28.9.10

REDUNDÂNCIA PORTENHA

Assisti a mais um bom filme argentino. Dessa vez num pequeno cinema aqui no Marais chamado Le Nouveau Latina que tem duas salas. Bom filme argentino está quase virando redundância. O filme se chama “El último Verano de la Boyita” foi muito bem dirigido e muito bem roteirizado por Julia Solomonoff, é de 2009. Novamente os bons ingredientes que têm contribuído para essa redundância: sensibilidade “al dente”, no ponto certo, fotografia primorosa, atores excelentes (incluindo as crianças). O filme conta a história de duas irmãs, Luciana e Jorgelina que nesse verão passam a perder as afinidades e a não mais brincar juntas porque a primeira está entrando na adolescência. Jorgelina a mais nova das duas vai para a fazenda com o pai que está se separando da mãe. Lá Jorgelina se encontra com Mario, garoto filho dos caseiros com quem tem afinidades. A pré puberdade está batendo a porta, os corpos tanto de sua irmã como de Mario estão mudando e Jorgelina é testemunha desse mutação inevitável. A beleza do cenário e a forma como os pampas argentinos foram integrados a história é um dos pontos positivos desse belo filme. Ele tem algo de XXY, filme também argentino que de outra maneira também tratou do mesmo assunto. E uma das coisas que eu também pensei durante a exibição do filme foi que os rostos dos camponeses (pais do Mario e também o próprio Mário e outros cawboys que fazem parte do filme) me lembraram de alguma maneira os rostos dos filmes de Pasoline. Olhares áridos e sofridos que me levaram ao cineasta italiano. Boa história, bons atores, bom roteiro, boa fotografia, enfim, mais um bom filme argentino.

26.9.10

TERRITÓRIO NADA NEUTRO

O primeiro domingo do outono não foi nada agradável. Ventou, fez frio e acinzentou não apenas o céu, mas também o estado de espírito das pessoas. Passei a manhã lendo o novo livro do Michel Houellebecq, “La carte et le territoire” (não sei se já foi traduzido e publicado no Brasil) que está sendo muito elogiado pela crítica, e como sempre o autor de “Partículas Elementares” (livro publicado pela Companhia das Letras no Brasil) provoca ou amor ou ódio, ninguém fica em cima do muro. Eu faço parte dos que gostam dos livros dele, gostei muito do Partículas e estou gostando muito do novo. Houellebecq escreve zombando da gente e dele mesmo, isso não quer dizer que seus livros são engraçados, não, eles são ácidos e cinzentos como a chuva fina que caia na cidade hoje. Se no “Partículas Elementares” ele desceu a lenha na geração 68 e em quase todos os dogmas que eles deixaram de herança, no novo “La Carte et le territoire” ele explicita a superficialidade do mundo em que vivemos hoje. O que é real e o que não é, o que quer dizer qualidade num mundo inteiramente construído por interesses econômicos e toda a superficialidade cultivada e adorada por pseudo intelectuais desvairados com o poder e levados a sério por uma geração cada vez mais ignorante e por isso mesmo sem opinião. Seu novo livro tem uma narrativa ágil, é contemporâneo na medida em que expõe a nós mesmos e zomba da pretensa seriedade atribuída a algumas obras e seus artistas. São personagens do livro não apenas Jeff koons e Damien Hirst, mas também ele mesmo Hoellebecq aparece na narrativa. Gosto da maneira pouco artificial de como ele registra nosso tempo em sua narrativa, e também do perfil psicológico de seus personagens. Não fazer parte do establishment e fazer questão de dizer isso em seus livros provoca inimizades e desprezo pela maioria de críticos, mas Hoellebecq parece não estar nem aí com o desprezo dos outros, e me deixa a impressão de que se preocupa muito mais com o seu próprio aborrecimento diante de um mundo artificial e de egos inchados. Recomendo, compre um saquinho de sal de frutas e boa leitura.

