31.1.11

O GATO NEGRO

No sábado passando em frente a um Café próximo ao teatro do Chatelet notei um pequeno souris (um camundongo marronzinho e pequeno) encostado na porta de vidro de um café. Ele aguardava uma oportunidade para entrar despercebido e se proteger do frio que fazia do lado de fora. O nome do Café não podia ser mais trágico: le chat noir (o gato negro). Na hora pensei na tragicomédia que a imagem representava. O coitado do souris entrando na casa do gato negro pensando que lá estaria protegido quando seu fim provavelmente seria só uma questão de tempo. Eu disse provavelmente porque ele poderia escapar de seu destino, mas a probabilidade dele se cumprir comme il faut é muito maior.

Escapar do seu destino? Eu pensei isso e continuei a caminhar e a caminhar e a caminhar. Destino. Sempre liguei essa palavra ao conformismo. Mas de uns tempos para cá consigo imaginá-la como um fado. Um fio condutor, uma porta de vidro que vai se abrir. Será que a gente vai moldando nossa vida inconscientemente para que ela no fim se transforme naquilo que de qualquer forma ela teria se transformado sem a nossa interferência? As vezes tenho a impressão de que sim. É isso. Não faça nada e as coisas acontecerão. Outras vezes penso que tenho que fazer algo para que outros algos aconteçam. Faço e desfaço e as coisas acontecem como devem acontecer. Talvez o destino seja não saber e a ignorância seja o que nos faz continuar a tentar.

Conversando com um amigo dos mais racionais, ele me surpreendeu com a seguinte observação: veja as coisas de um outro ângulo, acredite que quando as coisas não acontecem como você quer há motivos para que isso não aconteça. Lá na frente você vai olhar para trás e dizer ainda bem que tal coisa não aconteceu porque eu estaria infeliz hoje. Bom. Pode ser. Quem sabe. Dá para se sentir mais confortável pensando assim, mas é um conforto por conveniência também, que vem com um gostinho de frustração.

Estaria o gato negro de braços abertos a minha espera? O problema talvez seja a porta de vidro. O reflexo. Do lado de fora, só consigo ver a minha própria imagem.

29.1.11

UM MECENAS POR FAVOR

Faz muito frio hoje em Paris. Passei a manhã em casa lendo, limpando, cozinhando e depois do almoço fui ver a exposição “O tesouro dos médicis” no musée Maillol que fica na Rue de Grenelle, no 7éme arrondissement. Fui a pé daqui de St Paul e voltei a pé. Frio de doer os ossos. A exposição é uma beleza. Rica na variedade de objetos e telas expostos, com textos explicativos sobre a origem de todo o patrimônio dessa família de banqueiros florentinos que “reinou” através de várias gerações. Ultrapassaram os limites territoriais florentinos, deram duas rainhas para a França (tornaram-se rainhas em razão do falecimento de seus maridos reis franceses Maria e Catarina), dois papas, Leo X e Clemente VII, este último mecenas de Michelangelo. Bota história e riqueza nisso. Mas o que impressiona é a veia do mecenato, que atravessou as gerações dos médicis, o interesse pelo belo e pela arte, o olhar para o futuro, para a preservação cultural. Alguém poderia ter a idéia de fazer um tipo de transfusão genética e botar um pouco do gen dos Médicis no dna de muita família bilionária no Brasil. Um pouco menos do que está sobrando nos bancos e mais dinheiro para escritores e outros artistas em geral. Eu sou candidato, preciso urgente de um mecenas. Bom. Voltando para a terra e para a exposição. Ela tem um problema. O espaço escolhido para mostrá-la. O musée Maillol tem um salão no térreo que já não é muito grande, e quando você chega no primeiro andar, onde a exposição continua, o problema se agrava. As salas são pequenas e divididas e falta espaço não apenas porque havia a França inteira hoje a tarde lá dentro, mas também porque você precisa de distanciamento para poder enxergar algumas obras. Mas melhor lá do que não vê-la.

Na fila para comprar os bilhetes, do lado de fora, uma mãe e seus dois filhos adolescentes se posicionaram atrás de mim. O garoto que devia ter aproximadamente uns 14 anos havia tirado o dia para encher o saco da sua irmã. A menina, mais nova que ele, reclamava com a mãe não paenas do irmão mas de “cette merde d’exposition” que ela não queria ver. A mãe falava no celular histericamente com o marido, insisitndo para que ele viesse de carro porque ela não queria pegar o metro para voltar para casa (viu só, cabeça de classe média é globalizada). O irmão então engrossou a voz e começou a imitar um desses narradores de programas de arte, dizendo mais ou menos o seguinte: bienvenu a exposição dos médices no museu maillol, esta é a exposição mais longa da história das exposições, você precisará de aproximadamente um mês, vinte dias e 12 horas para conclui-la, se for menor e se chamar Marie (esse o nome de sua irmã) terá que revisitá-la já que não tem cérebro suficientemente desenvolvido para comprender o que vai ver... Foi o divertimento para os que esperavam no frio para comprar o bilhete. De vez em quando, mas muito raramente, aborrecentes podem ser engraçados, na maior parte do tempo são um saco.

