTROS EUS

Dia desses um pensamento tomou a frente de outros menos insistentes e me paralisou. E se tudo isso que estivesse em minha volta não passasse de ficção? Pessoas, objetos, prédios e até eu mesmo fossemos uma história inventada? Já vi alguns filmes com esse mesmo tema, mas nunca havia imaginado minha própria vida dessa forma. Estava engessado no trânsito da cidade e o pensamento se tornou um grande quebra cabeça. E se eu tiver apenas sonhando que estou dentro desse automóvel? Como autor eu sei que é difícil delimitar o território da ficção e o da não ficção. A não ser que você esteja biografando a vida de alguém, e mesmo assim ainda acho que essa biografia terá que cruzar os limites daquilo que chamamos de “vida real”, aproximar-se da ficção se quiser parecer real. Contar histórias, mesmo que inventadas, é dar vida a outras vidas que estão dentro de mim, e o que está dentro de mim, mesmo que adormecido e pouco evidente, faz parte da realidade. É também com essas vidas fictícias que as pessoas se relacionam. Passamos a vida inteira construindo a história de nossas próprias vidas. Acreditar numa única realidade pode ser uma grande cilada, não acreditar pode ser uma ainda maior. O que é real e o que não é se misturam e juntos dão força para a coluna vertebral que nos mantém em pé todos os dias. O que os outros vêem em nós e vice e versa é real e é inventado. Ainda no carro, lembrei-me da pergunta feita por um professor de filosofia do direito na época em que eu cursava a faculdade: “se você morresse hoje, acha que o mundo continuaria existindo ou ele deixaria de existir?”, ou “o mundo existiria se você não tivesse nascido? ”Essa era uma das perguntas que Kant havia feito a si mesmo para elaborar sua visão de mundo e filosofia. Essas perguntas me deixaram fascinado e assustado ao mesmo tempo. Então não somos o umbigo do universo? Oh meu Deus! Acho que perceber a vida mais ou menos como uma obra de ficção pode facilitar bastante as coisas. Depois de me livrar do transito e chegar em casa, o pensamento continuou me perseguindo. Antes de ir para cama tomei um banho e enquanto passava um creme hidratante no rosto me vi refletido no espelho. Você já aproximou seu rosto o mais próximo possível de um espelho e fixou seus olhos nos seus próprios olhos?

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