24.9.10

DÉSOLÉ


Normalmente depois de ouvir alguém pedir desculpas, por mais grave que tenha sido a razão que originou o pedido de desculpas, o mais provável é que a gente desarme, baixe as armas, abandone a vontade de reagir e retome ao caminho da razão e da razoabilidade. Uma das observações que venho fazendo aqui em Paris como antropólogo vira latas, é que o pedido de desculpas só funciona quando ele “vem de dentro”, isto é, quando ele for feito com sinceridade, caso contrário, melhor não dizer nada. Aqui o excuse moi e o désolé são muito mal empregados e muitas vezes usados como disfarce para um cinismo que beira ao sadismo. Eles são usados para qualquer coisa, e como além de antropólogo vira latas sou também analista psico-social na horas vagas, estou quase querendo afirmar que esse mal uso talvez demonstre inconscientemente um pouco do caráter das pessoas. No Brasil, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, dentro dos vagões do metrô não é comum alguém se desculpar por ter esbarrado em você ou simplesmente porque não tem o produto que você queria comprar. O sujeito entra carregado de sacolas pisa no teu pé e das duas uma; ou ele reclama com você por que você ocupava o lugar onde ele queria colocar o pé dele, ou te ignora, não fala nada. Aqui em Paris, o que me chama a atenção é o costume de se pedir desculpas por qualquer coisa de uma maneira tão automatizada que desconfio que o excuse moi e o désolé perderam seus propósitos originais e passaram a servir também como uma forma de mascarar um tipo de prazer sádico. Exemplo disso é o que acontece no metrô diariamente. O vagão chega lotado na plataforma, duas ou três pessoas dessem e mais de vinte estão esperando para entrar. Qualquer ser humano normal esperaria o próximo metrô, mas como todo mundo está com pressa ou por alguma outra razão que ainda não consegui entender, todos querem entrar e avançam para dentro do vagão empurrando e esmagando os que já estavam dentro. A cada empurrão ou esmagamento ouvi-se um pedido de desculpas. Aperta-se daqui e dali, e a campainha já tocou avisando que as portas vão se fechar e que o trem vai partir e as pessoas que estão de fora continuam empurrando as de dentro e repetindo excuse moi para cá e désolé para lá. Eu me pergunto se realmente o sujeito estaria tão désolé. Porque ele sabia que deveria ter ficado do lado de fora esperando o outro trem chegar. Outro exemplo é a enorme quantidade de vendedores mal humorados que depois de atenderem o cliente com cara de quem acaba de chupar um limão, no finalzinho do diálogo soltam um “désolé” com um prazer in-des-cri-tí-vel. Na verdade o désolé deles é muito mais um “ caia fora, não me encha o saco, não percebeu que eu não estou a fim de te atender?” do que um pedido de desculpas.

Por sugestão do meu orientador li um livro chamado “Paranóia Global” do escritor Éric Sadin. Livro composto de pequenos textos que foram escritos com a mesmo formato das escrituras usadas para descrever tecnologias de vigilância. O resultado são textos frios, que não provocam nenhum tipo de emoção. Depois de ler o livro, percebi que nada ficou retido na minha memória. No final há um texto explicativo interessante sobre a ausência de vírgulas, opção feita pelo autor do livro para melhor demonstrar como a forma de escrever textos de sms, e-mails, twitters e afins estão alterando a forma narrativa ao desprezarem as convenções linguísticas implantadas há alguns séculos. A vírgula como instrumento usado para dar sentido e ritmo a um texto/pensamento está condenada a desaparecer para sempre de nossas vidas. Até mesmo o ponto, que determina o fim de uma frase corre o risco de entrar na lista das formas de linguagem e narrativa em extinção por causa da maneira abreviada que os utilitários desses meios passaram a fazer dele.

Estamos nos transformando em corpos de bases de dados. Acumuladores e distribuidores de informações que não se submetem a nenhum tipo de reflexão profunda sobre essa mesma base de dados.