27.1.11

DIÁLOGO ENTRE INVISÍVEIS

Logo no início da Rue Monge, onde ela se encontra com a Rue Saint-Victor tem uma igreja que se chama Saint Nicolas du Chardonnet. Ontem no final da tarde voltando da Sorbonne, onde passei para tomar um café com amigos e me divertir com as histórias desagradáveis que somos obrigados a experimentar ao passar pela secretaria da universidade para refazer a (re)inscrição de algumas matérias, resolvi entrar para acender uma vela pela minha alma que se sentia bastante desgastada. Caos não é a palavra para descrever o sistema que os franceses (que se dizem cartesianos) criaram para administrar o reinício dos cursos. E aquela secretarinha delicada de pernas finas e barriga sobressalente está lá disposta para te (des)orientar e agredir verbalmente, mas você não deve se exaltar, já que ela será sua “parceira” para assuntos administrativos o resto do ano. Quase o mesmo que ser obrigado a dormir com uma sucuri. Mas, retornando ao assunto do início deste texto, minha visita a igreja. Quando entrei o organista fazia seus exercícios e estudava. Escolhi um lugar e sentei para escutá-lo. Depois de alguns minutos um sujeito passou e me entregou uma filipeta com os horários das missas e outras informações. Assim descobri que as sextas feiras as 7:45 tem uma missa que é oferecida as almas que estão no purgatório. Foi então que comecei a me perguntar ainda lá dentro e com o som do órgão invadindo os meus ouvidos se era a minha alma que estava precisando de luz ou o meu espírito. Segundo São Paulo a alma está diretamente ligada a nossa sensibilidade e conseqüentemente ao nosso corpo (material), e o espírito seria nossa inteligência e a nossa vontade (imaterial). Assim quando sofremos ou nos alegramos podemos sentir no corpo essas dores ou prazeres e a inteligência e a vontade seriam como uma entidade independente. Não pesquisei para saber como ele chegou a essa conclusão. De qualquer forma acredito que uma coisa deve interferir na outra. Logo que a alma é afetada a inteligência e a vontade são ativadas e o contrário também deve ser verdadeiro, pelo menos é assim que acontece comigo. Não deve existir uma hierarquia entre elas, a inteligência não é melhor do que a sensibilidade ou vice versa. Talvez a inteligência se sinta mais poderosa, já que é (quase) sempre ela que dá a última palavra e não deixa a alma se perder. O ideal seria que elas funcionassem juntas, porque o tempo todo tanto a alma como o espírito estão sendo estimulados. Acabei acendendo duas velas, uma para a minha alma e outra para o meu espírito.

Algumas informações sobre essa igreja. O nome Chardonnet vem da palavra chardon que quer dizer cardo em português, uma planta, espécie de cactus que era usada no trato com os lençóis, havia uma grande plantação no lugar onde a igreja foi fundada ainda no século 13. Ela começou como capela, para os habitantes que moravam na rive gauche, passou por inúmeras reformas, foi vendida, recomprada, fechada durante a revolução e novamente reintegrada a comunidade. O órgão da igreja veio de uma outra igreja chamada “santos inocentes” por volta do final do século 18. O som é maravilhoso. Se passarem por aqui vale uma visita.

A missa para as almas do purgatório vai ter que esperar um pouco para contar com a minha presença, ainda não cheguei lá.

25.1.11

O QUE VIM PROCURAR

Nunca esqueceram de me buscar na escola. Um dia fiquei esperando muito tempo até que minha mãe veio me buscar. Ela não havia me esquecido, havia se atrasado. Lembro-me que sentei nas escadarias da igreja com minha mochila e a esperei. Enquanto as outras crianças continuavam ali ao meu lado eu não senti o tempo passar, mas assim que elas foram indo embora a sensação de ansiedade tornou-se muito forte. Lembro-me que a escadaria repentinamente ampliou-se, tomou proporções gigantescas aumentando minha sensação de vulnerabilidade, bem como o dia tornou-se cinza e uma sensação de frio tomou conta do meu corpo. Quando minha mãe chegou todas essas sensações deram lugar a uma birra infantil, cheia de reclamações, mas eu sabia que ela não havia feito de propósito. O trabalho, o trânsito, eu não sei agora o que motivou o atraso, mas eu sabia que ela também se sentia mal por estar chegando fora do horário que costumava vir me buscar. Desculpou-se. Passou. Esqueci-me desse dia. Até hoje. Não por acaso. Mas veio a calhar. O dia. O céu. As proporções gigantescas que a cidade repentinamente assumiu.

