Nos últimos cinco dias não saí de casa. Peguei uma gripe muito forte e não tive condições de fazer nada nem disposição física. Quando acordava dos meus pesadelos, uma seqüência enorme deles, acho que provocada pelos remédios e descongestionantes, sentava para escrever meu quarto romance, ainda sem título. Nevou muito ontem de manhã, mas a neve não resistiu a chuva fria que veio logo em seguida e derreteu. Tive como trilha sonora, o Quarteto de cordas de Budapest executando Beethoven que encontrei por 8 euros a caixa completa num sebo da Rue Vaugirard. Ouvi esses cds exaustivamente e escrevi também exaustivamente. Em alguns momentos me pergunto por que insisto em fazer isso. Passar horas em frente ao computador escrevendo e sofrendo para dar sentido a uma história que só interessa a mim mesmo, sem falar no cansaço físico, na dor nas costas e na congestão intestinal por passar horas sentado nessa porcaria de cadeira. Devo ter tendências masoquistas. Acho que escrevo para não enlouquecer. Ou já devo estar louco e ainda não me dei conta. Mas desconfio que escrevo para não enlouquecer, porque não saberia o que fazer com um monte de coisas e assuntos que não me interessam, e quatro montes ainda maiores de pessoas que me interessam ainda menos. Prefiro assim. Não tenho medo da solidão. Outro dia, enquanto dialogava com os meus botões, conclui que não conheço outra forma de sociabilizar com as pessoas a não ser pelo distanciamento. Quando me distancio é quando mais me sinto próximo delas. E Deus não vai me castigar por isso. Minha produção literária se faz a conta gotas, esse é o meu maior castigo. E eu tenho o péssimo costume de me maltratar. As vezes tenho a impressão de que faço de tudo para procrastinar minha escrita. Não sei fazer de outro modo, ou não tenho alternativa. Não sei. O que sei é que gostaria de ter conhecido Beethoven. Eu lhe beijaria as mãos e sussurraria em seu ouvido toda a minha gratidão. O quarteto para cordas número 131 em dó menor é mais um exemplo da genialidade desse sujeito forte e sensível. Depois desses cinco dias eu o conheço de cor e só não saio assobiando porque não teria fôlego para acompanhar os acordes ininterruptos e longos. Dormi com o adágio do primeiro movimento, acordei com ele, escrevi com ele e chorei com ele. E o quarteto de Budapest o interpreta magistralmente (uma expressão que devo estar plagiando de algum crítico besta, mas sinceramente, não tenho outras palavras para dizer o que quero dizer). Ainda estou me recuperando da minha gripe infernal. Voltei para o limbo, daqui a pouco volto para o cotidiano. E enquanto escrevo esse post ouço mais uma vez o quarteto para cordas 131. É assim que as coisas devem ser. É assim que eu gosto de perceber e absorver a vida: através da pele. O resto é shopping center, supermercado.
5.12.10
ANTICONGESTIONANTE E 131
Nos últimos cinco dias não saí de casa. Peguei uma gripe muito forte e não tive condições de fazer nada nem disposição física. Quando acordava dos meus pesadelos, uma seqüência enorme deles, acho que provocada pelos remédios e descongestionantes, sentava para escrever meu quarto romance, ainda sem título. Nevou muito ontem de manhã, mas a neve não resistiu a chuva fria que veio logo em seguida e derreteu. Tive como trilha sonora, o Quarteto de cordas de Budapest executando Beethoven que encontrei por 8 euros a caixa completa num sebo da Rue Vaugirard. Ouvi esses cds exaustivamente e escrevi também exaustivamente. Em alguns momentos me pergunto por que insisto em fazer isso. Passar horas em frente ao computador escrevendo e sofrendo para dar sentido a uma história que só interessa a mim mesmo, sem falar no cansaço físico, na dor nas costas e na congestão intestinal por passar horas sentado nessa porcaria de cadeira. Devo ter tendências masoquistas. Acho que escrevo para não enlouquecer. Ou já devo estar louco e ainda não me dei conta. Mas desconfio que escrevo para não enlouquecer, porque não saberia o que fazer com um monte de coisas e assuntos que não me interessam, e quatro montes ainda maiores de pessoas que me interessam ainda menos. Prefiro assim. Não tenho medo da solidão. Outro dia, enquanto dialogava com os meus botões, conclui que não conheço outra forma de sociabilizar com as pessoas a não ser pelo distanciamento. Quando me distancio é quando mais me sinto próximo delas. E Deus não vai me castigar por isso. Minha produção literária se faz a conta gotas, esse é o meu maior castigo. E eu tenho o péssimo costume de me maltratar. As vezes tenho a impressão de que faço de tudo para procrastinar minha escrita. Não sei fazer de outro modo, ou não tenho alternativa. Não sei. O que sei é que gostaria de ter conhecido Beethoven. Eu lhe beijaria as mãos e sussurraria em seu ouvido toda a minha gratidão. O quarteto para cordas número 131 em dó menor é mais um exemplo da genialidade desse sujeito forte e sensível. Depois desses cinco dias eu o conheço de cor e só não saio assobiando porque não teria fôlego para acompanhar os acordes ininterruptos e longos. Dormi com o adágio do primeiro movimento, acordei com ele, escrevi com ele e chorei com ele. E o quarteto de Budapest o interpreta magistralmente (uma expressão que devo estar plagiando de algum crítico besta, mas sinceramente, não tenho outras palavras para dizer o que quero dizer). Ainda estou me recuperando da minha gripe infernal. Voltei para o limbo, daqui a pouco volto para o cotidiano. E enquanto escrevo esse post ouço mais uma vez o quarteto para cordas 131. É assim que as coisas devem ser. É assim que eu gosto de perceber e absorver a vida: através da pele. O resto é shopping center, supermercado.
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