18.1.11

VIDA SOCIAL

Uma amiga brasileira me convidou para uma roda de samba. É. Ela me conhece bem. Uma roda de samba em Paris. Num bar logo atrás da Bastilha. Devo ter olhado para ela com cara de quem viu uma assombração. Ela disparou a rir. Sou doente do pé e não trouxe minha camiseta regatas. Não vou nem amarrado. Prefiro ser guilhotinado na Bastilha a ir a uma roda de samba. Está me achando besta ou esnobe? Não estou nem aí, só de imaginar me dá arrepios em todo o corpo. Essas discussões podem ir longe. O que sei é que quase todo mundo que conheço e que se diz democrático adora ditar regras, e porque não gosto de pagode ou coisa parecida recebo imediatamente um carimbo na testa. Ora, ora. Eu não prego a eliminação de uma coisa para fazer o meu gosto prevalecer. Tem lugar para todo mundo na copa dessa árvore, meu galho não está nem acima nem abaixo do seu, está onde deveria estar e eu escolhi para me sentar e apreciar a vista.

Encontrei um livro bem adorável casualmente num sebo, chama-se “Je meurs d’amour pour toi...” e conta a história de Isabelle de Bourbon-Parme que era neta do LuisXV de um lado e do rei Philip V da Espanha. Na verdade o livro revela as cartas que ela escreveu a sua cunhada arquiduquesa Marie-Christine irmã de seu marido o imperador Joseph II da Áustria. São cartas de amor. Não apenas lindas, mas também servem de registro do cotidiano. As duas se apaixonaram a primeira vista. A infeliz casou-se com o imperador austríaco quando na verdade tudo o que queria era ficar com a cunhada. Isabelle era inteligentíssima e para a época fora dos padrões de comportamento e inteligência. Morreu aos 22 anos. O histórico de seus antepassados é pesado, as figuras masculinas eram muito frágeis, pai deprimido e dominado pela mãe, avô obsessivo sexual. Já as figuras femininas eram as que seguravam a onda, equilibradas mesmo que mandonas por parte da família espanhola. Alguém podia pensar em fazer um filme com o material. Preço do meu prazer, 1 euro. De vez em quando é barato ser feliz.

Sábado fui jantar na casa de uma outra amiga. Anne-fleur, original da Normandia, linda, branquinha como a branca de neve e olhos verdes/azuis claríssimos. Ela mora na Defense com seu lover e um gato lindo chamado Yumi. Esse centro financeiro relativamente novo de Paris fica na última estação da linha 1 do metrô, você sai da estação e dá de cara com o arco moderno que faz um jogo em linha com a pirâmide do Louvre. O espaço é generoso e durante o dia muito movimentado, mas a noite vira um deserto. O prédio onde ela mora fica distante algumas centenas de metros do arco e a vista da sua sala é La grande Arché iluminada. Anne-flora ou Anne-flo ou Flo para os íntimos, caprichou na cozinha. Pequenas especialidades, só de imaginar os champignons farcis que ela nos preparou já fico com água na boca e vontade de voltar. Mas mesmo que la Defense, possa ter ajudado a preservar o patrimônio histórico de Paris indo se instalar lá longe, ficou um lugar esquisito, meio fantasma, meio subúrbio de luxo, como passear a noite na avenida Berrini (para quem conhece São Paulo). A tal da roda de samba cairia como uma luva na região. Animar na marra aquele deserto. Consigo até imaginar as barraquinhas de pernil e cerveja se espalhando pelos arredores. Oh meu Deus, por que não pensaram nisso antes?

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