Sou ainda um garotinho a espera de resgate. O registro daquela ansiedade e a angústia da espera ficaram no disco rígido do meu cérebro. Espero. Sentadinho. Hoje não mais na escadaria da igreja da escola, mas em outras escadarias, em cima de pontes, nas esquinas, nos bares, nos café, dentro do metrô, até caminhando eu espero. Que outras mães venham me buscar. Que me resgatem. Farei birra. E as desculparei pelo atraso.

Se o certo pode vir travestido de errado e se o errado pode ter a aparência do certo, ah isso eu não sei. Não sei ver o que está por trás do detrás. Não sei discernir o certo do errado e o errado do certo. Sei tanta coisa e sei tão pouco ao mesmo tempo. O pouco e o muito nessas horas não servem para nada. Não consigo pesar, não consigo quantificar. Consigo dizer que é pouco. Porque quero mais. E que é muito. Porque quero menos do que está sobrando.

Mas passo rápido do garoto que espera para o velho que imigra. Sou um velho imigrante. Sou eternamente meus avós. Viajo de um lugar para outro. Fugindo da morte, a procura de um refúgio. De-dentro-de-mim-para-fora-e-de-fora-de-mim-para-dentro. Procuro terra firme para ancorar. Encontro. Desembarco. Mas ai de mim que por excesso de imaginação e entusiasmo pensa agora poder ficar e caminhar em terra firme. Encontrar o que vim procurar. Tenho uma senha. Posso sentir o gosto do sal da pele. Tenho outra senha. Posso sentir o cheiro do corpo e pensar que ele pode ser meu. Penetro esses corpos como penetro as ruas dessa terra firme. Eles são meus. Eu os imagino conhecer. Logo o sentimento de permanência me arrebata. Mas a buzina do navio. A buzina do navio está sempre a me avisar. Terra firme não é para você meu caro. Terra firme é só um lugar de passagem.

23.1.11

PARA ELE EU NÃO TIRARIA APENAS O CHAPÉU

Vou ser obrigado a falar de Richard Strauss. Com o maior prazer, porque é um dos meus compositores preferidos. Por favor, Richard Strauss. Parto do pressuposto de que meus leitores sabem que não é o Strauss das valsas, é o Strauss de “Salomé”, de “A mulher sem sombra”, de “Cavaleiro das Rosas”, de Elektra, nada a ver com Viena, nada a ver com a família Strauss e todos os seus Johann e Josefs austríacos rodopiando junto com a Sissi. Então vamos a Salle Pleyel hoje às 4 da tarde. No programa primeiro ato, Salomé (apenas o trecho da dança dos sete véus) e logo em seguida “Die vier letzte lieder”, as quatro últimas canções que ele compôs, depois da pausa “Uma vida de herói”. Descobri por acaso. Hoje no final da manhã quando começava a entrar naquele estado pré-depressivo que costumo ter aos domingos e fico meio anestesiado, pensando em círculos obsessivamente sobre o tema atual da minha vida. Pode ser o que for, pensarei em círculos e obsessivamente. A salvação foi ter começado a fuçar o que poderia fazer no período da tarde, numa tentativa de me ajudar a me salvar de mim mesmo.Caí no site da Salle Pleyel e li que hoje Strauss estaria no programa. Liguei. O mocinho gentil/frio/frio/gentil me disse que os ingressos estavam esgotados. Não faça isso comigo, porque é aí que eu começo a querer. Principalmente nesses dias de cão, em que sou de uma aridez desértica. Não diga não para mim. Não me negue água. Mas ele disse. Não. E eu fui para lá as 14:00 porque queria a todo custo ouvir as quatro canções para acabar de me acabar. Cheguei lá e havia uma pequena fila com quatro pessoas que esperavam pelo mesmo que eu, isto é, que alguém desistisse de última hora para que eles pudessem entrar. Um senhor e três senhorinhas. Deu três horas, a fila já saía do hall de entrada e invadia a calçada. Depois das três e quinze eu comecei a pensar que a coisa não ia dar certo. Até que através dos vidros da Salle Pleyel vi um senhor estacionar o seu carro do lado de fora e saltar dele com dois bilhetes na mão com cara de quem procurava compradores. Sai imediatamente da fila e o abordei ainda na calçada. Sim ele queria vender e acreditem, por apenas 10 euros, lugar privilegiado, balcão, fila c. Comprei os dois, chamei o senhor que estava na fila e vendi o outro para ele. Estava com bode da velhinha que num momento de distração se enfiou na minha frente e tomou o meu lugar na fila com a maior cara de pau. Aliás, cara de pau é o que não falta por aqui, mas vamos deixar isso para outro dia. Entrei, o concerto começou, eu fechei os olhos e só abri quando ouvi os aplausos.

