29.11.10

AMARELINHA

Para começar esse post escrevendo as palavras que vocês estão lendo agora, escrevi e deletei pelo menos uma dezena de frases. Queria falar sobre a dificuldade que é construir uma relação de intimidade com as pessoas que acreditamos mais próximas. Todas as vezes que comecei a escrever achei que minhas palavras “soavam” de alguma maneira inadequadas. Difícil. Mas vou tentar. Porque hoje estou precisando dizer o que venho pensando desde que cheguei aqui e me distanciei geográfica e fisicamente das pessoas que amo. Intimidade não tem nada a ver com consangüinidade. Não é porque somos irmãos, primos, tios que somos automaticamente íntimos. Intimidade se constrói. E é difícil e delicada essa construção. A imagem de uma pirâmide de cartas que qualquer ventinho pode botar no chão me vem a cabeça. Depois de colocar a última carta ainda falta uma proteção de vidro. Talvez até por isso nos tornamos muito mais facilmente íntimos de pessoas que não tem nada a ver com a nossa família. Porque nos obrigamos a reinventar delicadezas para acessá-las. Por outro lado, a gente tem a impressão de que já conhece tudo sobre alguém que cresceu do nosso lado, e que isso é o suficiente para nos sentirmos íntimos. Mas não é assim que as coisas funcionam. Nesse caso tudo é muito mais complicado. A gente precisa se mostrar disponível e querer. Sobretudo a gente tem que querer. E quando a gente quer a gente se aproxima, se mostra, se expõe, demonstra que quer ser próximo, que está se mostrando porque apesar (é isso, escrevi apesar) dos laços sanguíneos você quer trocar confidencias com essa pessoa, dizer como se sente, porque sente tal sentimento, e quer saber o que a outra pessoa pensa e sente, e quer dar e ouvir opiniões, mesmo que contrárias as suas e quer discutir detalhes e ouvir, sobretudo você quer ouvir. E como são importantes nessa hora as opiniões contrárias as suas! Mas é difícil, reconheço. Porque o problema é reconhecer esse sentimento no/a outro/a, e lógico, o/a outro/a também tem que reconhecer isso em você. Os sinais tem que ser claros. Fumaça branca para mostrar que há consenso e que uma decisão interna foi tomada antes disso. Quando é que funciona? Não tem receita pronta, não é como fazer bolo de caixinha de supermercado. O que sei é que as pessoas têm que estar dispostas a construir a tal da pirâmide de cartas juntas, alternando a vez, entender intuitiva e racionalmente o funcionamento dessa construção e depois não esquecer da proteção de vidro. Ora sou eu quem coloca mais uma carta, ora é você quem vai apoiar mais uma sobre a última camada de cartas da pirâmide. Difícil. Mas se tiver vontade dá, e se souber rir quando um dos dois deixá-la desabar com o único propósito de recomeçar a montar a pirâmide, melhor ainda.

Cavar, cavar e cavar e quando encontrar as raízes, arrancá-las.
Deixá-las soltas no ar.
Como árvores que possuem raízes aéreas,
Tubos aspiradores de oxigênio.

25.11.10

DA SÉRIE FELICIDADES QUE CUSTAM 1 EURO

Escritor sempre foi duro. Escrever e ganhar dinheiro nunca deu muito certo. A maioria dos escritores sobrevive às custas de trabalhos paralelos, ou tem a sorte de encontrar alguém que acredita em seus trabalhos e os financia, pode ser a mulher, a mãe, o companheiro ou uma amiga anjo da guarda (como eu tenho a sorte de ter, vou mantê-la no anonimato e rezo por ela todos os dias). Na verdade esses sujeitos continuam escritores por teimosia, exercem seus ofícios silenciosamente, escrevem nas horas que lhes restam livres, são mal vistos pelos familiares e amigos, chamados pelas costas de preguiçosos ou fracos por não abandonarem a carreira (sem futuro) e se juntarem aos outros bilhões de mortais que têm um trabalho considerado normal, enfim, um martírio em vida sem nenhuma garantia de que um dia reverterão a situação e poderão de alguma forma retribuir um pouco do que receberam as poucas pessoas de bem que acreditraram neles. No Brasil vão quando muito vender 3.000 exemplares, ou um pouco mais, e viver das migalhas que as editoras vão lhes pagar. Ou quando estiverem bem velhinhos vão ganhar algum prêmio literário que vai dar para no máximo trocar de carro ou cobrir o saldo negativo do banco. Uma pobreza. País sem leitores, país sem escritores, quanto menos educação a criança brasileira receber mais difícil será a vida do escritor no Brasil.