21.9.10

STEP DANCE


Já ouvi muitas pessoas dizerem que tem vontade de jogar fora seus celulares ou computadores. Principalmente quando eles não correspondem as suas expectativas, ou melhor, quando eles não fazem o que seus proprietários gostariam que eles fizessem. Não me surpreendo com a reação de ódio e amor que elas desenvolvem por seus aparelhinhos de estimação. São pessoas inteligentes e sensíveis e sabem que eles foram feitos para serem usados e comandados pelo ser humano que os detém, mas na hora em que eles emperram, ou que seus limites ficam expostos, elas enlouquecem. Acho que um dos problemas está no fato de que todos esses aparelhinhos de estimação vêem ao mundo junto com a idéia de que podem tudo e a gente aacaba creditando que realmente eles podem. “Esse celular é o máximo, ele pode tudo, até falar com você ele fala, tira fotos, faz filmes, envia e recebe mensagens rapidamente, você pode baixar mais de 3.000 músicas, ver a novela das 8, fazer sexo virtualmente, uma maravilha!” Lógico que se ele não obedecer um dos itens por falta de habilidade do proprietário a culpa é dele e de ninguém mais. Normalmente ele vem com um manual de instruções, mas para que ler esse misto de bula e bíblia se a gente já sabe tudo sobre ele? É só ligar. Pronto, ele funciona e como num passe de mágica ele vai fazendo as coisas sozinhas, dá até ordens ao seu novo escravo. Aperte o botão estrelinha se quiser isso, o zero se quiser aquilo e a coisa funciona e nos convence de nossa habilidade. Dia desses, em frente o liceu Charlemagne vi uma garota sapateando sobre um celular. Quando ele escapava das solas dos seus sapatinhos outras duas garotas disputavam o direito de estraçalhá-lo. Um grupo de garotos observava tudo relativamente de perto, quando o celular foi parar a alguns centímetros dos pés deles, aí a coisa degringolou, um deles pegou o coitado e o arremessou contra o muro do colégio. O celular espatifou-se em vários pedaços que foram por fim disputados e chutados para longe. Um verdadeiro massacre em praça pública, que culminou em aplausos e gritos eufóricos e a imediata apresentação do novo aparelho da garota para todo mundo ver. Assisti estupefato ao esquartejamento do aparelho rejeitado e ao batizado do novo felizardo. O infeliz foi substituído por um outro ainda mais rápido e melhor, com capacidades inenarráveis e inteligência superior, com muito mais utilidades. Quase um deus com design moderno, mais leve e menor, mais fino e mais, mais, deixo pensar, hum... mais, mais... ah sei lá, só sei que ele vai ser mais e melhor. Porque é assim que as coisas devem ser não é? Mais e melhor? Aliás, não é assim que as coisas funcionam na vida da gente? Custo e benefício? Então, não é assim que funcionam as relações entre as pessoas? Enquanto funcionarem e servirem para alguma coisa elas prestam, e quando não mais tiverem uma função eu as descarto? Não? Não é assim que a vida funciona? Jura que não? Ih, agora deu um nó na minha cabeça. Espera um pouquinho, vou perguntar para os meus seguidores do twitter o que eles pensam e te respondo.

19.9.10

ABERTO AO PÚBLICO

Uma das coisas que mais admiro e gosto aqui em Paris é a participacao dos cidadaos nos eventos públicos promovidos pela prefeitura da cidade. Hoje por exemplo é o dia do patrimônio público, e a maioria dos prédios históricos está aberta e pode ser visitada por dentro e por fora gratuitamente por qualquer pessoa. Penso que essa é uma boa forma nao apenas de fazer crescer a ligacao emocional do povo com a história de sua cidade, como também de despertá-la. Neste dia por exemplo, voce pode visitar tanto os saloes do Palais Royal como um presídio, o prédio da prefeitura ou a Bastilha, pode entrar em contato muito próximo com a história do país. A vistacao é feita por todo tipo de gente, jovens, velhos, turistas, pobres e ricos, as ruas ficam cheias, filas se formam na frente dos prédios, os cidadaos participam do evento com vontade. Uma idéia que poderia ser imitada pelas prefeituras das cidades brasileiras. Abrir ao público para que ele possa conhecer uma pouco mais a história da cidade, em Sao Paulo por exemplo, poderiam ser abertos também alguns museus, o Masp, o de arte sacra, o museu de arte africana no Ibirapuera, o pátio do colégio, o museu do Ipiranga, o palácio do governo, a pinacoteca, o casa da marquesa de Santos, e também alguns outros prédios que nao sao históricos, mas que fazem parte do funcionamento da administracao da cidade como o prédio da prefeitura, a câmara dos deputados, e etc... De que outra forma pode-se despertar o amor do cidadao pela cidade em que ele vive senao fazendo-o conhecer seu patrimônio? Acho que serve até para educar o cidadao a respeitá-lo, algo necessário no Brasil.