Strauss compôs essas canções pouco antes de morrer. Apenas alguns meses antes. As três primeiras receberam os poemas de Hermann Hesse e a última “Abendrot”, um poema de Joseph von Eichendorff. Strauss com já 85 anos, exilado na Suíssa, fez necessariamente uma viagem dentro de si mesmo, uma progressão temporal senão não teria sido possível compor o que ele compôs. Quanta riqueza de sons e acordes que te levam para um outro lugar enquanto ouvinte. Durante a audição sou um monte de carne e osso e emoção. Não raciocino. Não penso em nada. Apenas sinto. Algo que deveria fazer mais e mais. A natureza completa está lá dentro, o homem, o amor, o tempo que passou e não pode ser resgatado, o sol que se põe lentamente, como nossas vidas seguem rumo ao fim. Por mim hoje o mundo poderia ter acabado. Acho difícil reproduzir tanta beleza. Sem ser óbvio, sem ser apelativo. E a voz da soprano polonesa Iwona Sobotka (eu não a conhecia) não me decepcionou. Tenho algumas gravações dessas canções, Sutherland, Jessie Norman, até Lucia Popp que, apesar da voz considerada “menor” que a das outras duas, está perfeita.

Voltei a pé para casa. Oui, à pied. Do final da Faubourg Saint Honoré até aqui em casa no Marais. Não sei quantos quilômetros, mas é uma caminhada e tanto. A cidade te abraça e fala venha, caminhe, ande, dane-se o frio, dane-se a distância. É isso uma das coisas que mais me atrai nessa cidade. O desenho dela foi feito sob medida para cada um de nós. Avenidas, ruas e calçadas, de cada uma delas você ainda tem o direito de apreciar o céu. Graças a Haussmann. Poucas cidades no mundo te oferecem o que Paris oferece nesse sentido. A cidade e o cidadão em perfeita sintonia. Cansou, entre num café. Descansou, saia e continue a caminhar. Dessa vez Strauss veio comigo. Na cabeça: “wir sind durch not und freude gegangen, hand in hand”- caminhamos na tristeza e na alegria, de mãos dadas.

21.1.11

VISTO DO LADO DE CÁ

Gostei muito do último filme do Clint Eastwood. Aqui ele saiu com o nome “Au Dela”, título bem parecido com o brasileiro “Além da vida”. Ainda no campo da realização do filme, sem entrar no mérito do tema, roteiro, direção, imagens, cortes nas cenas, construção da história, eu o classificaria como um dos seus melhores filmes. Impecável costura de todas essas qualidades no tempo certo. Você respira, porque o filme te convida a respirar no mesmo ritmo em que ele foi feito, e passa a ser mais um dos que querem saber o que os que estão do lado de lá têm para contar. Memorável a cena inicial do tsunami. As coisas vão se encaixando como um quebra cabeça, devagar e quase por acaso. Agora no campo da história. Crença, religião, não sei como você vê ou se acredita que algumas poucas pessoas têm o dom de falar com os mortos ou prever o futuro. Eu às vezes acredito e às vezes não acredito. Na maior parte do tempo eu desconfio. Mas também já vivi histórias que não poderia descrever como puro acaso. Não vamos saber. Nunca. E talvez nem depois de morrer, já que de acordo com muita gente, talvez não exista mais nada, a gente volta para o pó de onde nascemos e ponto final. Porque aprendemos a só acreditar naquilo que podemos provar ou ver, tudo o que disser respeito a sentir, a gente desconfia. Mesmo que a intuição seja forte, desconfiamos dela. E o filme do jeito que é contado tem o mérito de expor exatamente isso. Não é neutro, mas também não é apelativo. E eu fiquei pensando que é difícil fazer um filme com esse tema sem fazer as coisas se encaixarem e chegarem ao final do jeito que ele chega. Por que não? Vá e confira você mesmo.

18.1.11

VIDA SOCIAL

Uma amiga brasileira me convidou para uma roda de samba. É. Ela me conhece bem. Uma roda de samba em Paris. Num bar logo atrás da Bastilha. Devo ter olhado para ela com cara de quem viu uma assombração. Ela disparou a rir. Sou doente do pé e não trouxe minha camiseta regatas. Não vou nem amarrado. Prefiro ser guilhotinado na Bastilha a ir a uma roda de samba. Está me achando besta ou esnobe? Não estou nem aí, só de imaginar me dá arrepios em todo o corpo. Essas discussões podem ir longe. O que sei é que quase todo mundo que conheço e que se diz democrático adora ditar regras, e porque não gosto de pagode ou coisa parecida recebo imediatamente um carimbo na testa. Ora, ora. Eu não prego a eliminação de uma coisa para fazer o meu gosto prevalecer. Tem lugar para todo mundo na copa dessa árvore, meu galho não está nem acima nem abaixo do seu, está onde deveria estar e eu escolhi para me sentar e apreciar a vista.