Estou lendo um livro (mais um que paguei apenas 1 euro) que narra as histórias de dificuldades dos escritores. O livro abre sempre o capítulo que vai falar de tal escritor com uma introdução que informa o leitor a respeito de sua vida e depois transcreve a troca de correspondência entre ele e o seu editor. Não preciso dizer que elas são recheadas de pedidos de empréstimos e brigas por causa de dinheiro ou picaretagem de ambas as partes. Algumas delas são muito divertidas. Como as de Balzac que começam educadíssimas e acabam em trocas de acusações e numa lavação de roupa suja sensacional. Balzac que também foi editor entre outras atividades que exerceu, acabou em dificuldades financeiras e passou a cobrar seus débitos juntos aos editores. Outras rabiscam um pouco a imagem dos personagens. É o caso da história do Flaubert que já no final de sua vida faz de tudo para que um de seus amigos, Louis Bouilhet (já morto), fosse editado. Seu editor, Michel Levy, que acreditou mais do que ninguém em Flaubert e publicou dois de seus livros sem mesmo tê-los lido, fez de tudo para tirá-lo da idéia. Sabia que o cara não era bom, mas Flaubert era teimoso e briguento, insistiu tanto que o editor acabou cedendo. Lógico que Flaubert pediu um adiantamento para organizar a coletânea de poemas do amigo. E não é que ele enfiou centenas de páginas brancas para “inchar” o livro de poesias e receber mais dinheiro do que deveria?

Por último estão as correspondências trocadas entre André Gide e Marcel Proust. São antes de tudo emocionantes. Por tudo. Pelas circunstâncias e pelo humanismo dos dois escritores. E uma janela que se abre nos mostrando a trama mental de Proust, o manuseio das palavras, a desenvoltura de sua inteligência expressada através da exposição de suas emoções. Gide na época era editor de uma revista chamada La Nouvelle Revue Française que depois acabou se fundindo com o editor Gaston Gallimard e hoje é a editora Gallimard. Estamos em 1912 e Proust manda seus originais para eles avaliarem. Gide e seus colaboradores na época consideram Proust um cara esnobe e mundano por causa de suas opiniões como colaborador do jornal Figaro, e rejeitam a edição. Proust ao contrário, acredita em seu livro, e o publica apesar da negativa, pagando do próprio bolso a edição pela editora Grasset em 1913. Um belo dia o livro já publicado cai nas mãos de André Gide e esse percebe o erro que cometeu. Sente uma culpa do tamanho daquelas que nós escritores jogamos como praga a todos os editores que nos lêem e nos rejeitam. Envia uma carta ao Proust confessando que apenas folheou superficilamente o livro, e o esnobou. Pede desculpas e faz um mea culpa honesto e emocionante. A resposta de Proust é de uma delicadeza inenarrável. Nela Proust escreve que algumas alegrias são muito mais intensas quando vem a posteriore, como a que ele sente enquanto lê a confissão na carta de Gide. Diz ainda que Gide lhe proporcionou mil vezes mais prazer do que a tristeza que ele o fez sentir quando seus originais foram rejeitados. Há toda uma série de cartas trocadas entre os dois, e daquele momento em diante Gide faz de tudo para trazer Proust para sua editora e consegue. Eles se tornam amigos. Em 1918 Proust recebe o prêmio Goncourt pelo livro “A sombra das raparigas em flôr” já pela editora Gallimard e mesmo depois de sua morte mais dois livros seus são editados pela mesma editora.

