11.9.09

RETRATO EM PRETO E BRANCO

Transcrevo uma reflexão feita pelo personagem do Somerset Maugham do livro “O Destino de um Homem” sobre a vida do escritor.

“É um vida cheia de contratempos. Para começar ele deve sofrer a pobreza e a indiferença do mundo; depois, tendo conquistado uma parcela de sucesso, tem de se submeter sem protesto aos seus riscos. Depende de um público inconstante. Está à mercê de jornalistas que querem entrevistá-lo; de fotógrafos que querem tirar-lhe o retrato; de diretores de revistas que o atormentam pedindo matéria, de cobradores de impostos, de pessoas gradas que o convidam para almoçar, de secretários de instituições que o convidam para fazer conferências, de mulheres que o querem para marido e de mulheres que querem se divorciar dele, de jovens que lhe pedem autógrafos, de atores que desejam papéis e estranhos que pedem empréstimos; de senhoras sentimentais que lhe solicitam a opinião sobre assuntos matrimoniais, de rapazes graves que querem opinião sobre suas composições, de agentes, de editores, empresários, chatos, admiradores, críticos, e da própria consciência. Mas existe uma compensação. Sempre que tiver alguma coisa no espírito, seja uma reflexão torturante, a dor pela morte de um amigo, o amor não correspondido, o orgulho ferido, o ressentimento pela falsidade de alguém que lhe devia ser grato, enfim, qualquer emoção ou qualquer idéia obcecante, basta-lhe reduzi-la a preto-e-branco, usando-a como assunto de uma história ou enfeite de um ensaio, para esquecê-la de todo. Ele é o único homem livre.”

É isso. E tem uma passagem em que outra personagem diz que escritores são uma gente gozada. Ela descobre trechos da traição que cometeu contra o marido no romance escrito por ele. O marido/escritor relata a infidelidade da mulher no seu romance que depois se torna um dos seus livros mais vendidos. Interessante. Acrescento a tudo isso que ele falou sobre escritores, que escritores são também a esponja do meio onde vivem. Absorvem, filtram tudo com aparente indiferença, mas estão trazendo tudo para dentro de si. Se não for assim, não tem como transformar as percepções em palavras.

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