Encontrei um livro bem adorável casualmente num sebo, chama-se “Je meurs d’amour pour toi...” e conta a história de Isabelle de Bourbon-Parme que era neta do LuisXV de um lado e do rei Philip V da Espanha. Na verdade o livro revela as cartas que ela escreveu a sua cunhada arquiduquesa Marie-Christine irmã de seu marido o imperador Joseph II da Áustria. São cartas de amor. Não apenas lindas, mas também servem de registro do cotidiano. As duas se apaixonaram a primeira vista. A infeliz casou-se com o imperador austríaco quando na verdade tudo o que queria era ficar com a cunhada. Isabelle era inteligentíssima e para a época fora dos padrões de comportamento e inteligência. Morreu aos 22 anos. O histórico de seus antepassados é pesado, as figuras masculinas eram muito frágeis, pai deprimido e dominado pela mãe, avô obsessivo sexual. Já as figuras femininas eram as que seguravam a onda, equilibradas mesmo que mandonas por parte da família espanhola. Alguém podia pensar em fazer um filme com o material. Preço do meu prazer, 1 euro. De vez em quando é barato ser feliz.

Sábado fui jantar na casa de uma outra amiga. Anne-fleur, original da Normandia, linda, branquinha como a branca de neve e olhos verdes/azuis claríssimos. Ela mora na Defense com seu lover e um gato lindo chamado Yumi. Esse centro financeiro relativamente novo de Paris fica na última estação da linha 1 do metrô, você sai da estação e dá de cara com o arco moderno que faz um jogo em linha com a pirâmide do Louvre. O espaço é generoso e durante o dia muito movimentado, mas a noite vira um deserto. O prédio onde ela mora fica distante algumas centenas de metros do arco e a vista da sua sala é La grande Arché iluminada. Anne-flora ou Anne-flo ou Flo para os íntimos, caprichou na cozinha. Pequenas especialidades, só de imaginar os champignons farcis que ela nos preparou já fico com água na boca e vontade de voltar. Mas mesmo que la Defense, possa ter ajudado a preservar o patrimônio histórico de Paris indo se instalar lá longe, ficou um lugar esquisito, meio fantasma, meio subúrbio de luxo, como passear a noite na avenida Berrini (para quem conhece São Paulo). A tal da roda de samba cairia como uma luva na região. Animar na marra aquele deserto. Consigo até imaginar as barraquinhas de pernil e cerveja se espalhando pelos arredores. Oh meu Deus, por que não pensaram nisso antes?

14.1.11

AS EXPOSIÇÕES E O QUE A GENTE QUER VER

Morar em Paris e não ir a exposições é o mesmo que ir ao Rio e não ir a praia, ou ainda passar por uma feira em São Paulo e não comer um pastel. Tem sempre uma logo na esquina de onde você estiver te convidando para entrar. Basta entrar (pagando antes, lógico). Então vamos lá. Vamos para elas. A do fotógrafo Kertèsz que está acontecendo no Jeu de Paume é uma excelente oportunidade para conhecer sua produção desde o comecinho da vida dele. Suas primeiras fotos, desde antes da primeira guerra que ele foi obrigado a participar e voltou ferido, estão lá e nos mostram com precisão a evolução de sua carreira. Os estudos, a comunicação com os artistas da época, o movimento surrealista, a fase das fotos distorcidas, a de Nova York (minhas preferidas), as revistas e etc...

Até o belíssimo filme no final da exposição que mostra ele em Paris novamente, cidade que o revelou para o mundo. Lógico que tem fotos que eu não admiro, mas não é isso o que está em questão, as fotos não estão lá somente para serem apreciadas, mas também para nos dizer que o que foi feito serviu para outros propósitos e para outros fotógrafos evoluírem. Logo no começo uma quantidade excessiva de fotografias em tamanho muito pequeno nos exaure.O problema todo (ou talvez uma postura positiva importante) é que a gente vai sempre a uma exposição com a expectativa aguçada e com vontade de gostar dela. Dificilmente a gente chega neutro no espaço. Afinal foi uma escolha e não uma imposição ir a tal exposição. E em alguns casos precisa se refazer logo depois de alguns minutos porque não está vendo o que esperava ver. Na exposição do Mondrian que acontece no Pompidou, entrei animado e fui murchando com o passar do tempo.

Mondrian não conseguiu me emocionar desde o início, e tem esse lado decoração em tudo o que ele fez que não me atrai e que contribui (no meu caso) para não conseguir valorizar a obra talvez como ela deva ser valorizada. Acompanham os trabalhos do Mondrian algumas obras de outros artistas holandeses que por vezes me pareceram muito mais interessantes do que a do próprio artista. O que fazer? Apertar o passo. Rápido, rápido, caminhar entre as obras ansioso para passar pelas salas e ir ainda mais rápido ver o acervo permanente do Pompidou que é repleto de arte contemporânea do tipo que alimenta os olhos e a alma. Ai que alívio. Está todo mundo lá. Você pode até não gostar de algumas delas, mas elas não te olham com indiferença decorativa do tipo, “vim para decorar esse canto da sala”, não, elas exigem que você as observe atentamente, te agridem, te amam, te mandam pensar antes de fazer algum comentário. Ok. Pode sair agora.