22.11.10

QUEM ESCOLHE QUEM


Ao vasculhar as bancas de um pequeno sebo próximo a Sorbonne, encontrei um pequeno livro intitulado “Petits écrits français” (Pequenos escritos/textos franceses) que como o próprio texto diz, traz alguns textos, anotações e também algumas cartas trocadas entre Schopenhauer e seu amigo de infância Anthime Gregoire de Blésimaire. A história é a seguinte: Anthime era filho de um amigo do pai de Schopenhauer, e esse último resolveu enviar o filho a Havre para que o mesmo passasse uma temporada (dois anos 1797-1799) e fosse educado nos moldes burgueses da época. O pai de Schopenhauer esperava assim que o filho seguisse sua profissão de comerciante. “Meu filho deve ler os grandes livros do mundo” ele disse esperando que no futuro o filho realizasse seu sonho. Mas como todo mundo hoje sabe o filho preferiu ser filósofo a ser caixeiro viajante. Encontrei o livro por acaso e paguei apenas 1 euro quando ia a pé para a universidade. Atravessei a ponte de Sully, passei pelo instituto do mundo árabe e vi o sebo do outro lado da rua antes de chegar a rue Monge. Fazia um frio danado, mas não resisti e parei para fuçar os livros. Depois como de costume entrei no Café Vert para esperar Luca, um amigo que faz o curso comigo antes de irmos para a aula. Comecei a ler o livro no Café e só parei no fim da aula sobre a crítica da consciência. Não consegui me controlar tamanho prazer que a leitura me proporcionou. Schopenhauer foi mais forte que Poulet e sua escola de Geneva, tema da aula que eu deveria ter prestado atenção hoje. Que delícia, o tempo passou e eu nem percebi. Entre outras cartas, o livro traz uma que foi enviada a um editor francês chamado Aubert de Vitry, na qual ele se oferece para fazer as revisões das obras de Goethe que foi seu amigo íntimo. Sua humildade e delicadeza no "manuseio" das palavras, e também sua segurança em afirmar que ninguém mais além dele seria capaz de revisar Goethe são de emocionar. O editor, apesar de todas as apresentações e referencias a seu nome, na época já um homem conhecido e publicado, o ignorou. É isso. Paris tem dessas coisas, sebos onde os livros parecem estar esperando por você. Dia cinza, frio, sua moral está murcha como uma ameixa e o livro sente isso no momento em que bate o olho em você. Você pega o bichinho, vira de um lado, do outro, abre para ver se está em bom estado. Nem percebe que ele entrou na sua mente e sussurrou “me compra, me compra”. Pensa que é livre para escolher e acaba comprando. Então começa a ler a primeira página e pronto, a vida sorri para você novamente.

21.11.10

INSUSTENTÁVEL LEVEZA


Durante a semana várias vezes refleti sobre um sentimento que vem ocupando um espaço cada vez maior em mim. O desacreditamento. Tenho desacreditado progressivamente. Os motivos que vêm dando força a esse sentimento eu não saberia traduzir em palavras. Desconfio que eles têm a ver com envelhecer. Envelhecer num sentido mais literal, quero dizer, do tempo que passa e que me obriga a aceitar as coisas mais como elas são e menos como gostaria que fossem, assim como a mim mesmo como sou. O cansaço também pode ter contribuido. Talvez. De uns tempos para cá venho desligando os cabos que me conectam a tubos geradores de esperança e de esperanças alheias. Leia-se aí também a esperança que não é a minha, que gostariam que eu compartilhasse e que ao me mostrar desinteressado sou visto como um caso perdido. Fui de repente dizendo não e arrancando os fios conectores. Meu corpo e minha mente começaram a exigir de mim mesmo uma postura mais alinhada ao homem que penso ser. Ter que acreditar é uma atividade exaustiva. Não vou mais me esforçar. É isso. E pela primeira vez parece que não vou sentir dor, nenhuma até agora. Nem depressão. Nem tristeza. Nem a descrença foi originada por algum tipo de revolta. Não estou me rebelando. Ao contrário, estou me aliviando. A descrença é leve como uma pluma que cai lentamente do 15 andar. E me parece muito mais saudável. De qualquer forma, respiro melhor, caminho com mais desenvoltura, falo com as pessoas não esperando que elas me digam nada, aliás, não espero mais nada. Não espero e não me surpreendo. E não me amedronto com o isolamento decorrente dessa descrença. Não compartilho a idéia de que tudo é relativo e depende do ponto de vista de cada um. Quero dizer que não resolvi acometer-me por essa descrença. Ao contrário, ela esteve sempre presente, eu apenas passei a aceitá-la. Deve ser mais ou menos isso. Também não tenho mais vontade de analisar-me. Nem acho que é só uma fase e que ela passará. Digamos que a partir de agora começo a me sentir um homem melhor simplesmente porque acredito menos.

17.11.10

LÍNGUAS

Em junho quando cheguei aqui o Sarkozy tinha a aprovação de um pouco mais de 40% por cento dos franceses, hoje li no Le Monde que apenas 21% ainda aprovam seu governo, do jeito que vai até o natal a única pessoa que (talvez) ainda goste dele será a Carla Bruni.

