9.1.11

MEU LADO VIRGEM (O QUE RESTA, MEU ASCENDENTE)

Na quarta feira fui ver a Orquestra de Paris na Salle Playel. No programa Tchaikovsky: o concerto n. 1 para piano e depois da pausa a sinfonia n. 5. A Orquestra de Paris nessa noite foi regida por Rafael de Burgos e o pianista que tocou o concerto foi o russo Arcadi Volodos. Da primeira não esperava muita coisa, porque a Orquestra de Paris não prima pela excelência técnica, é muito instável e pode decepcionar. Do segundo esperava muito, porque eu o vi/ouvi quando ele ainda era muito jovem, logo no começo de sua carreira quando eu ainda morava na Áustria e ele passou por ali, e conheço sua habilidade e sensibilidade. Não me equivoquei, foi o que aconteceu, a Orquestra de Paris continua instável e acompanhando Volodos na primeira parte do programa foi irregular, sem a energia necessária para transmitir o mélange de força e delicadeza que o concerto n. 1 exige. Já Volodos deu um show, mesmo acompanhado por uma orquestra fraca. Já na segunda parte do concerto, a orquestra voltou melhor, deve ter tomado um puxão de orelhas do maestro. Foi bem na sinfonia n. 5 que exige habilidade dos instrumentos de sopro. Particularmente eu gosto muito do início dessa sinfonia e do segundo movimento, porque gosto da combinação oboé e clarineta e Tchaikovsky caprichou e foi generoso com esses instrumentos quando a compôs. Durante o concerto refleti um pouco sobre a tradição dessas orquestras e o fado que elas carregam. Vi muitas apresentações da Filarmônica de Viena, e em nenhuma delas sai insatisfeito, bem como com a Filarmônica de Berlin, quase sempre irrepreensível. Nelas o rigor técnico parece estar impregnado no dna, mesmo em um dia não muito feliz os deslizes são mínimos e podem passar despercebidos. Os maestros podem mudar, mas a qualidade extraída pela performance dos seus músicos permanece. Já a Orquestra de Paris me dá a impressão de não ter muita vontade de dar um pouco mais de si, seja o maestro quem for, a coisa fica meio "flou" como eles dizem por aqui.

Choveu muito toda a noite e agora cedo o dia está mais fresco. A alteração brusca da temperatura faz um mal danado. De 5 graus negativos fomos para 12 positivos em menos de 10 horas. A metade das pessoas que conheço está resfriada ou com um tipo de indisposição qualquer. Vírus e bactérias adoram essa coisa meio morna. Por enquanto estou conseguindo escapar desses vilões.

Ontem a noite um amigo me chamou para jantar na casa dele. No programa jantar e assistir a última apresentação no teatro de “La cage aux folle” (gaiola das loucas) que seria transmitido pela tv. Fui. Sem muita vontade porque não consigo ver muita graça hoje nesse espetáculo. Acho que há uma defasagem no tempo. Eu tenho na lembrança a primeira versão interpretada por Michel Serrault e Ugo Tognazzi, sei lá quando vi isso, mas me lembro que a performance dos dois era irretocável e realmente engraçada. Mas a versão que vi ontem foi grotesca, horrível e sem a menor graça. E como eles gritam no teatro! Um esforço para obrigar o público a rir? A caricatura quando construída sem a noção do limite provoca um constrangimento em quem a vê, e não o riso. Um dos amigos convidados era um garoto americano que está em Paris estudando história da arte. Nunca havia ouvido falar na peça. Na maior parte do tempo ele não manifestou nenhum tipo de emoção, mas riu muito quando o personagem mordomo saiu de cena imitando um escravo e cantando como tal. Politicamente incorreto? Valeu como programa para preencher lacuna em dia de chuva. E só. Voltei para casa me enfiei na cama e sonhei com Serrault, que por acaso eu descobri que nasceu no mesmo dia em que eu nasci.

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