12.1.11

"SOMEWHERE"


“Somewhere” de Sofia Coppola é um belo filme. Se quisesse resumi-lo apenas a impressão superficial eu diria que ele conta a história de uma ator hollywoodiano, Johnny Marco, interpretado por Stephen Dorff que está naquele momento de vida em que o sucesso o entedia e a depressão começa a bater a porta. Mas o filme é muito mais do que isso. É também a história de aproximação entre pai e filha, no filme interpretada pela garota Elle Flanning, menina novata em quem podemos fazer apostas. Num intervalo entre as orgias e as depressões do pai ela aparece no Motel Chateau Marmont, onde ele está hospedado, deixada pela mãe. O universo solitário e mundano do pai - o sexo fácil e por isso mesmo de dar sono a cada nova tentativa, tomar consciencia de ser um astro e não ser nada pode ser a mesma coisa, compras de pacotes de felicidade kitsch vendidos em qualquer esquina de Los Angeles, entrevistas vazias com agentes e compromissos profissionais que só acentuam o ridículo de sua vida - contrasta com a naturalidade e a inocência de Cleo, a filha quase uma estrangeira na vida de Johnny Marco. Esses dias em que eles ficarão juntos servirão como acalanto para a filha em busca da segurança e do amor paterno e também como chance para o pai talvez poder se reinventar. Gosto muito desse olhar feminino perceptível nas imagens de Sofia Coppola, olhar esse muito bem traduzido nos gestos delicados e no comportamento da filha. E ainda quando nos mostra sua visão do mundo macho caricato nas passagens em que Johnny vai receber prêmio na Itália. Impossível não fazer uma leitura do tipo que alguns leitores fazem quando lêem meus livros e perguntam, “mas isso aconteceu com você?, Ah eu te reconheci em tal personagem”. Acredito que Sofia Coppola foi buscar no baú de suas memórias essas maravilhosas cenas melancólicas que ela soube tão bem desenhar. Sensibilidade não tem sido o forte dos últimos filmes americanos há muito tempo, e ela nos dá mostra que isso existe e é possível, mesmo em Hollywood. Um filme de todas as maneiras intimista, que nos prende pelo conjunto de detalhes. Ao contrário de “Maria Antonieta” seu último filme, “Somewhere” é minimalista, e talvez por isso mesmo muito bem elaborado, feito sem pressa e querendo apenas contar uma história que ela parece conhecer bem. E eu o vejo de alguma forma como um road movie, mesmo reconhecendo o que o afasta desse gênero. Papi deve estar orgulhoso.

11.1.11

AMANHÃ.

Na madrugada não conseguia dormir. A insônia veio me visitar. Três e meia da manhã é muito cedo para abrir os olhos. Respostas não tenho, mas perguntas. Muitas. Que se multiplicam umas depois das outras formando uma fileira imensa de perguntas-ovelhinhas que de tão numerosas me fazem perder a conta. Preenchem o vazio do studio. Fico quieto e as observo. Viro a barriga para cima e olho para o teto. Não gosto desse estado das coisas. Dessas ovelhas-perguntas me instigando em período integral, fazendo fila só para me enlouquecer. Às vezes acho que posso intuir as respostas, ouço minha própria voz dizendo isso ou aquilo. Outras vezes desconfio, acho que minha mente me envia as respostas que eu gostaria de ouvir. Não sei bem distinguir. De qualquer forma dessa vez a mente não está disposta a contribuir. Não sei. Está tudo bien caché. Não consigo vislumbrar nem mesmo uma imagem em que feita uma leitura eu buscaria a interpretação. O texto dessa vez também não existe. Novos códigos. Sim. Talvez. Devo entender os novos códigos. Decodificá-los. Respirar fundo. Tento. Respiro. Respiro. Respiro e não faz a menor diferença. Deveria. Sim. Fazer diferença. Ter quase cinqüenta anos de experiências múltiplas, deveria funcionar ao menos para enquadrar essas ovelhas-perguntas num curralzinho. Mas não faz. A menor diferença. Ligo a tv. Desligo a tv. Levanto-me. Visto-me e saio. Para onde? Não importa: ande. Rue St Antoine, Place de Voges, Rue Turenne, Rue de bretagne, volte, você está indo longe de mais, Republique, pegue a esquerda, Halle, Eglise St Eustache, você está louco, Rue de Rivoli, Hotel de Ville, Notre Dame, Ile de Saint Louis, Institut du monde árabe, pare, Jardin de Plantes, pare, sente, o dia vai começar a nascer e o sol vem daí desse lado. Pare. Sente. Espere.