Depois de reformar o seu ministério, uma reforma de araque, ele manteve quase todas as peças e também o primeiro ministro François Fillon, que é uma espécie de cão de guarda que pode morder o próprio dono a qualquer momento. É seu maior concorrente, e segundo a mesma pesquisa está com 71% de aprovação.

Dizem as más línguas (98 % delas) que os dois se amam tanto quanto se odeiam, e travam uma luta de egos impressionante.

Ontem para concorrer com a chatice que é o programa eleitoral obrigatório brasileiro, Sarkozi deu uma entrevista de 1 hora e 30 minutos na tv. Falou, falou, falou, e não falou nada. Aliás, é um excelente advogado em causa própria, falou de si mesmo e das mudanças necessárias que o governo francês pretende fazer para melhorar a situação econômica e social do país, mas esqueceu de dizer como vai fazer.

O problema é que a esquerda daqui também fala o tempo todo o que deve ser feito mas não diz como e com quais recursos. De retórica a esquerda sempre foi boa. O Partido Socialista francês deveria levantar as mãos para o céu e agradecer ao Sarkozi por já ter feito a reforma dos aposentados. Evitou um confronto com os sindicatos onde estão seus eleitores. Um abacaxi desse tamanho que já foi descascado e que a esquerda economizou. O desgaste todo recaiu nas costas do Monsieur Bruni. Se nas próximas eleições o PS conseguir convencer os franceses de que pode governar melhor, o Abacaxi será menos azedo. Uma nova reforma deverá ser feita daqui a 10 anos, porque segundo outras línguas, menos más e mais qualificadas (os 2% restantes), essa só resolve as coisas até 2020.

14.11.10

UM POST BIEN PETIT E UM DE INDIGNAÇÃO

Não postei nos últimos dias porque me faltou tempo. Estou escrevendo meu quarto romance (o lançamento do terceiro, “Dissonantes”, está previsto para o primeiro trimestre do ano que vem) e me dediquei a ele. Além disso estou tendo que ler muito para poder concluir os trabalhos da universidade, meu tempo ficou bastante reduzido. No sábado saí de casa depois das onze da noite para tomar alguma coisa e acabei numa sala de cinema na sessão da madrugada. Assisti “O homem que queria viver sua vida” (título que traduzo livremente do original que é L’homme qui voulait vivre sa vie) e gostei muito. A história de um homem que visto de fora tem tudo para se considerar um homem feliz e satisfeito, mas que contra sua vontade é obrigado a mudar totalmente o rumo de sua vida. Não conhecia o diretor (Eric Lartigau) nem os atores, com exceção a Catharine Deneuve que faz uma ponta no filme. Agora a noite revi “Os amantes da Pont Neuf” que não me suscitou as mesmas emoções das outras vezes que o assisti. Tem cenas inesquecíveis, mas hoje especialmente eu estava imune aos seus apelos.

Meu plano tv/internet/fone me dá direito a centenas de canais de tv. Zapeando encontrei até dois canais da tv armênia. Assisti a um programa com os meus conterrâneos sanguíneos tentando entender alguma coisa do que falavam, consegui compreender uma ou outra palavra e ainda tive a sensação estranha de que qualquer um daqueles seres parecidos fisicamente comigo poderia ser meu tio ou tia. Mais tarde zapeando descobri que posso ver gratuitamente o canal de sport pay per view do Brasil. E mais, assisti ao jogo do Corinthians contra o Cruzeiro e não tenho dúvidas de que o zagueiro cruzeirense cometeu pênalte no Ronaldo. O jornalista que "irradiava" o jogo disse que foi no máximo imprudência, ora, ora, que asneira, por imprudência muita gente já matou e morreu. Depois completou com mais uma bobagem, " repare que ele estava até com os olhos fechados quando foi na bola" argumento ainda pior, que demonstra que de futebol o sujeito deveria entender um pouco mais para fazer comentários num canal que se diz especialista em futebol. O zagueiro deveria ter ido na bola com os olhos abertos para tentar atingir a bola e não o atacante, se trombou com Ronaldo foi para evitar que ele dominasse a bola e chutasse ao gol, então indubitavelmente foi pênalte. Fica aí meu registro, cruzeirenses voces tem time para ganhar de qualquer um e jogaram bem, mas o risco de tomar um gol faz parte do jogo aceitem a derrota como parte do jogo e parem de ver armação no resultado. Roger, aquele que já passou por metado dos clubes do Brasil (inclusive pelo Corinthians) com seu chinelinho e agasalho de semi aposentado, não tem autoridade moral nenhuma para fazer críticas, vide sua postura antiprofissional internacionalmente conhecida (chutou fora propositalmente um pênalte e com isso provocou a saída do Passarela então técnico do Corinthians).

