Um amigo me presenteou dois jeans, um azul escuro e outro preto, Levis 501, ele os trouxe de uma viagem que fez aos EUA. Chegaram em boa hora, não sei como mas ele leu meus pensamentos. Hoje eu os levei para fazer a barra aqui perto de casa, numa costureira que eu sempre vi trabalhando numa pequena oficina quando passava pela Rue de Turenne. Uma senhorinha simpática que trabalha sozinha na sua oficina. Durante o tempo em que experimentei as calças ela quis saber tudo sobre minha vida e contou mais um tanto da sua. Veio da Tunísia há 50 anos, é judia, viúva e tem dois filhos, um deles acaba de vender o apartamento e ela está com medo que ele não encontre outro logo e gaste todo o dinheiro. Tem razão eu respondi, conheço essa história, dinheiro na mão é vendaval, ou se reinveste logo em algo concreto ou ele desaparece. Depois ela abriu uma gaveta e me mostrou um bolinho com 750 reais que um brasileiro lhe deu como pagamento de outros reparos. Eles valem alguma coisa? Sim, eu lhe respondi, aproximadamente uns 300 euros. Ela ficou feliz da vida. Deve trocar logo ou guardar? Troque logo eu lhe recomendei, e compre alguma coisa de presente para a senhora. Não, ela sorriu. Não preciso de nada, mas vou trocar assim mesmo. Na hora de pagar ela cobrou apenas pelo trabalho de uma das calças. Eu quis pagar as duas, mas não teve jeito, ela se recusou a receber. Saí de lá e depois de caminhar algumas quadras entrei numa livraria que fica na Rue de Bretagne, logo que entrei dei de cara com outro senhor que conheci num Café outro dia e com quem conversei longas horas. No dia em que eu o conheci falamos sobre livros e foi ele quem me indicou a livraria onde estávamos agora. Contei a ele que havia levado minhas calças para fazer a barra e resolvido vir conhecer a livraria. Ele conhece a costureira, me contou que foram namorados logo que ela chegou em Paris no final da década de 50. Disse que ela era uma mulher belíssima, mas que a coisa não se desenvolveu porque ele enveredou por outras áreas. Outras áreas? Sim, ele gostava muito dela, mas acabou gostando mais ainda do irmão dela, com quem ele manteve encontros em segredo até o dia que não deu mais para esconder e os dois tiveram que assumir a história. Segundo ele, o rapaz era de uma beleza inacreditável e o seduziu. Como assim seduziu? Até então eu não sabia que me interessava por rapazes, ele me respondeu com um sorriso maroto no rosto. Ah bom, e depois disso? perguntei curioso. Depois disso eu vivi com o irmão dela até pouco tempo, precisamente até dois anos atrás, quando ele faleceu com quase noventa anos. Viveram juntos por mais de 50 anos? Sim, e nesse tempo todo a irmã costureira não os perdoou, nunca mais falou com nenhum dos dois, nem no enterro ela apareceu. Meu Deus, eu disse, essa história parece ter sido inventada. Non, non monsieur, não saiu de nenhum livro, essa é a história da minha vida, ele me respondeu. Antes de pegar sua sacolinha de livros e ir embora, ele voltou-se novamente para mim e me disse, ah monsieur, se você quiser agradecê-la e fazê-la feliz, compre um sonho de baunilha e leve para ela, é seu doce predileto. E foi o que fiz. Comprei o sonho de baunilha e levei para ela. Feliz como uma criança ela me perguntou como eu sabia que ela gostava de sonhos. Eu lhe respondi que não sabia, que havia acertado por puro acaso. Agradeci mais uma vez e voltei para casa tentando me convencer de que esses encontros são apenas obras do acaso.
Um comentário:
Adorei isso também!
Beijo.
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