9.1.11

MEU LADO VIRGEM (O QUE RESTA, MEU ASCENDENTE)

Na quarta feira fui ver a Orquestra de Paris na Salle Playel. No programa Tchaikovsky: o concerto n. 1 para piano e depois da pausa a sinfonia n. 5. A Orquestra de Paris nessa noite foi regida por Rafael de Burgos e o pianista que tocou o concerto foi o russo Arcadi Volodos. Da primeira não esperava muita coisa, porque a Orquestra de Paris não prima pela excelência técnica, é muito instável e pode decepcionar. Do segundo esperava muito, porque eu o vi/ouvi quando ele ainda era muito jovem, logo no começo de sua carreira quando eu ainda morava na Áustria e ele passou por ali, e conheço sua habilidade e sensibilidade. Não me equivoquei, foi o que aconteceu, a Orquestra de Paris continua instável e acompanhando Volodos na primeira parte do programa foi irregular, sem a energia necessária para transmitir o mélange de força e delicadeza que o concerto n. 1 exige. Já Volodos deu um show, mesmo acompanhado por uma orquestra fraca. Já na segunda parte do concerto, a orquestra voltou melhor, deve ter tomado um puxão de orelhas do maestro. Foi bem na sinfonia n. 5 que exige habilidade dos instrumentos de sopro. Particularmente eu gosto muito do início dessa sinfonia e do segundo movimento, porque gosto da combinação oboé e clarineta e Tchaikovsky caprichou e foi generoso com esses instrumentos quando a compôs. Durante o concerto refleti um pouco sobre a tradição dessas orquestras e o fado que elas carregam. Vi muitas apresentações da Filarmônica de Viena, e em nenhuma delas sai insatisfeito, bem como com a Filarmônica de Berlin, quase sempre irrepreensível. Nelas o rigor técnico parece estar impregnado no dna, mesmo em um dia não muito feliz os deslizes são mínimos e podem passar despercebidos. Os maestros podem mudar, mas a qualidade extraída pela performance dos seus músicos permanece. Já a Orquestra de Paris me dá a impressão de não ter muita vontade de dar um pouco mais de si, seja o maestro quem for, a coisa fica meio "flou" como eles dizem por aqui.

Choveu muito toda a noite e agora cedo o dia está mais fresco. A alteração brusca da temperatura faz um mal danado. De 5 graus negativos fomos para 12 positivos em menos de 10 horas. A metade das pessoas que conheço está resfriada ou com um tipo de indisposição qualquer. Vírus e bactérias adoram essa coisa meio morna. Por enquanto estou conseguindo escapar desses vilões.

Ontem a noite um amigo me chamou para jantar na casa dele. No programa jantar e assistir a última apresentação no teatro de “La cage aux folle” (gaiola das loucas) que seria transmitido pela tv. Fui. Sem muita vontade porque não consigo ver muita graça hoje nesse espetáculo. Acho que há uma defasagem no tempo. Eu tenho na lembrança a primeira versão interpretada por Michel Serrault e Ugo Tognazzi, sei lá quando vi isso, mas me lembro que a performance dos dois era irretocável e realmente engraçada. Mas a versão que vi ontem foi grotesca, horrível e sem a menor graça. E como eles gritam no teatro! Um esforço para obrigar o público a rir? A caricatura quando construída sem a noção do limite provoca um constrangimento em quem a vê, e não o riso. Um dos amigos convidados era um garoto americano que está em Paris estudando história da arte. Nunca havia ouvido falar na peça. Na maior parte do tempo ele não manifestou nenhum tipo de emoção, mas riu muito quando o personagem mordomo saiu de cena imitando um escravo e cantando como tal. Politicamente incorreto? Valeu como programa para preencher lacuna em dia de chuva. E só. Voltei para casa me enfiei na cama e sonhei com Serrault, que por acaso eu descobri que nasceu no mesmo dia em que eu nasci.