9.11.10

HOUELLEBECQ E AS CARTAS NA MANGA


O prêmio Goncourt 2010 (o maior prêmio literário da França) desse ano premiou meu candidato. Torcia por Michel Houellebecq e seu livro “A carta e o território” por vários motivos, entre eles, porque ele é um escritor diferente dos escritores contemporâneos franceses, é ágil, provocador, inteligente, corajoso para contradizer o “establishment” e um grande cronista de nossa época. É um escritor midiático como o acusam? Sim, é, mas nem por isso sem estofo ou conteúdo, mesmo que você não concorde com suas opiniões, ele te leva a refletir sobre o que falou, e por isso mesmo é odiado por muito intelectual integrado a esse “establishment” que não quer ver suas crenças sendo questionadas. Critica esquerda e direita, tenta desmitificar 68 mostrando que muitas das idéias não funcionaram na prática e etc. São dez os participantes da academia que elegem o premiado, oito deles votaram a favor e dois contra. Um dos que votaram contra é o escritor Tahar Bem Jelloun que eu conheço pessoalmente, também um escritor premiado com o Goncourt em outra época. Dois dias antes da premiação encontrei com ele em um jantar na casa de um amigo. Tahar deu uma entrevista ao jornal italiano La Republica no verão passado criticando Houellebecq abertamente e o desqualificando como escritor. Perguntei pessoalmente porque ele não gosta do que o Houellebecq escreve e a resposta que recebi não foi convincente. Tahar acusa Houellebecq de não ser um bom escritor e de construir polêmicas para provocar a atenção da mídia. Em seguida me perguntou se eu li o que ele escreveu sobre Picasso no último livro. Sim eu li, (ele diz apenas Picasso c’est laid”/ Picasso é feio/estéticamente) e não me incomodei. Primeiro porque não gosto de ver nenhum artista como um deus que esteja acima do bem e do mal e que não possa ser criticado. Mesmo que ele se chame Picasso ou Michelangelo, Camus ou Proust. Depois porque dentro do contexto do livro e do histórico de vida do personagem (Jed Martin, um artista plástico que se transforma no artista mais bem pago do mundo rapidamente, cujo valor de venda das obras ultrapassa o de Jeff Koons e Damien Hirst) , banalizar a obra de Picasso faz parte do perfil dado a Jed Martin e da proposta do escritor que acredito, teria sido banalizar o que é consenso no mundo intelectual e por outro lado supervalorizar o que é banal e não tem valor. No Brasil a Cia das Letras editou “Partículas Elementares” livro que chamou a atenção da crítica e que o fez ficar conhecido. Imagine se um sujeito com cara de deprimido, pesado, que fuma sem parar segurando o cigarro entre os dedos médio e anelar, fazendo afirmações bombásticas do tipo “sempre considerei as feministas amáveis e idiotas” ou “de todas as religiões a mais estúpida é o islam”, vai ser unanimidade num país orgulhoso de suas “verdades” inquestionáveis? Resumindo, gostei da premiação não apenas pela qualidade dos seus textos, mas também porque acho que o mundo atual precisa de escritores que tem coragem de falar o que pensam e de questionar o leitor (de uma forma nao placativa e engajada como ele faz), mesmo que talvez essa característica de sua personalidade atraia a mídia e sirva para chamar a atenção para si. Ou que ajude a vender seus livros.

6.11.10

MENOS

Já são mais de quatro meses que estou morando aqui. O tempo impõe um cotidiano, o que não deixa de ser saudável, mas apesar dele a cidade e sua paisagem mutante não deixam de me surpreender. Logo cedo quando ia a pé para a universidade e atravessava a Pont de Sully, o sol começava despontar e iluminou as costas da Notre Dame e o pequeno parque anexo. Da ponte a imagem era tão bela que agora ao tentar descrevê-la me dou conta da impossibilidade. Poderia escrever sobre a coloração das árvores e das trepadeiras avermelhadas que se agarram aos muros que margeiam o Sena entre a Ile de St Louis e o lado esquerdo da cidade, mas se for um pouco além na descrição da imagem, vou me perder na cafonice. Não sei montar um power point e nem quero. E acho que estou cansando de falar sobre o que sinto. Estou me calando.

