25.11.10

DA SÉRIE FELICIDADES QUE CUSTAM 1 EURO

Escritor sempre foi duro. Escrever e ganhar dinheiro nunca deu muito certo. A maioria dos escritores sobrevive às custas de trabalhos paralelos, ou tem a sorte de encontrar alguém que acredita em seus trabalhos e os financia, pode ser a mulher, a mãe, o companheiro ou uma amiga anjo da guarda (como eu tenho a sorte de ter, vou mantê-la no anonimato e rezo por ela todos os dias). Na verdade esses sujeitos continuam escritores por teimosia, exercem seus ofícios silenciosamente, escrevem nas horas que lhes restam livres, são mal vistos pelos familiares e amigos, chamados pelas costas de preguiçosos ou fracos por não abandonarem a carreira (sem futuro) e se juntarem aos outros bilhões de mortais que têm um trabalho considerado normal, enfim, um martírio em vida sem nenhuma garantia de que um dia reverterão a situação e poderão de alguma forma retribuir um pouco do que receberam as poucas pessoas de bem que acreditraram neles. No Brasil vão quando muito vender 3.000 exemplares, ou um pouco mais, e viver das migalhas que as editoras vão lhes pagar. Ou quando estiverem bem velhinhos vão ganhar algum prêmio literário que vai dar para no máximo trocar de carro ou cobrir o saldo negativo do banco. Uma pobreza. País sem leitores, país sem escritores, quanto menos educação a criança brasileira receber mais difícil será a vida do escritor no Brasil.

Estou lendo um livro (mais um que paguei apenas 1 euro) que narra as histórias de dificuldades dos escritores. O livro abre sempre o capítulo que vai falar de tal escritor com uma introdução que informa o leitor a respeito de sua vida e depois transcreve a troca de correspondência entre ele e o seu editor. Não preciso dizer que elas são recheadas de pedidos de empréstimos e brigas por causa de dinheiro ou picaretagem de ambas as partes. Algumas delas são muito divertidas. Como as de Balzac que começam educadíssimas e acabam em trocas de acusações e numa lavação de roupa suja sensacional. Balzac que também foi editor entre outras atividades que exerceu, acabou em dificuldades financeiras e passou a cobrar seus débitos juntos aos editores. Outras rabiscam um pouco a imagem dos personagens. É o caso da história do Flaubert que já no final de sua vida faz de tudo para que um de seus amigos, Louis Bouilhet (já morto), fosse editado. Seu editor, Michel Levy, que acreditou mais do que ninguém em Flaubert e publicou dois de seus livros sem mesmo tê-los lido, fez de tudo para tirá-lo da idéia. Sabia que o cara não era bom, mas Flaubert era teimoso e briguento, insistiu tanto que o editor acabou cedendo. Lógico que Flaubert pediu um adiantamento para organizar a coletânea de poemas do amigo. E não é que ele enfiou centenas de páginas brancas para “inchar” o livro de poesias e receber mais dinheiro do que deveria?

Por último estão as correspondências trocadas entre André Gide e Marcel Proust. São antes de tudo emocionantes. Por tudo. Pelas circunstâncias e pelo humanismo dos dois escritores. E uma janela que se abre nos mostrando a trama mental de Proust, o manuseio das palavras, a desenvoltura de sua inteligência expressada através da exposição de suas emoções. Gide na época era editor de uma revista chamada La Nouvelle Revue Française que depois acabou se fundindo com o editor Gaston Gallimard e hoje é a editora Gallimard. Estamos em 1912 e Proust manda seus originais para eles avaliarem. Gide e seus colaboradores na época consideram Proust um cara esnobe e mundano por causa de suas opiniões como colaborador do jornal Figaro, e rejeitam a edição. Proust ao contrário, acredita em seu livro, e o publica apesar da negativa, pagando do próprio bolso a edição pela editora Grasset em 1913. Um belo dia o livro já publicado cai nas mãos de André Gide e esse percebe o erro que cometeu. Sente uma culpa do tamanho daquelas que nós escritores jogamos como praga a todos os editores que nos lêem e nos rejeitam. Envia uma carta ao Proust confessando que apenas folheou superficilamente o livro, e o esnobou. Pede desculpas e faz um mea culpa honesto e emocionante. A resposta de Proust é de uma delicadeza inenarrável. Nela Proust escreve que algumas alegrias são muito mais intensas quando vem a posteriore, como a que ele sente enquanto lê a confissão na carta de Gide. Diz ainda que Gide lhe proporcionou mil vezes mais prazer do que a tristeza que ele o fez sentir quando seus originais foram rejeitados. Há toda uma série de cartas trocadas entre os dois, e daquele momento em diante Gide faz de tudo para trazer Proust para sua editora e consegue. Eles se tornam amigos. Em 1918 Proust recebe o prêmio Goncourt pelo livro “A sombra das raparigas em flôr” já pela editora Gallimard e mesmo depois de sua morte mais dois livros seus são editados pela mesma editora.

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