(escrito de notebook com teclado sem cidilha e sem til)

17.9.10

"DISSONANTES"

Nos últimos dias corri muito, não fisicamente, mas intelectualmente. Estou muito mais ansioso que cansado, a correria foi necessária e inevitável para alguém que como eu não freqüenta o meio acadêmico e não entrava numa universidade há muitos anos. Estou correndo atrás de uma enorme defasagem, e confesso meus 48 anos também são um elemento que eu não posso deixar de mencionar como agravante nesse processo de re inclusão na vida universitária. Sinto uma felicidade imensa e só agora começo a tomar consciência da virada de vida que estou mais uma vez fazendo. Meu orientador aqui será um professor jovem, também escritor, e meu projeto de pesquisa será abrir uma discussão sobre como os acontecimentos sociais e os meios de comunicação (internet, blogs, sites,), mais a super exposição (às vezes provocada pelo próprio escritor) interferem na vida privada e na obra do escritor. Vamos ver o que vai dar.

Além de correr atrás dessa defasagem, esta semana reli meu último romance escrito entre 2005 e 2009, que eu não botava um olharzinho há algum tempo. Pois a boa notícia é que ele será publicado. Recebi um e-mail do meu editor, “Editora Mundo Editorial” que gostou dele e quer publicá-lo e nada pode me deixar mais feliz do que saber que outras pessoas terão acesso a ele. Vai sair da pasta do Word onde está salvo e ir para o mundo. Vai ser aceito ou não, amado ou odiado, criticado ou não, mas vai enfim se transformar num livro e ter vida própria. O nome por enquanto será mantido; “Dissonantes”. Então eu o reli, fiz algumas correções (não consegui me controlar) e acho que como acontece com todos os outros escritores antes de entregarem seus textos, encontrei um montão de coisas que talvez hoje eu escreveria de outra forma. Refleti bastante sobre isso e cheguei a conclusão de que devo deixá-lo exatamente como foi escrito. Em breve terei mais notícias sobre o “Dissonantes”.

Já encomendei internet/telefone/televisão para instalar no meu pequeno estúdio. As coisas são um pouco lentas aqui, mais do que no Brasil. Prometeram-me entregar em 15 dias e agora já são três semanas que estou esperando. Não adianta reclamar, nem mandar e-mail, a resposta é sempre a mesma, il faut attendre, il faut attendre. Escrevo de um cyber café, e percebo como eu também me tornei dependente dessas meios. Mas esses Cafés estão espalhados pela cidade e vão quebrando alguns galhos.

13.9.10

HOMENS E DEUSES E AS HISTÓRIAS QUE CONTAMOS

Fui assistir o último filme do diretor Xavier Beauvois, “Des hommes et des Dieux” que poderia ser traduzido para “Os homens e os Deuses” em português. O filme conta a história verdadeira de oito sacerdotes franceses que foram assassinados na Argélia na década de 90. O tema do filme ainda mexe muito com os franceses, as antigas colônias continuam ocupando um bom espaço dentro do imaginário da Grande Nation. Roteiro muito bem feito, a história é contada dentro do ritmo de vida dos sacerdotes, isto é, com muita calma, através do cotidiano deles o diretor nos faz conhecer a vida desses homens que se dividiam entre trabalhos junto aos moradores da cidade e o exercício da fé. Culturas e religiões que conviviam em paz, tinham uma relação de ajuda e respeito. Onde o Estado negligenciava suas obrigações os sacerdotes davam assistência à população local. Mais ou menos como acontece no Brasil, onde igrejas de todas as tendências ou o crime organizado assume o papel do Estado construindo quadras esportivas, creches ou implantando postos médicos em favelas ou bairros periféricos e conquista a população ignorada pelos governantes. Com a chegada dos radicais islamitas eles correm perigo, são ameaçados e são obrigados a pensar em deixar o país. Mas como deixar uma população pobre e carente de todos os recursos na mão? O sentimento de que o lugar deles era ali, ajudando o próximo, era muito forte, além disso, abandonar o mosteiro seria dar espaço ao radicalismo, fugir daquilo que haviam se proposto enquanto homens de fé. Optam por ficar e o resultado todo mundo sabe, foram assassinados e até hoje ninguém sabe como. O filme está levando um público muito grande as salas de cinema. Tem todas as qualidades para garantir um bom público, bons atores, bela fotografia, tensão, é realista e documenta sem ser didático, ou como se fosse ficção, e acho que essa última qualidade (contar uma história real como se ela fosse uma história inventada) é o segredo do filme. Cada vez mais custo a encontrar diferenças entre o que é real e o que é ficção. Vida real e vida inventada são uma única vida, a imaginação é o fermento das duas. Precisamos dos fatos para confirmar a veracidade da história, mas eles também podem ser inventados (não é o caso do filme). Então para mim tudo é história, não existe estória, somente história, que pode ser bem ou mal contada.