Como descrever emoções sem babar? Difícil. Alguns autores conseguem, é o caso de Proust, Mann, Hustvedt, muitos fotógrafos conseguem, mas também os pintores podem se perder ao tentarem passar para as telas o que sentem. Pensei nisso enquanto tentava me desviar das centenas de pessoas e me aproximar das telas de Monet no Grand Palais. Antes uma pergunta. Por que? Por que existe tanta gente no mundo, e quase toda essa gente quer ver a exposição na mesma hora em que eu estou lá? Antes de me acusar de egoísta já vou avisando que não estou nem aí, queria o Grand Palais só para mim ou quase, como quando estive lá há mais de dez anos para ver a exposição de Delacroix e só encontrei alguns gatos pingados menos mal educados. Mas porque é Monet e a representação em tela de seu jardinzinho colorido toda a cafonalha do mundo se reúne com seus celulares equipados com máquinas fotográficas para registrar que passaram por lá. Lembre-se de como é ter que passar pelo pedágio nos feriados, ou ainda das filas de supermercados de Ubatuba ou Guarujento nesses dias, das praias lotadas, dos sujeitos segurando as latinhas de cerveja enquanto escutam o último funk da cachorra no volume máximo dos auto-falantes dos seus possantes ou dos mauricinhos e suas patricinhas andando de mãos dadas na orla da praia. É mais ou menos assim. Vou ter que voltar, ou me esconder no banheiro do museu e passar a noite dentro dele. De qualquer maneira, voltando a descrição das emoções, mesmo depois de quase morrer esmagado pelos visitantes da exposição, restam ainda algumas dentro do meu coração. São poucas, e miúdas, mas melhor assim. Muito Monet junto pode começar a cheirar a caramelo, é bom de ver, mas em doses excessivas pode fazer mal ao fígado. O excesso na descrição é o veneno. Mas como saber o que é excesso e o que não é enquanto agente descritivo? Numa situação em que estiver por alguma razão se sentindo cheio de emoção, escreva o que está sentindo e depois leia em voz alta e de preferência em frente a um espelho, se você se achar ridículo é porque é ridículo mesmo, não duvide de sua intuição. Rasgue ou apague tudo o que escreveu e esqueça. Emoção é coisa para amador, fica na superfície, é a espuma do sabonete, já o sentimento é o próprio sabonete.

2.11.10

AMORES IMAGINÁRIOS

Para que um triangulo amoroso se realize é preciso que as três pessoas estejam envolvidas na “trelação”. Quando um dos três é o objeto de desejo mas não participa, então o triangulo não se concretiza. E quando dois estão apaixonados por aquele um que não passa de um hedonista desgraçado que adora ser adulado o tempo inteiro, então o triângulo não fecha. Triângulo ou não, quem não conhece um sujeito que tem como passa tempo fazer de tudo para todo mundo adorá-lo, e que não quer nada além do prazer de se sentir adorado. Saí da sala de cinema onde fui assistir “Amores imaginários” o novo filme de Xavier Dolan reafirmando meu desprezo por sedutores do mesmo naipe do Nicolas. Sedutor que vai até as últimas conseqüências e gosta de dividir o prazer eu gosto, mas os mais comuns do tipo desse Nicolas eu não quero nem passar perto. Não vou contar a história do filme, mas dizer que mesmo tendo lido críticas ruins, eu gostei bastante do novo filme desse canadense de ainda 23 anos, diretor e roteirista do “Eu matei minha mãe” que assisti ano passado (falei sobre o filme aqui no blog). Dolan é talentoso, além de diretor e roteirista é também ator e uma das vértices do triângulo. Divertido, sem frescuras, sensível, direto, debochado, assumido, competente e com um senso de humor refinado. Mesmo que em alguns momentos uma pitada de mundo vintage-modinha-musiquinha-indy tempere o filme, a qualidade da obra não sofre com os exageros. Uma comédia dramática bem feita. Uma das coisas que pensei durante o filme é que ele está procurando um caminho. Está crescendo como cineasta e buscando uma linguagem própria. A desse filme é totalmente diferente da do primeiro, e acho que ele assistiu bastante Woody Allen e Almodóvar, porque o filme é um cruzamento dos dois (mesmo que ainda em gestação). Agora que você já parou de alfinetar as bonequinhas de pano com a cara da Dilma e/ou do Serra, vai sobrar tempo para ir ao cinema. Recomendo.