5.1.11

UM VIAGRA PARA O MEU CÉREBRO

Dois exames já ficaram para trás. Como acho que me saí? Vamos falar de outra coisa.
Faz um frio desgraçado aqui e o que eu posso dizer é que a metade da classe tossia e enxugava o nariz e a outra tentava se concentrar para escrever algo interessante na folha branca deitada sobre a carteira. Como voltar a poder se concentrar e reter as leituras na memória para depois retirá-las de lá e passá-las para o papel? Inventam tanta coisa, só não inventam ativadores de neurônios que é tudo o que eu preciso nesse momento. Mas vamos embora que tem mais pela frente e eu não quero ser atropelado pelo sentimento de que estou quase chegando a meio século de vida e que de alguma forma já devo ter vivido mais de dois terços dela. Essa sensação de que talvez não dê tempo de realizar as muitas coisas que ainda quero realizar, começa a bater a minha porta. E eu não quero abri-la, mas acontece que independente da minha vontade a realidade trata de escancará-la sozinha. Não é preciso fazer muito esforço para perceber e ver que um tempo, aquele movido muitas vezes apenas pela força de vontade, ficou no passado. O presente é menos ansioso, mas nem por isso menos urgente. E além da obrigação de continuar acreditando na vida como um baú que é preciso constantemente revirar para encontrar não importa o que se quer, existe uma cobrança interior que te pede para agir com maturidade. Bom, em muitas situações eu não sei o que isso quer dizer. O tempo aperta e diz para a gente continuar a enfiar a mão no baú. Sem medo meu filho, enfia a mão aí e remexe porque ninguém vai fazer isso por você. Então tá. A maturidade pode esperar. Apesar de passar a maior parte do tempo revirando o baú com o peso de todo o tédio do mundo nas costas, não posso negar que de vez em quando consigo pescar uns belos presentinhos lá de dentro. Antes, a sorte amiga dos novatos e inexperientes estava quase sempre presente, agora ela se mostra mais rara. Agora é preciso muito mais do que força de vontade para continuar revirando.

3.1.11

REORGANIZANDO O "COGITO"

Depois de todos as previsões astrológicas que li nesses últimos dias, não consegui extrair uma idéia unificada de como será o meu ano em 2011. O melhor a fazer é ler apenas uma das previsões e se agarrar ao que ela diz. Do contrário você pode se angustiar bastante tentando entender as múltiplas interpretações feitas pelos astrólogos. E não venha me dizer que não lê as previsões porque eu não vou acreditar. Resolvi fincar os pés no chão e cultivar a flexibilidade. Outro dia me disseram que o bambu se curva mas não quebra. Essa é a imagem que vou carregar comigo durante o ano.

Semana dura. Os professores da Sorbonne não nos deram dias de descanso. Prova hoje, prova dia 5, prova dia 10. Eu não li sequer uma linha nos últimos dias. Na minha idade é melhor estudar horas antes da prova começar. Não consigo mais reter tudo na memória. Então vai ser um misto do que já sei com o que ficar retido das leituras que farei antes da prova.

Fui assistir um concerto de órgão na Notre Dame. No programa Herbert Howells, Marcel Dupré et Jean Langlais. Gosto muito de composições feitas para órgão, mas o Howells exagerou na dissonância, depois dele Dupré e Langlais mais pareceram baladas sentimentais. Fico atento para ver se um dia consigo assistir o Réquiem de Fauré, que tem o órgão como instrumento musical principal nessa peça. Outro que compôs magistralmente para órgão foi Poulenc. Nem mesmo a maioria dos franceses conhece essas obras. Tocadas dentro de uma igreja onde a acústica é apropriada, elas tem uma força sobrenatural.

Estou lendo o último livro da Siri Hustvedt, escritora que gosto cada vez mais. Aqui, o título é “La Femme qui tremble, une histoire de mes nerfs”. Rigor intelectual e sensibilidade afinadíssimos. Ela narra suas memórias afetivas, começando com uma crise de nervos que teve quando foi fazer um discurso em memória do seu falecido pai na escola onde ele lecionou. Fala das patologias mentais, tema que já recorreu em suas ficções. Une técnica a sentimentos de maneira rara. Não sei se já foi publicado no Brasil, se foi, é uma boa leitura para esses dias moles que sobraram das rodas de pagode do reveillon.

O amor nunca vem na hora em que queremos ou como a gente imagina, porque se viesse como a gente pensou que ele viria, não seria capaz de nos surpreender e provocar o reboliço que acaba provocando. Vi um documentário que tentou explicar as condições e alterações biológicas que ocorrem no nosso cérebro e corpo quando a gente se apaixona por alguém. No final a neurologista italiana concluiu dizendo o seguinte: a gente pode saber cientificamente tudo a respeito do tema, mas quando a coisa bate, tudo volta a estaca zero, voltamos a outros tempos, onde o instinto de sobrevivência é mais forte do que o conhecimento e a razão, o coração pulsa mais rápido, o corpo se torna febril, a pele fica mais sensível, medo e coragem são uma única coisa, enfim é o amor. Adoro essa idéia de não conseguir sair da estaca zero, não conseguir controlar os impulsos, dos sentimentos se sobrepondo ao raciocínio lógico. Lógica e amor não dão muito certo, é coisa para francês que adora se auto-intitular de cartesiano, mas que cai de quatro exatamente como qualquer outro ser humano quando está apaixonado. Contrariando Decartes (je pense, donc je suis – penso, logo existo), o pensamento de Rousseau se adapta melhor aos amantes, (je suis parce que je pense à peine), que seria quase o mesmo que dizer que existo porque não penso.