10.9.10

QUANTA GENTILEZA!


Passei a semana inteira correndo atrás dos preparativos para a inscrição pedagógica do mestrado na Sorbonne. Se você acha que os funcionários administrativos das universidades brasileiras e outros servidores são mal educados e te atendem como se você fosse um cachorro vira-latas fedido, você ainda não viu nada. Venha para cá e tente conversar normalmente com um funcionário das secretarias de atendimento aos alunos da Sorbonne nesses dias, eu nunca vi coisa igual. Nem nos balcões dos fóruns regionais da cidade de São Paulo fui tão mal atendido, e olha que a coisa pode ser muito ruim nas varas. Gente completamente sem educação, grosseiros, maldosos, tipos que te dão respostas irônicas ou constrangedoras e não tem a menor vontade de te atender. Todos, inclusive os alunos de nacionalidade francesa, sem distinção de nacionalidade, cor, religião, e o que mais você quiser, foram maltratados da mesma forma nos dias em que estive lá. Seria melhor se nem abrissem a porta de suas secretarias, afixassem as informações nos corredores da faculdade. O problema é que mesmo as informações afixadas são confusas e mal organizadas, você tem que pescar e juntar lé com cré se quiser entender alguma coisa. Nos dois dias que fui em busca de respostas para as minhas dúvidas sobre horários e nomes dos professores disponíveis, tive a impressão de que estava dentro de algum filme caseiro de pegadinhas exibidos em programas dominicais. Secretárias com idade suficientemente avançada para terem aprendido que um pouquinho de delicadeza pode gerar uma atmosfera menos estressante em dias tumultuados como esses, usam a palavra como balas de metralhadora, distribuem grosserias e reagem a qualquer pergunta como se você tivesse chamado a mãe delas de puta. São tão ridículas que beiram a caricatura. Em alguns momentos tinha até vontade de rir, tão absurdo era o constrangimento provocado. Bom, chega de falar sobre isso que já me incomodou o bastante. O lado positivo é que nos dois dias que fui lá encontrei jovens estudantes franceses muito prestativos e dispostos a ajudarem uns aos outros. Eles mesmos não entendem porque a coisa tem que funcionar dessa maneira. Dizem que é sempre assim no início de cada semestre letivo, um festival de grosserias. Tive sempre a sorte de poder contar com a ajuda deles. Bom, como castigo, segundo a novo pacote do Sarkozy, esses funcionários simpatissíssimos vão ter que trabalhar mais dois anos para poderem se aposentar. O problema é que esse castigo é extensivo aos que nada tem a ver com isso.
Por isso, essa semana não tive nada para contar, estava esgotado, passei por um teste duro de forças, quase um massacre psicológico. Vou pedir para um amigo me trazer essas fitinhas de pulso do Rio de Janeiro onde se pode ler “gentileza gera gentileza” e vou distribuir para as moças das secretarias.

6.9.10

OLHA A ONDA


No sábado logo que sai de casa notei uma movimentação diferente nas ruas. Viaturas policiais e ônibus fretados pela polícia estavam por toda parte. Perguntei a um amigo com quem fui tomar um café qual era a razão de todo aquele aparato policial e ele me contou que haveria manifestações contra as medidas xenofóbicas de Sarkozy. Comentei sobre essas medidas alguns posts atrás. Pela quantidade de policiais e tropas de choque dispostos em quase todas as esquinas por onde a manifestação passaria imaginei que centenas de milhares de pessoas sairiam as ruas para manifestar seu descontentamento com o governo, mas não, não vi quase nada e no jornal televisivo a notícia foi transmitida sem muitos comentários e os seguintes dados me chamaram atenção: entre 12 e 50 mil pessoas estavam presentes na manifestação. Eu não consigo imaginar um cálculo aproximado tão “desaproximado” como este. Como assim? Entre 12 e 50 mil pessoas há um universo de pessoas, se fosse entre 12 e 15 mil, ou 12 e 20 mil eu conseguiria entender, mas a margem de erro nesse caso é absurdamente elástica. De qualquer forma, 12 ou 50 é pouco, muito pouco.


