20.4.10

ZERO A ZERO

De vez em quando acontece de me perceber tão lúcido, mas tão lúcido que por algum tempo eu tenho certeza de que a vida não tem nenhum sentido. Mas minha aparente lucidez dura pouco, pouco tempo depois algum mecanismo de defesa responsável pelo meu equilíbrio psicológico reorganiza meus pensamentos, afasta o perigo de me desconectar da realidade e me leva de volta ao que chamo de zona de conforto da minha psique. É meu sistema de proteção funcionando. Nesse lugar, onde eu me acomodo e me reconheço como parte de uma engrenagem que deve continuar a funcionar, dentro de uma ordem em que eu me encaixo. Então volto a pensar normalmente, isto é, tento passar bem longe daqueles pensamentos que considerei lúcidos, me untar com o óleo da engrenagem e fazer de conta que fui ali e voltei. Esse pensar normalmente é o que me bota de pé e com vontade de continuar a viver, tocar projetos, sonhar, desejar e etc. Sei que para manter esse ritmo tenho que manter viva a vontade de acreditar. Sem ela eu me perderia, passaria para o lado dos que vivem no limbo, dos mortos vivos, da lucidez paralisante. Não é a lógica o que me faz prosseguir, nem acredito na predestinação (pelo menos não 100%), mas a vontade de acreditar que sou capaz de interferir em minha própria vida, mudar, buscar alternativas e me recriar.

Ontem a noite zapeava pelos canais de televisão quando deparei com o início do programa Roda Viva. A voz feminina anunciava o cientista português António Coutinho e eu estacionei o controle na Cultura para conhecê-lo melhor. O sujeito me pareceu simpático e inteligente, tudo caminhava bem até o ponto em que as perguntas feitas a ele, saíram da matéria “exatas” e passaram do campo científico e racional para o lado menos lógico, o da “humanas”, isto é, para o imenso e vasto território das questões que ainda não encontraram respostas cientificamente comprovadas. Desse ponto em diante, o encantamento foi dando lugar a um sentimento misto, alguma coisa me fez pensar “que pena, pensei que ele fosse diferente”. Isso aconteceu quando com sutil ironia ele passou a demonstrar sua descrença nos outros métodos de tratamentos medicinais não comprovados pelos cientistas. Como cientista deve ser difícil acreditar em qualquer outra coisa que fuja da fórmula causa e efeito, o condicionamento resultante da formação rígida e do meio profissional não permite. Mas como homem e alguém que carrega experiências diversas nas costas, negar que experiências menos ortodoxas e alternativas podem dar certo, é querer não admitir que há vida inteligente fora do planeta da ciência tradicional. Não acredito que o homem inteligente é aquele que sobrepõe à lógica e a razão acima da percepção intuitiva e emocional. Por que não posso ser iluminista e romântico ao mesmo tempo? Acreditar na ciência, na natureza e também em Deus. Dá para contar nos dedos as verdades intocáveis que não sofreram interferência de outras novas verdades. Em especial no campo das descobertas científicas, algumas verdades se sustentam só até a próxima descoberta.

Não estaria vivo se tivesse desprezado a vontade de acreditar. Para dar um sentido a minha vida, abraço a ciência, a lógica e a razão e conto com a providência divina. Acredito na união entre o iluminismo e o romantismo.

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