Não tenho duvidas sobre o processo de idiotização o qual estamos sendo sistematicamente submetidos. Por falta de uma política de educação abrangente que iria desde a alfabetização até a discussão sobre conceitos morais e de ética necessários para uma convivência em sociedade, e pelo aproveitamento desse vazio transformado em terreno fértil para o cultivo do mundo das aparências pelas elites economicamente fortes. Poucas pessoas se atrevem a contradizer em alto e bom som o que vai sendo incorporado e aceito com naturalidade entre nós. Falo do culto hedonista irresponsável que está massacrando noções importantes e básicas que nos trouxeram até aqui e jogando conquistas históricas da humanidade no lixo. Algo que está acontecendo em todo o mundo. Falta de discussão, imediatismo, carência de maturidade política, desconhecimento de processos histórico bem como a supervalorização da economia em detrimento de todo o resto está nos corroendo por dentro e por fora. Quem se atreve a nadar contra a maré corre o risco de ser ironizado e descartado como um produto qualquer. Ninguém está interessado em ouvir opiniões diversas. A realidade pode ser múltipla, mas de todas as maneiras e em todas as formas ela só pode existir se baseada em experiências. Negar a importância da experiência que tem como pressuposto imprescindível o tempo para se realizar é negar a história da humanidade.

Nadar contra a maré requer uma boa dose de coragem e quixotismo. Experimentar o percurso para que? Se é possível adquiri-lo facilmente e ainda pagar em prestações suaves. Coragem e quixotismo é coisa para gente que gosta de sofrer, sentir na pele o sol a pino e o frio das noites de solidão, ah meu Deus, que perda de tempo. Sofrer? O que é isso? Você está louco? Passe na farmácia da esquina e compre uma fórmula contra esse mal. Que coisa antiga!

2.9.10

ÔH RAÇA!!!


Aos que conhecem o “Empalavrado”, não preciso explicar que esse é um espaço que uso para falar do que vejo ou do que estou sentindo. As vezes me atrevo a fazer algumas resenhas bem modéstas sobre filmes, exposições ou livros que leio, quase sempre dos que gosto, pois dos que não gosto prefiro não fazer comentários. Abri esse post assim para dizer que hoje não tenho muito o que contar para vocês. Ainda estou me mudando para o pequeno studio no Marais e a vida endureceu um pouquinho. Problemas com encanamento, pequenas instalações aqui e ali e tudo isso vai minando um pouco minha energia. Não tenho a menor paciência para isso, portanto espero os sujeitos chegarem fazendo um esforço danado para não mandar todos eles ao inferno. Não entendo de quase nada do trabalho deles e se querem saber, também não tenho a menor vontade de conhecer o mecanismo de uma caixa d’água de privada ou como montar as luzes que iluminam o espelho do banheiro. Cada macaco no seu galho e eu não vou pular para o deles. O problema é sempre o mesmo, e acho que internacional. Esperá-los chegarem na hora marcada. Tudo bem que atrasem um pouco, mas não agüento atrasos que ultrapassem quinze ou vinte minutos da hora marcada. Já não gosto de esperar, mesmo que seja algo que quero muito, imagine esperar um encanador mau humorado! E quando o sujeito chega e sem você dizer nada ele começa a se justificar com argumentos absurdos do tipo ainda não tirei minhas férias, estou cansado demais, ah não, não e não, não quero saber disso. Qualquer outra desculpa esfarrapada teria me acalmado, mesmo sabendo que é mentira do que ainda não tirei minhas férias ou estou cansado. O que eu tenho a ver com isso? Então por que aceitou o trabalho? Por que não usou o celular para avisar que chegaria atrasado? Preferia que me contassem mentiras como as que contávamos na escola quando éramos adolescentes, como “minha avó passou mal e eu tive que levá-la ao hospital” ou “minha mãe se acidentou”, qualquer mentira menos me dizer que ainda não tirou férias. Então tire! Vá para onde quiser e deixe outro fazer o que deve ser feito em seu lugar. Deu para entender o estado de meu humor? Então está bem. Vocês também não tem nada a ver com isso, mas eu precisava me desabafar com alguém. E não é que isso rendeu um post!